Processo:

REC-09/00016051

Unidade Gestora:

Prefeitura Municipal de Laguna

Interessado:

Adílcio Cadorin

Assunto:

Referente ao processo -TCE-05/00976287

Parecer Nº:

COG - 147/2011

 

 

Multa. Cadastro imobiliário desatualizado.

É dever do Município manter o cadastro imobiliário do seu território atualizado, haja vista ele servir de base para tributação dos respectivos imóveis.

 

Sr. Consultor,

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

1.1. RELATÓRIO

 

Trata-se de Recurso de Reconsideração  referente ao processo -TCE-05/00976287, instaurado para apurar irregularidades constatadas quando da auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Laguna, sendo que por meio do Acórdão n. 1642/2008 foram aplicadas multas em face da ausência de providências para a regularização e incorporação ao patrimônio público municipal de imóveis sob a responsabilidade do município e originários de tombamento de terras devolutas da União, bem como em face da inexistência de cadastro imobiliário atualizado e existência de falhas no ordenamento territorial do município.

 

O Ministério Público estadual informando a existência de vários Inquéritos Civis Públicos e policiais contra o ex-prefeito Adilcio Cadorin (recorrente), solicitou  a esta Corte que se procedesse auditoria na Prefeitura Municipal de Laguna, conforme os documentos de fls. 02 – 78.

 

A Assessoria da Presidência, por meio do Memo APRE 05/2004, às fls. 79 recomendou a realização de auditoria.

 

Direcionado o feito à COG, esta se manifestou através da Informação 19/05, às fls. 80 - 83 sugerindo a atuação do processo como Representação do Poder Judiciário – RPJ, e o encaminhamento dos autos à Diretoria de Denúncias e Representações - DDR, para a adoção de providências, inclusive auditoria.

 

Em seguida, a DDR apresentou o Planejamento de Inspeção n. 051/05, às fls. 85/86.

 

Realizada a Inspeção, a diretoria técnica apresentou o seu relatório n. 63/05, às fls. 108 – 134, no qual constatou irregularidades, sugerindo a conversão do processo em Tomada de Contas Especial e determinação da citação dos responsáveis.

 

Dirigido os autos ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, o parecer ministerial MPTC nº 2.143/2005, às fls. 136 – 138, posicionou-se conforme o corpo técnico.

 

Seguindo o trâmite regimental, o Conselheiro Relator determinou, no Parecer nº GC-WRW-2005/433/JW, às fls. 139/140 a audiência dos responsáveis, pois considerou que a conversão do feito em Tomada de Contas Especial somente será possível após a apresentação de justificativas dos responsáveis e permanecendo as irregularidades e dano ao erário.

 

Os responsáveis, por sua vez, apresentaram suas justificativas às fls. 144 – 146, 152 – 262.

 

Retornando o feito à DDR, esta, por meio do Parecer n. 15/06, às fls. 265 – 277, constatou irregularidades e sugeriu a conversão do processo em Tomada de Contas Especial. Nesse mesmo sentido também foi o parecer MPTC nº 0570/2006 do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

Em nova manifestação, o Conselheiro Relator, por meio do Parecer nº GC-WRW-2006/169/JW, às fls. 286 – 292, opinou pela conversão do feito em Tomada de Contas Especial e a determinou da citação dos responsáveis para apresentarem alegações de defesa. E, nesse sentido foi a Decisão n. 1121/2006 do Tribunal Pleno, às fls. 293-295.

 

Em resposta, os responsáveis apresentaram suas alegações de defesa às fls. 301 – 320, 328 – 336.

Encaminhado o feito para a análise da diretoria técnica, esta apresentou o Parecer 1375/07, às fls. 345 – 361, apontando débito e sugerindo aplicação de multa, sendo nesse sentido também a manifestação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, através do Parecer nº 1932/2008.

 

Retornando o feito ao Conselheiro Relator para a apresentação do voto (GC-WRW-2008/633/JW, às fls. 381 – 389), a sua manifestação foi no sentido de afastar a imputação de débito, face a ausência de prova efetiva de dano ao erário, restando, porém a responsabilização por multas.

 

Por derradeiro, o processo foi submetido à votação na Sessão Plenária Ordinária de 10/11/2008, cujo Acórdão nº 1642/2008 segue transcrito in verbis

 

VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos à Tomada de Contas Especial pertinente a irregularidades praticadas no âmbito da Prefeitura Municipal de Laguna nos exercícios de 2001 a 2004.

