Processo: |
ALC-01/01842600 |
Unidade
Gestora: |
Fundo Estadual de Incentivo à Cultura -
FEIC |
Responsáveis: |
Élio Sebastião dos Santos, Iaponan Soares
de Araújo, Marcia Maria de Quadra, Marcos Luiz Rovaris e Nelson Simeão Leal |
Interessado: |
Antonio Ubiratan de Alencastro |
Assunto:
|
Auditoria sobre licitações, contratos,
convênios e atos jurídicos análogos do período de julho a dezembro de 2000 |
Relatório
de Instrução: |
COG - 64/2011 |
Auditoria em licitações e contratos.
Responsável acometido de doença mental. Inimputabilidade total reconhecida.
Excludente de culpabilidade. Absolvição imprópria.
Se houve o reconhecimento em processo penal
judicial de doença mental que impossibilitou o responsável de discernir o
caráter ilícito do ato que estava praticando, mister que esta Corte reconheça
os efeitos da excludente de culpabilidade e deixe de aplicar eventuais sanções
ao gestor, desde que observado a data do início da inimputabilidade fixada pela
perícia.
1. INTRODUÇÃO
Trata-se
de
Instruído
o processo, aportou aos autos a informação relativa a inimputabilidade de um dos responsáveis, Sr.
Iaponan Soares de Araújo, diretor, à época, do Fundo de Incentivo à Cultura. Retornando o feito a esta Consultoria Geral
para manifestar-se.
2. ANÁLISE
2.1. Admissibilidade
Tendo
em vista a determinação do Presidente deste Tribunal de Contas, requerendo
estudos jurídicos acerca da matéria, em consonância com o art. 30, inciso IV,
da Resolução TC 11/2002, analisa-se a questão.
2.2. Mérito
Tratam
os presentes autos de auditoria no cumprimento do Contrato nº 003/00 e seus
aditivos, cujo objeto era a restauração do Palácio Cruz e Sousa, em
Florianópolis.
No
transcorrer da execução do contrato, bem como seus aditivos e termos de
retificação, foi constatado uma série de irregularidades, imputada a vários
responsáveis.
Dentre
os agentes apontados pela instrução, por ora analisa-se, tão somente, a
questão referente à imputabilidade do Sr. Iaponan Soares de Araújo, e os atos
jurídicos que lhe são atribuídos.
Simultaneamente
a este procedimento administrativo, tramitava junto à 2ª Vara Federal de
Joinville, o Incidente de Sanidade Mental nº 2007.72.01.000907-4/SC, cujo
objeto era a constatação da imputabilidade do réu Iaponan Soares de Araújo,
para instrução dos autos da ação penal nº 2007.72.01.01389-9.
Realizada a perícia médica, por meio do laudo
de Insanidade Mental nº 11489, foi concluído que à época dos fatos narrados na
denúncia – 16.08.2000 -, em função da
doença mental (Demência do tipo Alzeimer), o examinado apresentava total
incapacidade de entender o caráter ilícito do ato praticado e, portanto,
também de se determinar de acordo com tal entendimento, sendo considerado por
isso inimputável. (fls. 682/695).
Alicerçado
no Laudo, o Juízo Federal de Joinville reconheceu a inimputabilidade do
acusado, em 18/09/2009, nestes termos:
Com
efeito, o laudo pericial indica que a partir dos antecedentes pessoais, da
curva vital e da biografia do examinado, restaram preenchidos uma série de
requisitos que corroboram o diagnóstico de Demência do tipo Alzheimer.
Segundo
os peritos, dentro do diagnóstico da Demência de Alzheimer estão definidas
três categorias - Definitiva, Provável e Possível - sendo que a definitiva só
pode ser obtida através da biópsia do tecido cerebral. Concluem que tal
procedimento mostra-se extremamente invasivo e desnecessário para o exame
pericial a que se destina.
