Processo:

 

 CON-11/00024589

 

 Unidade Gestora:

 

 Prefeitura Municipal de Xanxerê

 

 Interessado:

 

 Bruno Linhares Bortoluzzi

 

 Assunto:  

 

 Contratação de leiloeiro oficial pela Administração Pública Municipal

 

 Parecer Nº:

 

 COG - 28/2011

 

 

Contratação de leiloeiros oficiais pela Administração Pública. Observância da escala de leiloeiros prevista no Decreto Federal n° 21.981/1932. Instrução Normativa n° 110/2010, do DNRC. Norma de hierarquia inferior. Reforma do Prejulgado 614.

A contratação de leiloeiro oficial para promover leilão de bens da administração pública direta e da indireta prestadora de serviço público, ou cujo patrimônio público tenha sido destinado a atender objetivo de interesse público relevante, devem obedecer a escala de antiguidade prevista no art. 42, obrigatoriamente organizada pela Junta Comercial, conforme dispõe o art. 41, ambos do Decreto Federal nº 29.981/32.

 

 

Sr. Consultor,

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Cuidam os autos de consulta subscrita pelo Prefeito Municipal de Xanxerê, Sr. Bruno Linhares Bortoluzzi, protocolizada neste Tribunal em 20 de dezembro de 2010, acerca da forma de contratação de leiloeiro oficial pela Administração Pública Municipal.

Nenhum documento foi anexado à consulta.

 

2. ANÁLISE

 

2.1. ADMISSIBILIDADE

 

No cotejo das regras constitucionais, legais e regimentais aplicáveis à matéria, quanto à admissibilidade da Consulta, tem-se:

 

a) Legitimidade - a consulta foi subscrita pelo Prefeito Municipal de Xanxerê, detentor de legitimidade para formular consultas por escrito a este Tribunal, atendendo ao art. 103, II e art. 104, III, do Regimento Interno deste Tribunal (Resolução n° 06/2001);

 

b) Matéria e precisão da dúvida - a questão suscitada se refere à matéria de competência deste Tribunal e expõe a dúvida de forma precisa, nos termos do art. 104, I e IV, do Regimento Interno.

 

c) Interpretação de lei ou questão formulada em tese: a consulta versa sobre questão formulada em tese e interpretação de lei, atendendo aos termos do art. 104, II, do Regimento Interno.

 

d) Parecer da Assessoria Jurídica - a consulta não se faz acompanhada do parecer jurídico do órgão Consulente, pressuposto estabelecido no inciso V do artigo 104 da Res. nº 06/01. Embora esse requisito não seja impeditivo da Consulta, na forma do § 2º do art. 105 do RI, deve ser considerado que o parecer da assessoria jurídica não se reveste de mero requisito formal, mas demonstra que a matéria posta em dúvida passou pelo crivo jurídico da Administração, que não obteve uma resposta conclusiva.

 

Isto posto, em face das atribuições conferidas a esta Consultoria Geral, por força do art. 105 e seus parágrafos do Regimento Interno, após a análise dos requisitos de admissibilidade, propugna-se pelo conhecimento da Consulta.

 

 

 

2.2 MÉRITO

Inicialmente, cabe registrar que o processo de consulta não envolve julgamento ou exame de legalidade para fins de registro por este Tribunal de Contas. Conforme leciona Hélio Saul Mileski, a resposta ora oferecida não constitui prejulgamento do fato ou caso concreto, mas apenas o prejulgamento da tese apresentada pela Consulente:

 

Como a resposta à consulta não corresponde à decisão de nível jurisdicional do Tribunal de Contas, envolvendo julgamento ou exame de legalidade para fins de registro, mas sim o posicionamento técnico-jurídico do órgão fiscalizador sobre determinada matéria, a resposta oferecida pelo Tribunal de Contas tem caráter normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto. [1]

 

 

Nesse sentido dispõe o § 3º do art. 1º da Lei Orgânica deste Tribunal de Contas (Lei Complementar nº 202/2000):

 

Art. 1º Ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição e do Estado e na forma estabelecida nesta Lei:

[...]

 

§3º As decisões do Tribunal de Contas em processo de consulta, tomadas por no mínimo dois terços dos Conselheiros que o compõem, têm caráter normativo e constituem prejulgamento da tese. (Grifo nosso).