Considerando que foi efetuada a citação dos Responsáveis, conforme consta nas fs. 296 e 325 a 327 dos presentes autos;

Considerando que o Sr. Vilmar Sutil da Rosa não se manifestou acerca da citação procedida e que as alegações de defesa e documentos apresentados pelo Sr. Adílcio Cadorin são insuficientes para elidir irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Parecer DMU n. 1375/2007;

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

 

6.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, na forma do art. 18, III, alínea b, c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Laguna, com abrangência sobre a transferência, a particulares, de imóveis registrados no cadastro imobiliário da municipalidade como de propriedade não identificada, referentes aos exercícios de 2001 a 2004, em decorrência de Representação formulada a este Tribunal de Contas.

 

6.2. Aplicar aos Responsáveis abaixo discriminados, com fundamento no art. 69 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovarem ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

 

6.2.1. ao Sr. ADíLCIO CADORIN - ex-Prefeito Municipal de Laguna, CPF n. 068.277.210-00 , as seguintes multas:

 

6.2.1.1. R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), em face da ausência de providências para a regularização e incorporação ao Patrimônio Público dos Imóveis sob responsabilidade do Município e originários do "Tombamento" de terras devolutas da União, mediante a declaração de domínio público, através de procedimento discriminatório, de acordo com o que preceituam os arts. 11, § 2º, da Lei Orgânica Municipal e 1º, e seguintes, da Lei (federal) n. 6.383/76 (item 2 do Parecer DMU);

 

 6.2.1.2. R$ 800,00 (oitocentos reais), pela inexistência de cadastro imobiliário atualizado e existência de falhas no ordenamento territorial do Município, descumprindo as determinações da Lei Orgânica de Laguna, arts. 8º, XI, 11, §§ 7° e 8º, e 95, da Lei Complementar (municipal) n. 072/01, de 16 de dezembro de 2001, arts. 28, 30 e 32, e do Código Tributário Municipal, arts. 200 e 202 (item 5 do Parecer DMU);

 

6.2.2. ao Sr. VILMAR SUTIL DA ROSA - ex-Secretário Municipal de Finanças e Gestão de Laguna, CPF n. 295.373.809-63, as seguintes multas:

 

6.2.2.1. R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), em face da ausência de providências para a regularização e incorporação ao Patrimônio Público dos Imóveis sob responsabilidade do Município e originários do "Tombamento" de terras devolutas da União, mediante a declaração de domínio público, através de procedimento discriminatório, de acordo com o que preceituam os arts. 11, § 2º, da Lei Orgânica Municipal e 1º, e seguintes, da Lei (federal) n. 6.383/76 (item 2 do Parecer DMU);

 

6.2.2.2. R$ 800,00 (oitocentos reais), pela inexistência de cadastro imobiliário atualizado e existência de falhas no ordenamento territorial do Município, descumprindo as determinações da Lei Orgânica de Laguna, arts. 8º, XI, 11, §§ 7° e 8º, e 95, da Lei Complementar Municipal n. 072/01, de 16 de dezembro de 2001, arts. 28, 30 e 32, e do Código Tributário Municipal, arts. 200 e 202 (item 5 do Parecer DMU).

 

6.3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Parecer DMU n. 1375/07, à Prefeitura Municipal de Laguna e aos Responsáveis nominados no item 3 desta deliberação.

 

Devidamente publicado o decisum no DOTC-e n. 143 de 24/11/2008, o recorrente, inconformado, interpôs o presente recurso, cuja análise segue abaixo.

 

 

2. ANÁLISE

 

 

2.1. ADMISSIBILIDADE

 

Considerando o processo TCE – 05/00976287, referente à Tomada de Contas Especial, tem-se que o recorrente utilizou o recurso adequado, de acordo com o art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, como sendo o de Reconsideração, atendendo a adequação.

 

Os pressupostos legais e regimentais quanto à legitimidade foram atendidos, uma vez que o mesmo foi interposto pelo responsável nos termos do art. 133, §1º, “a” do Regimento Interno.

 

Em relação à tempestividade, tem-se que o acórdão recorrido foi publicado no DOTC-e nº 143 de 24/11/2008, sendo o recurso protocolado no dia 02/01/09, constata-se a tempestividade do presente recurso.

 

Outrossim, cumpre - o recurso - o requisito da singularidade, porquanto interposto pela primeira vez.

 

Portanto, restam cumpridos os requisitos necessários ao conhecimento do presente Recurso de Reconsideração.