Ainda
segundo os peritos, das categorias restantes, a que mais se aproxima da
definitiva é a provável. Logo, e a partir da análise da anamnese, dos exames
complementares e dos testes realizados, constatou-se que o examinado preenche
diversos requisitos necessários para esse diagnóstico.
Para
finalizar, concluem que a demência de Alzheimer apresenta um início lento e um
curso insidioso e gradual, sendo difícil saber atualmente em que fase do
transtorno examinado se encontrava à época dos fatos narrados na denúncia.
Entretanto, partindo do pressuposto que o examinado se encontrava em fase
inicial da doença na época dos fatos, tal situação já implicaria em um
comprometimento de sua capacidade de entendimento e determinação da natureza
ilícita do ato.
Ora,
o próprio laudo pericial indica que, no estágio inicial, a Demência de Alzheimer
apresenta alguns requisitos como: a) perda da memória recente que afeta o
desempenho de atividades; b) confusão sobre lugares; c) perda da
espontaneidade, interesse ou motivação; d) perda da iniciativa, dificuldade
para iniciar ou concluir atividades; e) mudanças de humor e personalidade
(ansiedade com relação aos sintomas que guarda para si mesmo); f) incapacidade
de julgar situações (comete erros nas decisões); g) lentificação psicomotora
(trabalhos de rotina são executados mais lentamente); h) dificuldade em lidar
com dinheiro e pagar contas (fl. 144).
A
corroborar tal entendimento há informações prestadas pela filha do examinado,
dando conta de que a partir de 1995 o acusado vinha apresentando,
sistematicamente, problemas de comportamento, de memória, de organização e de
alteração do humor (fl. 137).
Logo,
é possível concluir que o réu era inimputável na data dos fatos.
Pelo
exposto, acolhendo o laudo pericial de fls. 136/149, reconheço a
inimputabilidade do acusado Iaponan Soares de Araújo na data dos fatos e, nos
termos do art. 151 do CPP, determino o prosseguimento da ação penal.[1]
Diante
do laudo pericial acostado aos autos e da Decisão proferida pela 2ª Vara da
Justiça Federal de Joinville, contra a qual não houve recursos[2],
não há mais o que se discutir a respeito da ocorrência de inimputabilidade
penal do acusado, que era, em 16.08.2000, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo em
esse entendimento, nos termos do art. 26, do Código Penal.
Convém
agora esclarecer o significado da inimputabilidade e suas consequências
jurídicas penais e administrativas.
Dentro
do direito penal existem várias causas que excluem a culpabilidade do autor do
fato criminoso, dentre elas encontra-se a imputabilidade, que é, portanto, um
pressuposto para culpabilidade, e assim definida pela doutrina:
A imputabilidade, entendida como pressuposto
da culpabilidade, ‘é a condição pessoal de maturidade e sanidade mental que
confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se segundo esse entendimento’ (Heleno Cláudio Fragoso, Lições de
Direito Penal, 1987, p. 203)
O legislador penal não definiu, em termos
legais, a imputabilidade. Optou por um caminho diverso: ‘Ao invés de formular
conceito, preferiu explicá-lo negativamente, indicando as condições nas quais
é impossível o seu reconhecimento. E, para expressar a ideia negativa de
imputabilidade, acolheu o critério biopsíquico, que exige a verificação, no
agente, de determinados coeficientes mentais anormais (doença mental,
desenvolvimento mental incompleto ou retardado), de que resultem para ele
incapacidade intelectiva ou incapacidade volitiva. Destarte, não basta que se
detecte no agente a doença mental ou o desenvolvimento mental incompleto ou
retardado’. ‘Resta sempre assentar ainda que, em consequência, falte ao agente
a capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de
acordo co esse entendimento’ (Aníbal bruno, Direito Penal, 4ª Ed., vol. I, t.