 

 

No mérito, o consulente questiona a melhor forma de contratação de leiloeiro oficial pela Administração Pública Municipal: se deverá contratar, de forma motivada, mediante inexigibilidade de licitação, um dos leiloeiros oficiais contidos na lista oferecida pela Junta Comercial ou instaurar um processo licitatório.

A dúvida surge ante a atual divergência entre o conteúdo normativo do Decreto n° 21.981, de 19 de outubro de 1932, que exige, na contratação de leiloeiro oficial pela Administração Pública, a rigorosa observância da escala de antiguidade, e a Instrução Normativa n° 113, de 28 de abril de 2010, editada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, através do Departamento Nacional de Registro do Comércio - DNRC -, que dispensou as Juntas Comerciais de disponibilizaram a escala de antiguidade.

De forma a se obter uma melhor compreensão do tema proposto, se faz necessário explicitar o contexto histórico-normativo da questio.

Nos termos trazidos pelo art. 22, § 5°, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos - Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993 -, Leilãoé a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis prevista no art. 19[2], a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação”.

A Lei n° 8.666/93 também permite a utilização da modalidade licitatória leilão para a venda de bens móveis avaliados, isolada ou globalmente, em quantia não superior a R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais)[3], bem como para a venda de bem imóvel cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento[4].

O Leilão promovido pela Administração Pública poderá ser cometido a leiloeiro oficial ou a servidor designado, como o art. 53, caput, do Estatuto Licitatório, in verbis:

Art. 53.  O leilão pode ser cometido a leiloeiro oficial ou a servidor designado pela Administração, procedendo-se na forma da legislação pertinente.

§ 1o  Todo bem a ser leiloado será previamente avaliado pela Administração para fixação do preço mínimo de arrematação.

§ 2o  Os bens arrematados serão pagos à vista ou no percentual estabelecido no edital, não inferior a 5% (cinco por cento) e, após a assinatura da respectiva ata lavrada no local do leilão, imediatamente entregues ao arrematante, o qual se obrigará ao pagamento do restante no prazo estipulado no edital de convocação, sob pena de perder em favor da Administração o valor já recolhido.

§ 3o  Nos leilões internacionais, o pagamento da parcela à vista poderá ser feito em até vinte e quatro horas.

§ 4o  O edital de leilão deve ser amplamente divulgado, principalmente no município em que se realizará. (Grifo nosso).

 

Importante destacar que o caput do art. 53, acima transcrito, prevê que o leilão pode ser cometido a leiloeiro oficial, na forma da legislação pertinente, ou seja, ao Decreto n° 21.981, de 19 de outubro de 1932, com as alterações introduzidas pelo Decreto n° 22.427, de 1° de fevereiro de 1993, e pela Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999, as quais regulamentam a profissão de leiloeiro, conforme se verá adiante.

Sobre o tema, ao discorrer sobre o caput do art. 53 da Lei n° 8.666/93, Hely Lopes Meirelles assevera:

 

A Administração poderá valer-se de dois tipos de leilão: o comum, privativo de leiloeiro oficial, onde houver, e o administrativo propriamente dito. O leilão comum é regido pela legislação federal pertinente, mas as condições específicas podem ser estabelecidas pela Administração interessada, observados os princípios básicos da licitação; o leilão administrativo, feito por servidor público, que antes só era admitido para a venda de mercadorias apreendias como contrabando ou abandonas nas alfândegas, nos armazéns ferroviários, nas repartições públicas em geral, pode, agora, ser utilizado em qualquer caso. É o que se infere da Lei n. 8.666/93, que, ao cuidar do leilão como modalidade licitatória, permite, seja ‘cometido a leiloeiro oficial ou a servidor designado pela Administração’. O essencial é que o procedimento atenda às normas da legislação pertinente a leilões em geral.[5] (Grifo nosso).