 

2.2. MÉRITO

 

MULTA DE R$ 1.500,00 EM FACE DA AUSÊNCIA DE PROVIDÊNCIAS PARA A REGULARIZAÇÃO E INCORPORAÇÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO DOS IMÓVEIS SOB RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO E ORIGINÁRIO DO “TOMBAMENTO” DE TERRAS DEVOLUTAS DA UNIÃO

 

MULTA DE R$ 800,00 PELA INEXISTÊNCIA DE CADASTRO IMOBILIÁRIO ATUALIZADO  E EXISTÊNCIA DE FALHAS NO ORDENAMENTO TERRITORIAL DO MUNICÍPIO

 

Irresignado com o Acórdão que lhe aplicou as duas multas acima, o recorrente interpôs o presente recurso fazendo inúmeras considerações de forma geral, ou seja, sem fazer alegações defensivas para cada multa individualmente.

 

Sustenta o recorrente que :

 

[...]Os imóveis descritos no presente processo estavam cadastrados há diversos anos no Cadastro Municipal sem identificação e com lançamentos de tributos municipais pendentes de pagamento. Por mais absurdo que possa parecer, nas administrações anteriores foram expedidas certidão de dívida ativa e enviadas para execução judicial, tendo no pólo devedor o “contribuinte” NIS...

Sem dúvida, saltava aos olhos que uma das formas de incrementar a arrecadação era identificar os contribuintes e possíveis devedores de tributos.

Nos autos, foi demonstrado que todos os esforços para melhorar a arrecadação tributária do município foram adotadas, tendo sido apresentado resultados positivos no sentido de aumentá-la significativamente em termos reais...

Ignorou a decisão que o fato não foi criado e muito menos surgiu durante a Administração do recorrente que apesar de todos os esforços que adotou conforme demonstrado no item ‘preliminarmente’ da defesa, dada a limitação de recursos não conseguimos proceder a um recadastramento geral, que se fazia necessário, pois montamos um projeto do PMAT, mas não foi possível liberar os recursos e implementar o citado projeto durante o mandato. Entretanto, não se pode negar que medidas concretas incluindo projeto para realização do cadastro multi-finalitário foram iniciadas...

No mesmo norte que o citado parecer apurou,nos presentes autos evidencia-se que há nítida falha estrutural não imputável ao agente causador, que recebeu a prefeitura nas condições apontadas na defesa sem que houvesse um servidor concursado sequer...

Por esses motivos, aliado ao fato de que não restou caracterizado dano ao erário, utilizando-se o precedente constando no processo supra mencionado, requer-se a reconsideração da decisão que aplicou multa ao agente público convertendo-se a decisão em determinação para regularização do problema apontado.

 

DA IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO GESTOR POR ATO TÉCNICO PRATICADO POR SERVIDOR

 

Compulsando os autos verifica-se que as supostas irregularidades não se referem a atos praticados pelo recorrente, mas por subordinados, técnicos em suas áreas...

Considerando a posição do Tribunal de Contas da União pode-se inferir que não é atribuição do Prefeito Municipal, como ordenador de despesa, controlar detalhadamente e de forma individual os procedimentos contábeis e a cobrança de impostos.

Erros nestes procedimentos não podem lhe ser atribuídos, pois estas funções são afetas aos órgãos técnicos próprios da estrutura administrativa municipal. Não se confundem estes atos com atos de gestão , que são aqueles praticados pelo agente político na administração do Município...

Quando se realiza a cobrança de imposto de milhares de contribuintes, não pode o prefeito conferir uma por uma, realizando cálculos monetários para conferência da cobrança. Obviamente não poderá ser por isso responsabilizado. A responsabilidade do gestor deve se dar por seus atos, e não sobre atos técnicos exercidos pelo funcionário público individualmente...

Ante o exposto, levando em consideração o fato de que o recorrente não agiu com dolo ou qualquer culpa (quanto mais grave) e não há possibilidade de aplicação da regra da teoria de responsabilidade objetiva já que vedada para o agente político segundo regra contida na Constituição Federal e Lei Orgânica Municipal.

Levando em consideração o que aqui se expôs sobre a teoria da responsabilidade e ausência de nexo de causalidade entre o dano e atos ou omissões do recorrente, deve a decisão ser reformada para isentá-lo, totalmente, de responsabilidade para fins de aplicação de multa.

2-DA MULTA APLICADA...

Assim, reconhecido que o ato não era de gestão nem tampouco de competência do recorrente, a multa não pode lhe ser aplicada, sendo no máximo cabível contra o servidor responsável...

Em casos onde a aplicação da pena de multa correspondente a valores variáveis, ou seja, infrações cujo o quantum da pena pecuniária é variável, deverá o julgador, além de demonstrar a motivação pela qual foi aplicada a multa, motivar o porque de sua quantificação nos valores por ela aplicados...