II/145, 1984). Por outro lado, as incapacidades de inteligência e de vontade –
as duas não necessitam coexistir – devem ser aferidas ao tempo da ação ou da
omissão.[3]
Portanto,
diante da constatação inequívoca da inimputabilidade do acusado, que ocorreu
por meio do regular laudo pericial, nada resta ao julgador, do que afastar a
culpabilidade do agente, proferindo, de acordo com a doutrina, decisão
absolutória imprópria, isto é, não podendo imputar ao réu as penas que lhe são
atribuídas pelo fato típico, mas sim, dependendo do caso, tão somente medida
de segurança, ainda que comprovadas a autoria e a materialidade do crime.
No
caso ora analisado a perícia foi clara em constatar a total inimputabilidade
do réu, não deixando margens ao jurista quanto a uma possível responsabilidade
diminuída[4],
diante do início da doença mental apresentada pelo Sr. Iaponan.
Mas
há de se deixar bem claro que o processo penal, no bojo do qual foi solicitado
o laudo, haverá uma sentença, oportunidade em que o magistrado analisará toda
a responsabilidade criminal do Sr. Iaponan – autoria e materialidade – e,
somente após, quando da dosimetria da pena, haverá do reconhecimento da causa
excludente da culpabilidade e a possível aplicação da medida de segurança.
Idêntico destino é sugerido aqui, nos autos do processo ALC 01/01842600, analisando a responsabilidade do Sr. Iaponan Soares de Araújo. Em outras palavras, sugere-se que após o tramite do feito, nos termos do Regimento Interno e da Lei Orgânica deste Tribunal de Contas,, quando da eventual imposição das medidas cabíveis, seja reconhecida sua total inimputabilidade e, consequentemente, não se lhe aplique sanções, desde que os atos ilegais ou irregulares eventualmente praticados pelo Sr. Iaponan tenham ocorrido após 16/08/2000, pois antes desta data gozava de plena capacidade.
3. CONCLUSÃO
AUDITORA FISCAL
DE CONTROLE EXTERNO |
De Acordo
COORDENADORA |
CONSULTOR GERAL |
[1]Fonte:http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=jfsc&documento=2719279&DocComposto=&Sequencia=&hash=c854164cfe0df22cf66abfc8f30b9d4a. Acesso em 4.mar.2011.
[2]Fonte:http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=jfsc&documento=3327859&DocComposto=&Sequencia=&hash=38e5a6562149209700b4636ccac8722f. Acesso em 4.mar.2011.
[3] FRANCO, Alberto Silva, et all. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. v. 1. Parte Geral. 7ª ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. pp. 425/426.
[4] “No caso da inimputabilidade (art. 26, caput) por doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, o agente, no momento da conduta, é ‘inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento’. Ele não possui capacidade intelectiva ou volitiva. Na responsabilidade diminuída, em face da anormalidade psíquica, ele não possui plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, i. e., a causa não é de molde a suprimir-lhe integralmente a capacidade intelectiva ou volitiva. Enquanto no caput o artigo emprega a expressão ‘doença mental’, no parágrafo usa os termos ‘perturbação da saúde mental’, repetindo a locução ‘desenvolvimento mental incompleto ou retardado’. Não se identificam as expressões ‘doença mental’ e ‘perturbação da saúde mental’. É certo que toda doença mental constitui perturbação da saúde mental. Mas nem toda perturbação da saúde mental constitui doença mental. No caso do parágrafo ingressam as doenças mentais que não retiram do sujeito a capacidade intelectiva ou volitiva, mas diminuem essa capacidade, e outras anormalidades psíquicas que, diminuindo o entendimento e a vontade, não constituem doenças mentais. Em face da doença mental, p. ex., podem ocorrer duas hipóteses: a) em decorrência dela o agente é inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento: aplica-se o caput do art. 26; b) por causa da doença mental o agente não possui a plena capacidade de entendimento dou de determinação: aplica-se o parágrafo único do art. 26” (JESUS, Damásio de. Direito Penal. Vol. 1: parte geral. 31ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 547)