 

No mesmo sentido, Diógenes Gasparini ensina:

 

Com base no Estatuto Federal Licitatório o leilão pode ser: comum, isto é, o realizado por leiloeiro oficial, sob a égide da legislação federal (Decs. N. 21.981/32, 22.427/33 e 2.089/63 e Dec. Lei Federal 37/66) e condições estabelecidas pela Administração Pública licitante, e administrativo, realizado por agente da entidade interessada. Com base nessa orientação, as leis estaduais e municipais acabaram por consignar a possibilidade de se ter um ou outro desses procedimentos e o fizeram, a nosso ver, inconstitucionalmente. Com efeito, a previsão de que pode haver um leilão administrativo, conduzido por um servidor dessas pessoas políticas, vai muito além da simples fixação de norma administrativa de licitação e invade a competência da União para legislar, privativamente, sobre condições para o exercício profissional (art. 22, XVI, da CF). É claro que, para a União, que a prevê no art. 53 do Estatuto Federal Licitatório, a objeção não tem cabida. A regra é constitucional, vez que, como se asseverou, cabe-lhe legislar sobre as condições para o exercício de profissões. Assim, o Estatuto, nesse particular, acabou por modificar a legislação existente sobre leilões. De sorte que os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal somente podem realizar leilões comuns.[6] (Grifo nosso).

 

 

Com dito acima, a profissão de leiloeiro encontra-se regulamentada no Decreto n° 21.981, de 19 de outubro de 1932, com as alterações introduzidas pelo Decreto n° 22.427, de 1° de fevereiro de 1933, e pela Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

 O Decreto n° 21.981, de 19 de outubro de 1932, exige, na contratação de leiloeiro oficial pela Administração Pública, a rigorosa observância da escala de antiguidade, nos seguintes termos:

 

Art. 42. Nas vendas de bens moveis ou imóveis pertencentes á União e aos Estados e municípios, os leiloeiros funcionarão por distribuição rigorosa de escala de antiguidade, a começar pelo mais antigo.

1º O leiloeiro que for designado para realizar os leilões de que trata este artigo, verificando, em face da escala, que não lhe toca a vez de efetuá-los, indicará à repartição ou autoridade que o tiver designado àquele a quem deve caber a designação, sob pena de perder, em favor do prejudicado, a comissão proveniente da venda efetuada.

 

§ 2º Nas vendas acima referidas os leiloeiros cobrarão somente dos compradores a comissão estabelecida no parágrafo único do artigo 24, correndo as despesas de anúncios, reclamos e propaganda dos leilões por conta da parte vendedora.

§ 3º O leiloeiro que infringir as disposições deste regulamento ou que tiver sido suspenso, ainda que uma só vez, ficará excluido de escala das vendas de que trata este artigo, pelo espaço de um ano. (Grifo nosso).

 

Segundo Marçal Justen Filho:

 

A Lei autoriza que o leilão seja executado através dos serviços de agentes da própria Administração ou por leiloeiros públicos. O leiloeiro público é tratado em nossa legislação como auxiliar independente do comércio. Sua profissão está regulamentada pelo Dec. N. 21.981, de 19 de outubro de 1932. As regras acerca de sua atividade, inclusive sua remuneração, estão previstas na lei pertinente. Não é possível eu a Administração escolha um terceiro qualquer, a ela não vinculado, que não esteja regularmente habilitado para desempenhar as atividades de leiloeiro.[7] (Grifo nosso).

 

 

Observa-se que o Decreto n° 21.981/1932 impõe a observância da escala de antiguidade no momento da contratação de leiloeiro oficial pela Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, de forma a ordenar os leiloeiros em uma constante rotatividade.

Ocorre que a Instrução Normativa n° 110, de 19 de junho de 2009, editada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, através do Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC -, suprimiu a exigência da manutenção da escala de leiloeiros pelas Juntas Comerciais. Embora a IN 110/09 tenha sido revogada pela Instrução Normativa n° 113, de 28 de abril de 2010, verifica-se que a dispensa da exigência da escala de leiloeiros foi mantida, como se afere do seu art. 10:

 

 

 

Da Escolha do Leiloeiro

Art. 10. A Junta Comercial, quando solicitada para informar nome de leiloeiro por interessado na realização de leilões, sejam estes pessoas de direito público ou privado, informará a relação completa dos leiloeiros oficiais devidamente matriculados.

 

§ 1º A relação de leiloeiros, referida no caput deste artigo, tem finalidade meramente informativa do contingente de profissionais matriculados na Junta Comercial.

 

§ 2º A forma de contratação do leiloeiro, seja por meio de procedimento licitatório ou outro critério, caberá aos entes interessados.

 

§ 3º Nas alienações judiciais e de bens particulares, a escolha dos leiloeiros será de exclusiva confiança dos interessados.  (Grifo nosso).