Insta observar que discricionariedade não se confunde com arbitrariedade, devendo o Julgador demonstrar os motivos que a levou a aplicar aquele quantum na imposição da pena de multa, principalmente quando aplicada acima do valor mínimo, caso contrário, há nulidade do ato administrativo ante a ausência de um de seus requisitos legais, qual seja, a motivação [...]

 

Acerca dos fatos que ensejaram as multas aplicadas, a diretoria técnica havia se manifestado da seguinte forma no Parecer nº 15/06, às fls. 265 - 277:

 

I. DA INSPEÇÃO

 

1. Do conteúdo da Representação

 

A Representação a este Tribunal encaminhada trata de questões envolvendo a existência de imóveis no município de Leguna, cadastrados pela Prefeitura como de proprietários não identificados, ou simplesmente denominados "NIs", com eventuais irregularidades em transferências e baixas efetuadas pela municipalidade entre os anos de 2001 e 2004, e sem que fossem feitas alienações ou doações autorizadas pelo Legislativo Municipal.

 

Afirma-se à denúncia, ainda, que verificando-se o citado cadastro dos imóveis sob a rubrica de “NIs”, relativo ao ano de 2000 e comparado o mesmo com aquele que a representação estabelece como sendo “à data da verificação”, segundo o que se depreende, em março de 2004, ter-se-ia constatado (SIC) que no período “...foram baixados dos computadores (de uso da servidora Maria Helena H. Fernandes e do Secretário Vilmar Sutil da Rosa) sem que fossem feitas alienações ou doações autorizadas pelo legislativo.”

 

E solicita que seja procedida inspeção por este Tribunal no intuito de identificar a destinação dos imóveis baixados irregularmente nos registros cadastrais do Município.

 

A inspeção procedida, então, preocupou-se com a apuração dos questionamentos supra e visou, ainda, identificar a correção das transferências de imóveis, se efetivamente ocorridas, ou se fraudulentas, cabendo identificar a ocorrência efetiva de tais fatos e, nesse caso, observar a destinação de propriedade dos imóveis supostamente "baixados" irregularmente nos registros cadastrais do Município e outras eventuais incorreções decorrentes.

 

 

2.  Da legislação pertinente ao tema e outras considerações

 

A propósito, da análise sobre a legislação municipal pertinente ao tema, registre-se preliminarmente que em 1885 foi aprovada pela Câmara Municipal e à revelia da União, um "Tombamento" da área imobiliária do Município, através do qual ficou delimitada a área territorial de interesse municipal, passando então a Prefeitura a administrar os imóveis definidos pelo referido "Tombamento".

 

Obteve-se Certidão de Registro de Títulos e Documentos, assinada pela Oficial Maior do Cartório de Registro Civil de Laguna à época, Senhora Mabel Villa Demétrio, datada de 29 de maio de 1992, através da qual a mesma confirma que se encontra devidamente registrado no Livro de Tombo da Comarca Municipal de Laguna o que se constituiria nos bens da cidade de Laguna, abrangendo, pela descrição ali constante, praticamente toda a área geográfica atual do Município, conforme se observa da análise do citado documento constante às fs. 95 a 98 dos autos.

 

Já em 04 de junho de 1966, foi editada a Lei Municipal n. 35/66, apensada aos autos às fs. 88, que confere poderes ao Chefe do Executivo Municipal a conceder títulos de propriedade de imóveis de áreas urbanas a viúvas posseiras. 

 

Na seqüência, em 20 de maio de 1975, com a edição da Lei Municipal n. 22/75, as concessões de títulos foram ampliadas para todo o cidadão requerente, obedecidos os requisitos da respectiva lei, constante em cópia às fs. 89 e 90 dos autos, bem como respectivas alterações à mesma procedidas pela Lei Municipal n. 060/85, de 28 de novembro de 1985 - em cópia às fs. 91 e 92, pela Lei Municipal n. 027/89, de 29 de maio de 1989 - em cópia às fs. 93 e, finalmente, pela Lei Municipal n. 432/95, de 30 de junho de 1995 - fs. 94.

 

Como se observa da análise dos documentos legais referidos, a Prefeitura de Laguna concedia títulos de imóveis nos termos neles previstos, a posseiros de terras, em princípio da União, sem que os mesmos fossem incorporados ao Patrimônio Municipal pelo devido processo administrativo, tal como estabelecido na Lei Federal n. 6.383/76, de 07 de dezembro de 1976 e que dispõe sobre o processo discriminatório de terras devolutas da União e dá outras providências e, em síntese, para a ação administrativa, afinal não levada a efeito pela municipalidade, determina:

 

 

"Art. 1º. O processo discriminatório das terras devolutas da União será regulado por esta lei.