 

 

 

A IN 113/10 do DNRC determina às Juntas Comerciais que, quando solicitadas, informem a relação completa dos leiloeiros oficias devidamente matriculados, dispensando-as de disponibilizar a relação completa dos leiloeiros oficiais por ordem de antiguidade, deixando os Administradores Públicos sem a chamada “escala de leiloeiros”.

Importante ressaltar que a IN 113/10, contraria o comando da legislação federal vigente e, por ser norma hierarquicamente inferior, não possui força para revogar o Decreto n° 21.981/32.

Desta forma, a listagem demonstrativa da escala de leiloeiros deve ser mantida pelas Juntas Comerciais a que estão sujeitos os leilões, sendo disponibilizada ao Administrador Público que a solicite, conforme prescreve o art. 41 do respectivo Decreto:

 

Art. 41. As Juntas Comerciais, dentro do menor prazo possível, organizarão a lista dos leiloeiros, classificados por antiguidade, com as anotações que julgarem indispensáveis, e mandarão publicá-la.

 

Parágrafo único. As autoridades judíciais ou administrativas poderão requisitar as informações que desejarem a respeito de qualquer leiloeiro, assim como a escala de classificação a que se refere este artigo, devendo ser as respectivas respostas fornecidas rapidamente e sob a responsabilidade funcional de quem as formular, quanto á sua veracidade. (grifo nosso).

 

 

 

 Em 2008, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou sobre a competência das Juntas Comerciais para fiscalizar a atividade de leiloeiro, decidindo que permanecem vigentes as disposições do Decreto n° 21.981/1932:

PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DA JUNTA COMERCIAL PARA DESTITUIR CARGO DE PREPOSTO DE LEILOEIRO E IMPOR MULTA. PREVISÃO CONTIDA NO DECRETO Nº 21.981/32 QUE REGULAMENTA A PROFISSÃO DE LEILOEIRO.

INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO DESSA COMPETÊNCIA EM DECORRÊNCIA DA EDIÇÃO DE LEI Nº 8.934/94. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL.

(...)

11. Outrossim, o acórdão recorrido concluiu, verbis: "Ao que se vê,a Lei nº 8.934/94 cuidou de disciplinar, genericamente, a matéria acerca do registro público de empresas mercantis, na qual estão inseridas as atribuições das Juntas Comerciais. Deve ser ressaltado que a revogação de que trata o artigo 67 da Lei nº 8.934/94 (da lei nº 4.726/65)  é pelo fato de que a matéria relativa ao registro público das empresas mercantis e atividades afins passou a ser disciplinada pela nova lei, em nada modificando as diretrizes estabelecidas para a atuação dos leiloeiros que continuou a ser regulamentada pelo Decreto nº 21.981/32. Assim, prevalece a competência das Juntas Comerciais para impor multas e destituir o cargo de leiloeiro ou preposto, estando os recursos sujeitos à apreciação do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, consoante previsão do artigo 16 do Decreto nº 21.981/32. Ante o exposto, nego provimento à apelação, ficando mantida a sucumbência estabelecida na sentença. É o voto." (Grifo nosso).[8]

 

 

 

 

Desta feita, é entendimento do STJ que as diretrizes estabelecidas para a atuação dos leiloeiros contidas no Decreto n° 21.981/1932 permanecem vigentes.

Apesar da própria IN 113/2010, do DNRC, incluir em sua exposição de motivos a consideração da “manifestação do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n° 840.535-DF (2006/00085934-5), que pacificou entendimento relativo a controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais pertinentes às atividades e fiscalização dos Leiloeiros”, acabou contrariando os ditames do Decreto Federal que impõe a observância da escala.

No âmbito estadual, a manifestação da Junta Comercial do Estado de Santa Catarina – JUCESC- pode ser observada nos pareceres jurídicos publicados em seu respectivo sítio eletrônico[9], a exemplo do Parecer 234/2009, de lavra do Procurador Victor Emendörfer Neto:

 

A IN 110/09 claramente suprimiu a existência da escala de leiloeiros. Não apenas porque eximiu os interessados – seja pessoa de direito público ou privado – de observá-la, como também porque dispensou a Junta Comercial de mantê-la e apresentá-la a tais interessados.  Esta escala prestava-se somente a ordenar os diversos leiloeiros, de modo a propiciar uma

espécie de “rodízio forçado”. Agora, isto acabou: os interessados escolhem o leiloeiro segundo critérios absolutamente alheios às Juntas Comerciais – no caso de entes públicos, os critérios estabelecidos na Lei 8666/93; no caso de entes particulares, os critérios que lhes aprouverem.