 

Parágrafo único. O processo discriminatório será administrativo ou judicial.

 

Art. 2º. O processo discriminatório administrativo será instaurado por Comissões Especiais constituídas de três membros, a saber: um bacharel em direito do Serviço Jurídico do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, que a presidirá; um engenheiro agrônomo e um outro funcionário que exercerá as funções de secretário.

 

§ 1º. As Comissões Especiais serão criadas por ato do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, e terão jurisdição e sede estabelecidas no respectivo ato de criação, ficando os seus presidentes investidos de poderes de representação da União, para promover o processo discriminatório administrativo previsto nesta lei.

 

§ 2º. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, no prazo de 30 (trinta) dias após a vigência desta lei, baixará Instruções Normativas, dispondo, inclusive, sobre o apoio administrativo às Comissões Especiais.

 

Art. 3º. A Comissão Especial instruirá inicialmente o processo com memorial descritivo da área, no qual constará:

 

I - o perímetro com suas características e confinância, certa ou aproximada, aproveitando, em princípio, os acidentes naturais;

 

II - a indicação de registro da transcrição das propriedades;

 

III - o rol das ocupações conhecidas;

 

IV - o esboço circunstanciado da gleba a ser discriminada ou seu levantamento aerofotogramétrico;

 

V - outras informações de interesse.

 

Art. 4º. O presidente da Comissão Especial convocará os interessados para apresentarem, no prazo de 60 (sessenta) dias e em local a ser fixado no edital de convocação, seus títulos, documentos, informações de interesse e, se for o caso, testemunhas.

 

§ 1º. Consideram-se de interesse as informações relativas à origem e seqüência dos títulos, localização, valor estimado e área certa ou aproximada das terras de quem se julgar legítimo proprietário ou ocupante; suas confrontações e nome dos confrontantes; natureza, qualidade e valor das benfeitorias; culturas e criações nelas existentes; financiamento e ônus incidentes sobre o imóvel e comprovantes de impostos pagos, se houver.

 

§ 2º. O edital de convocação conterá a delimitação perimétrica da área a ser discriminada com suas características e será dirigido, nominalmente, a todos os interessados, proprietários, ocupantes, confinantes certos e respectivos cônjuges, bem como aos demais interessados incertos ou desconhecidos.

 

§ 3º. O edital deverá ter a maior divulgação possível, observado o seguinte procedimento:

 

a) afixação em lugar público na sede dos municípios e distritos, onde se situar a área nele indicada;

 

b) publicação simultânea, por duas vezes, no Diário Oficial da União, nos órgãos oficiais do Estado ou Território Federal e na imprensa local, onde houver, com intervalo mínimo de 8 (oito) e máximo de 15 (quinze) dias entre a primeira e a segunda.

 

§ 4º. O prazo de apresentação dos interessados será contado a partir da segunda publicação no Diário Oficial da União.

 

Art. 5º. A Comissão Especial autuará e processará a documentação recebida de cada interessado, em separado, de modo a ficar bem caracterizado o domínio ou a ocupação com suas respectivas confrontações.

 

§ 1º. Quando se apresentarem dois ou mais interessados no mesmo imóvel, ou parte dele, a Comissão Especial procederá à apensação dos processos.

 

§ 2º. Serão tomadas por termo as declarações dos interessados e, se for o caso, os depoimentos de testemunhas previamente arroladas.

 

Art. 6º. Constituído o processo, deverá ser realizada, desde logo, obrigatoriamente, a vistoria para identificação dos imóveis e, se forem necessárias, outras diligências.

 

Art. 7º. Encerrado o prazo estabelecido no edital de convocação, o presidente da Comissão Especial, dentro de 30 (trinta) dias improrrogáveis, deverá pronunciar-se sobre as alegações, títulos de domínio, documentos dos interessados e boa-fé das ocupações, mandando lavrar os respectivos termos.

 

Art. 8º. Reconhecida a existência de dúvida sobre a legitimidade do título, o presidente da Comissão Especial reduzirá a termo as irregularidades encontradas, encaminhando-o à Procuradoria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, para propositura da ação competente.

 

Art. 9º. Encontradas ocupações, legitimáveis ou não, serão lavrados os respectivos termos de identificação, que serão encaminhados ao órgão competente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, para as providências cabíveis.

 

Art. 10. Serão notificados, por ofício, os interessados e seus cônjuges para, no prazo não inferior a 8 (oito) nem superior a 30 (trinta) dias, a contar da juntada ao processo do recibo de notificação, celebrarem com a União os termos cabíveis.

 

Art. 11. Celebrado, em cada caso, o termo que couber, o presidente da Comissão Especial designará agrimensor para, em dia e hora avençados com os interessados, iniciar o levantamento geodésico e topográfico das terras objeto de discriminação, ao fim da qual determinará a demarcação das terras devolutas, bem como, se for o caso, das retificações objeto de acordo.

 

§ 1º. Aos interessados será permitido indicar um perito para colaborar com o agrimensor designado.

 

§ 2º. A designação do perito, a que se refere o parágrafo anterior, deverá ser feita até a véspera do dia fixado para início do levantamento geodésico e topográfico.

 

Art. 12. Concluídos os trabalhos demarcatórios, o presidente da Comissão Especial mandará lavrar o termo de encerramento da discriminação administrativa, do qual constarão, obrigatoriamente:

 

I - o mapa detalhado da área discriminada;

 

II - o rol de terras devolutas apuradas, com suas respectivas confrontações;

 

III - a descrição dos acordos realizados;

 

IV - a relação das áreas com titulação transcrita no Registro de Imóveis, cujos presumidos proprietários ou ocupantes não atenderam ao edital de convocação ou à notificação (artigos 4º e 10 desta lei);

 

V - o rol das ocupações legitimáveis;

 

VI - o rol das propriedades reconhecidas; e

 

VII - a relação dos imóveis cujos títulos suscitaram dúvidas.

 

Art. 13. Encerrado o processo discriminatório, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA providenciará o registro, em nome da União, das terras devolutas discriminadas, definidas em lei, como bens da União.

 

Art. 14. O não-atendimento ao edital de convocação ou à notificação (artigos 4º e 10 da presente lei) estabelece a presunção de discordância e acarretará propositura da ação judicial prevista no artigo 19, II.

 

Parárafo único. Os presumíveis proprietários e ocupantes, nas condições do presente artigo, não terão acesso ao crédito oficial ou aos benefícios de incentivos fiscais, bem como terão cancelados os respectivos cadastros rurais junto ao órgão competente.

 

Art. 15. O presidente da Comissão Especial comunicará a instauração do processo discriminatório administrativo a todos os oficiais de Registro de Imóveis da jurisdição.

 

Art. 16. Uma vez instaurado o processo discriminatório administrativo, o oficial do Registro de Imóveis não efetuará matrícula, registro, inscrição ou averbação estranhas à discriminação, relativamente aos imóveis situados, total ou parcialmente, dentro da área discriminada, sem que desses atos tome prévio conhecimento o presidente da Comissão Especial.

 

Parágrafo único. Contra os atos praticados com infração do disposto no presente artigo, o presidente da Comissão Especial solicitará que a Procuradoria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA utilize os instrumentos previstos no Código de Processo Civil, incorrendo o oficial do Registro de Imóveis infrator nas penas do crime de prevaricação.

 

Art. 17. Os particulares não pagam custas no processo administrativo, salvo para serviços de demarcação e diligências a seu exclusivo interesse."

 

 

A situação de irregularidade relatada permaneceu inalterada, ou seja, com a existência de incorreta permissão legal municipal ao Executivo Lagunense para a efetivação das concessões de imóveis, até a vigência da atualização da Lei Orgânica Municipal ocorrida em 20 de novembro de 2000, quando do diploma referido, passou a constar a seguinte determinação:

 

 

"Art. 11 - (...)

 

(...)

 

§ 2o - A expedição de título de propriedade definitivo ao posseiro de terreno do Município - legitimação de posse administrativa - previsto na lei municipal, será conferido pelo Município, desde que o imóvel tenha sido incorporado ao patrimônio público municipal, originário das terras devolutas, mediante declaração de domínio público, através de procedimento discriminatório - lei n. 6.383, de 07/12/76."

 

 

Dessa forma, a legislação municipal se adequou aos ditames da lei federal a partir de 2000, cabendo considerar que os imóveis cadastrados pela Administração com a denominação de "Não Identificados - NIs", designação relativa a titularidade da propriedade dos mesmos, parecem se tratar, mesmo porque inexiste qualquer orientação da municipalidade ou da União em sentido contrário, de áreas de terras delimitadas no "Tombamento" realizado em 1885, referido anteriormente.

 

Ressalte-se que a simples existência de ordenamento jurídico municipal, em especial pelo constante na Lei Municipal n. 22/75 e suas alterações posteriores, já mencionadas, legitimando a posse administrativa de imóveis e autorizando o Poder Público Municipal a proceder nesse sentido, poderia apenas incidir sobre terras devolutas municipais, após separadas das particulares mediante declaração e através de procedimento apropriado.