(...)

 

 É verdade que, em tese, pode-se supor a contrariedade destas disposições regulamentares aos comandos da legislação federal regente (Decreto 21981/32, art. 42), que impõe a observância da escala. Entretanto, tal cogitação não pode afastar as conclusões já salientadas, conforme demonstrado no parecer 230/09 desta procuradoria: 

 

“Também aqui há espaço para se cogitar a ilegalidade das citadas disposições regulamentares. Por uma razão básica: o art. 10 da IN 110/09 dispensa uma exigência – a observância da escala de leiloeiros – expressamente imposta no art. 42 do Decreto Federal 21.981/32.

 

Curioso notar que o próprio precedente jurisprudencial (Resp 840535-DF) citado nos “considerandos” da IN 110/09 reconhece a vigência do referido decreto federal; aliás, estes mesmos “considerandos” referem-se expressamente às disposições deste diploma. Logo, estamos diante de uma contradição: a IN 110/09 reconhece a vigência do Decreto Federal 21.981/32, prestando-se, em tese, à sua regulamentação; e contraria expressa disposição constante deste mesmo ‘decreto’. Desnecessário lembrar que a Instrução Normativa é regra de hierarquia inferior, que não pode contrariar comando presente na legislação federal.

 

Em todo caso, ressalvado novamente o entendimento pessoal deste procurador, não há como afastar a incidência da IN 110/09 à hipótese. Reitere-se que as instruções normativas do DNRC devem ser consideradas, no âmbito de atuação das Juntas Comerciais, expressão mais concreta e específica dos comandos constitucionais e legais regentes. Reitere-se também que, justamente por isto, a observância destas normas regulamentares é, para os servidores das Juntas Comerciais, um dever funcional. E conclua-se que, embora ressalte a possível ilegalidade das referidas normas regulamentares, os comandos nelas previstos devem ser aplicados à hipótese”.  (Grifo nosso)

 

 

Considerando que os pareceres emitidos pelos procuradores da Jucesc têm caráter meramente opinativo e que as posições neles assumidas não vinculam a atuação daquela Junta, esta parecerista estabeleceu contato telefônico com a Secretária Geral da Jucesc, Dra. Maria Dilma Koerich e sua assistente Érica, sendo informado que a Junta está seguindo a orientação proposta pela IN 113/2010 do DNRC, disponibilizando, no seu sítio eletrônico, somente os nomes dos leiloeiros disponíveis, com a data da matrícula, o que não possibilita a verificação da antiguidade dos leiloeiros.

 Sobre a observância da escala de leiloeiros, este Tribunal editou o Prejulgado 614, in litteris:

Prejulgado 614

As sociedades de economia mista exploradoras de atividades econômicas, sujeitas ao regime das empresas privadas, nos termos do artigo 167, § 1º, da Constituição Federal, podem promover a escolha de leiloeiro através de processo licitatório.

É vedado às sociedades de economia mista concessionárias de serviço público ou aquelas cujo patrimônio público foi destinado a atender objetivo de interesse público relevante, a escolha discricionária de leiloeiro oficial para promover leilão de bens móveis inservíveis, devendo ser obedecida escala, pelo critério de antigüidade, conforme previsto no Decreto nº 29.981/32.[10]

 

O Prejulgado 614 teve origem do processo de consulta CON-0434000/86, o qual foi instruído através do Parecer COG 605/98, de autoria de Neimar Paludo. Naquela ocasião, concluiu-se que as sociedades de economia mista concessionárias de serviço público ou aquelas cujo patrimônio público foi destinado a atender interesse público relevante (item 2 do prejulgado), deveriam obedecer a escala, pelo critério de antiguidade, conforme previsto no Decreto n° 29.981/32, porque os bens de tais entidades são considerados bens públicos pela doutrina e jurisprudência, o que não acontece com os bens pertencentes às empresas de economia mista exploradoras de atividade econômica.

O citado parecer destacou ainda que a realização de licitação pela Administração Pública para contratação de leiloeiros oficiais seria inócua, uma vez que, nos termos do Decreto regulamentador, a remuneração dos leiloeiros oficiais é formada por comissão idêntica e fixa. Assim conclui Paludo:

 

 

(...) Contudo, nos termos do Decreto regulamentador da atividade de leiloeiro, a comissão é idêntica e fixa para todos os leiloeiros oficiais. Assim, ficaria inócua a licitação do tipo menor preço e o vencedor seria obtido por sorteio. E a essa contratação não se aplicaria a licitação tipo “técnica e preço” ou “melhor técnica”.

(...)

E não é objetivo da licitação a escolha por sorteio, notadamente porque de antemão já conhecia a concorrência do sorteio. E havendo outra regra clara e específica há de ser utilizada. E esta regra é a do art. 42, caput, do Decreto n° 29.981/32.

 

 

Portanto, as razões utilizadas por ocasião da edição do prejulgado 614 adequam-se, perfeitamente, a presente consulta, que trata de bens públicos pertencentes ao Poder Público Municipal, ao qual é aplicável o Decreto Lei n° 21.981/32.

Apesar de o prejulgado ter sido editado em 1998, é aplicável ao caso, porquanto posterior ao Decreto Lei n° 21.981/1932 que permanece em vigor. Além disso, como já ressaltado, a Instrução Normativa é norma de hierarquia inferior ao Decreto e o órgão editante (DNRC) não detém competência para alterá-lo, o que implica na manutenção do entendimento deste Tribunal.

Sobre o tema, Joel de Menezes Niebuhr orientou aos municípios da Federação Catarinense de Municípios:

 (...)

Tendo em vista a reafirmação, pelo STJ, da competência das Juntas Comerciais para fiscalizar a atividade de leiloeiro, o Departamento Nacional de Registro do Comércio editou   a Instrução Normativa nº 110/09, que dispõe sobre o processo de concessão, fiscalização e cancelamento da matrícula de leiloeiro. No inciso II do art. 10 da referida Instrução, é  assinalado:

(...)

Como se observa, a IN nº 110/09 do DNRC não altera a regra de contratação, pela Administração Pública,  disciplinada pelo Decreto nº 21.981/32, até porque o órgão não reúne competência para fazê-lo. Apenas reafirmou que a forma de contratação caberá aos interessados. Para uns, como para sociedades de economia mista exploradoras da atividade econômica, poderá ser feita licitação pública. Para outros, como para as entidades organizadas sob a forma de direito público da administração direta e indireta, bem como para as empresas estatais prestadoras de serviços públicos, a regra permanece sendo a de antiguidade, nos termos do art. 42 do Decreto nº 21.981/32.  

 

Entendemos, portanto, que a contratação de leiloeiro, pelo Município, deve se dar na forma do art. 42 do Decreto nº 21.981/32.[11] (Grifo nosso).

 

 

Desta forma, também entendemos que a contratação de leiloeiro, pelo Município, deve ocorrer na forma do art. 42 do Decreto n° 21.981/1932, não sendo cabível a contratação de qualquer leiloeiro oficial mediante processo de inexigibilidade de licitação. A inexigibilidade somente ocorre quando da contratação na forma prevista pelo artigo 42, obedecendo a escala de antiguidade, obrigatoriamente elaborada pela Junta Comercial, conforme determina o art. 41 do Decreto 21.981/32.

 

2.3. DA REFORMA DO PREJULGADO 614

 

O prejulgado 614 está em consonância com o entendimento exposto neste parecer.

No entanto, o citado prejulgado é direcionado às sociedades de economia mista, não abrangendo diretamente a Administração Pública Direta.

Assim, tendo por objetivo diminuir a base de orientações, concentrando entendimentos em Prejulgados conforme a matéria, facilitando, desta forma, a consulta por parte dos jurisdicionados e demais interessados, sugere-se a reforma do item 2 do prejulgado 614 para incluir a Administração Pública Direta, nos seguintes termos:

 

 

2. A contratação de leiloeiro oficial para promover leilão de bens da administração pública direta e da indireta prestadora de serviço público, ou cujo patrimônio público tenha sido destinado a atender objetivo de interesse público relevante, devem obedecer a escala de antiguidade prevista no art. 42, obrigatoriamente organizada pela Junta Comercial, conforme dispõe o art. 41, ambos do Decreto Federal nº 29.981/32.