 

De fato, não se pode concluir que um imóvel que não esteja registrado em nome de particular seja, automaticamente, considerado como de propriedade pública e aceitas como devolutas e, nesse sentido previa a Lei Municipal n. 22/75 que somente teriam eficácia as legitimações de posse de imóveis, se estes estivessem incorporados ao patrimônio público municipal na condição de terras devolutas, através de procedimento discriminatório.

 

Curioso destacar que, segundo termo de declaração firmado pela municipalidade, o Departamento de Cadastro da Prefeitura de Laguna informa que não possui um levantamento técnico com indicação das áreas devolutas do Município, tal como constante às fs. 99 dos autos, além do que não foram, em momento algum, contabilizados, inventariados e avaliados conforme as normas estabelecidas na Lei Federal n. 4.320/64.

.

Diga-se, ainda, que tais áreas, as classificadas como "NIs", sempre foram tributadas pela Prefeitura de Laguna, com lançamento do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU, ocorrendo que tais tributos, em função da "inexistência" de proprietários relatada, jamais foram quitados, sendo sistematicamente inscritos em dívida ativa, sendo posicionamento corrente na Administração de que tal fato, o da não quitação tributária, pode ter gerado o que se poderia denominar de apossamento pela municipaliddae, durante a gestão 2001/2004, de tais imóveis, com baixa no cadastro imobiliário.

 

De qualquer forma, seja qual for a razão para a adoção do procedimento efetivado pela Prefeitura no período entre 2001 e 2004, concedente termos de posse sobre os imóveis sem identificação de propriedade, esta se mostra irregular pela forma como haveria sido levado a efeito.

 

 

3.    Da apresentação de relação dos imóveis "NIs"       transferidos a particulares entre 2001 e 2004

 

Considerando que a Prefeitura não dispunha de qualquer levantamento sobre os imóveis cadastrados como "NIs" que haveriam sido transferidos a particulares entre 2001 e 2004, a equipe procurou, inicialmente, confrontar os dados dos cadastros imobiliários municipais relativos aos anos de 2000 e de 2005, visando obter informações sobre as áreas que eram consideradas como de proprietários não identificados no primeiro exercício mencionado e que teriam deixado de assim ser considerados no último deles, o que permitiria a conclusão de que, efetivamente, a Administração houvera transferido propriedades ao longo dos anos pesquisados.

 

Tal opção, todavia, mostrou-se impossível de se concretizar, em função de a Administraçào atual não dispor de registros relativos aos anos anteriores a sua posse.

 

Diante desse obstáculo, a inspeção buscou, então, confrontar os dados do cadastro imobiliário municipal atualizado, com os registros de lançamento em dívida ativa de 2000 sobre o não pagamento de IPTU, haja vista que, como anteriormente comentado, sobre os denominados imóveis "NIs" também se executaria, adequadamente, o lançamento tributário específico, ainda que este nunca fosse pago.

 

Relembre-se que o IPTU, de apuração anual, tem como fato gerador e propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel localizado na zona urbana do Município, em 1o de dezembro do ano anterior ao do lançamento, sendo seu contribuinte, portanto, o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título e seu lançamento faz-se no nome sob o qual estiver inscrita a propriedade no Cadastro Imobiliário.

 

Em conseqüência, observou-se acentuada redução no quantitativo de imóveis "NIs" no período estudado, de onde se confirmaria a hipótese da ocorrência de inscrições baixadas sob suspeitas de irregularidades.       

Da análise procedida, constatou-se a seguinte realidade quanto aos imóveis que teriam, de acordo com o levantamento procedido sobre o livro de dívida ativa da municipalidade relativo a 2001, cadastro como "NIs" em 2000 e que em início de 2005, já se apresentavam no cadastro imobiliário da Prefeitura de Laguna como tendo proprietário particular:

 

[...]

 

 

 

Verificando a existência de formalização de tais transferências, seja no Cartório de Registro de Imóveis de Laguna ou junto ao Cartório Darela, de São Martinho, citado à exordial como partícipe do processo ora questionado em conjunto com os agentes públicos mencionados, esta inspeção tem a informar, primeiramente, que em relação à segunda entidade, esta prestou termo de declaração destacando a inexistência de escrituras públicas lavradas a favor dos novos proprietários supra-elencados, tal como constante às fs. 106 dos autos, enquanto em relação ao Cartório Lagunense, cabe destacar não ter essa inspeção constatado nenhuma formalização de transferência quanto aos imóveis em foco.