 

É o parecer.

 

 

 

3. CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, a Consultoria Geral emite o presente Parecer no sentido de sugerir à Exma. Sra. Relatora que proponha ao Egrégio Tribunal Pleno decidir por:

3.1. Conhecer da presente Consulta por preencher os requisitos e formalidades preconizados nos arts. 103 e 104 do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001) do Tribunal de Contas.

 

3.2.  Com fundamento no art. 156 da Resolução n. TC-06/2001, reformar o item 2 do Prejulgado 614,  que passará a conter a seguinte redação:

3.2.1.   A contratação de leiloeiro oficial para promover leilão de bens da administração pública direta e da indireta prestadora de serviço público, ou cujo patrimônio público tenha sido destinado a atender objetivo de interesse público relevante, deve obedecer a escala de antiguidade prevista no art. 42, obrigatoriamente organizada pela Junta Comercial, conforme dispõe o art. 41, ambos do Decreto nº 29.981/32.

 

3.3. Dar ciência da Decisão,  do Relatório e Voto do Relator e do Parecer da Consultoria Geral ao Sr. Bruno Linhares Bortoluzzi e à Prefeitura Municipal de Xanxerê.

 

 

 

Consultoria Geral, em 04 de abril de 2011.

 

 

ANDRESSA ZANCANARO DE ABREU

Auditor Fiscal de Controle Externo

 

 

De Acordo

 

Valeria Rocha Lacerda Gruenfeld

Coordenadora

 

 

De acordo. Contudo, à elevada consideração do Exma. Sra. Relatora Auditora Sabrina Nunes Iocken, ouvindo preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 

HAMILTON HOBUS HOEMKE

Consultor Geral

 



[1]MILESKI, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 362

[2]Art. 19.  Os bens imóveis da Administração Pública, cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento, poderão ser alienados por ato da autoridade competente, observadas as seguintes regras:

I - avaliação dos bens alienáveis;

II - comprovação da necessidade ou utilidade da alienação;

III - adoção do procedimento licitatório, sob a modalidade de concorrência ou leilão.

[3] Art. 17.  A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

(...)

§ 6o  Para a venda de bens móveis avaliados, isolada ou globalmente, em quantia não superior ao limite previsto no art. 23, inciso II, alínea "b" desta Lei, a Administração poderá permitir o leilão.

 

Art. 23.  As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:

(...)

b) tomada de preços - até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais).

[4]Art. 19.  Os bens imóveis da Administração Pública, cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento, poderão ser alienados por ato da autoridade competente, observadas as seguintes regras:

I - avaliação dos bens alienáveis;

II - comprovação da necessidade ou utilidade da alienação;

III - adoção do procedimento licitatório, sob a modalidade de concorrência ou leilão.

 

[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 91.

[6] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 562.

[7] Marçal Justen Filho. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12 ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 641.

[8] REsp 840535 / DF. Recurso Especial 2006/0085934-5.  Ministro LUIZ FUX (1122). Órgão julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA. Data do julgamento: 15/04/2008. Data da publicação: DJe 19/05/2008. Disponível em <www.stj.jus.br>. Acesso em 14/02/2011.

[9] A JUCESC adverte em seu sítio eletrônico que “estes pareceres têm caráter meramente opinativo. As posições neles assumidas não vinculam, em hipótese alguma, a atuação desta Junta Comercial. São disponibilizados ao público apenas como fonte de consulta.”.  No mesmo sentido, os Pareceres 230 e 239/2009. Disponível em <http://www.jucesc.sc.gov.br/index.pfm?codpagina=00001725>. Acesso em 14/02/2011.

[10] Processo n° CON-TC0434000/86. Parecer COG-720/98. Origem: Banco do Estado de Santa Catarina S/A. Relator: Conselheiro Luiz Suzin Marini. Data da sessão: 07/12/1998. Disponível em <www.tce.sc.gov.br>.

[11]Parecer proferido em 16 de agosto de 2010. Disponível em < http://www.fecam.org.br/consultoria/pareceres.php?cod_parecer=1459&cod_categoria=T&palavra=>. Acesso em 14/02/2010.