 

Da forma como a questão se apresenta, os valores supra se caracterizam, ainda, como renúncia de receita promovida pela Administração da municipalidade.

 

Importante dizer-se, ainda, que analisados os imóveis que deixaram de ser considerados "NIs" durante o período em estudo, com a totalidade dos bens imóveis pertencentes à Prefeitura de Laguna em 2005 e apresentados a esta inspeção na forma de relatório, constante este às fs. 100 a 104 dos autos, constam hoje como de propriedade ou posse da municipalidade.

 

Saliente-se o que prevê a Lei Orgânica de Laguna sobre o que se considera como imóveis de sua propriedade: 

 

 

“Art. 6o - O território do Município compreende o espaço físico que atualmente se encontra sob seu domínio e jurisdição.”

 

(...)

 

Art. 11 - São bens do Município, os imóveis, por sua natureza ou acessão física (...) Bem assim os que lhe vierem a ser atribuídos por lei e os que se incorporarem ao seu patrimônio por ato jurídico perfeito e ainda:

 

I - os que atualmente lhe pertencem, que vierem a ser adquiridos ou lhe forem atribuídos;

 

(...)

 

V- as terras devolutas situadas em seu território que não estejam compreendidas entre as da União e do Estado;

 

(...)"

 

 

4.  Da necessidade da efetivação de processo de alienação para bens imóveis públicos

 

Inicialmente ressalte-se que se não há definição sobre a propriedade dos imóveis em questão e há uma possibilidade de que os mesmos sejam de propriedade pública municipal ou mesmo federal, então a forma correta para a efetivação de suas transferências a particulares é mediante a aplicação do instrumento da alienação, o que não se viu ocorrido em qualquer dos casos em estudo.

 

As alienações devem se dar mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei - artigos 2o, 17 e 23, §3o, da Lei Federal n. 8666/93, e do artigo XXI, da Constituição Federal.

 

A alienação de imóveis públicos depende de prévia licitação, portanto, e, ainda, de autorização legislativa e avaliação prévia, tal como estatuído pelo artigo 17, inciso I, da Lei Federal n. 8666/93, que assim determina:

 

 

"Art. 17 - A alienação de bens da Administração Pública, subordinada a existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

 

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e (...) dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência (...)"

 

 

Nesse mesmo sentido, manifesta-se a Lei Orgânica Municipal quando estabelece:

 

 

“Art. 8o - Ao Município cabe exercer (...) especialmente:

 

(...)

 

XVI - dispor sobre a administração, utilização e alienação de seus bens;

 

(...)

 

Art. 11 - (...)

 

(...)

 

§ 1o - A alienação de bens municipais, subordinada à existência de interesse público, devidamente justificado, será aempre precedida de avaliação e obedecerá as seguintes normas:

 

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa, avaliação prévia e licitação (...)

 

II - a doação ou utilização gratuita de bens imóveis depende de prévia autorização legislativa;

 

(...)

 

§ 3o - O Município, preferencialmente à venda ou doação de seus bens, outorgará concessão de direito real de uso, mediante prévia autorização legislativa e licitação;

 

(...)"

 

 

Diga-se, ainda, que se assim considerados, a doação de imóveis públicos para particulares atenta contra o patrimônio e a responsabilidade fiscal, sendo passível o enquadramento do(s) agente(s) que lhe tenham motivado, no previsto no artigo 10 e incisos da Lei Federal n. 8.492/92. 

 

Saliente-se, também, que a alienação dos bens do município, quando autorizadas, ficam  sujeitas às mesmas exigências das leis civis, quer no que se refere às formalidades do ato ou contrato (CC, art. 134, inciso II), quer no que tange aos registros públicos (CC, arts. 530, inciso I e 531 a 535, e Lei Federal n. 6.015/73, de 31 de dezembro de 1973).

 

Destaque-se que, a princípio, os bens imóveis patrimoniais ficam sujeitos a transcrição no cartório imobiliário respectivo.

 

Finalmente, registre-se que se deve evitar a doação de imóveis públicos a particulares por não atender aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, além do que a transferência de recursos públicos para o setor privado poderá ocorrer somente mediante lei específica, havendo dotação orçamentária e compatibilidade com a LDO, conforme dispõe o artigo 26, da Lei Complementar Federal n. 101/2000 - LRF.

 

 

5.   Da não observância de outros requisitos formais para a transferência de imóveis denominados "NI"

 

Como referido até então, ao que se apurou da inspeção in loco realizada na Prefeitura de Laguna, há vários imóveis, ainda hoje, sem que sobre eles haja a indicação de seus proprietários, aí entendidos como aqueles que deteriam originariamente o direito de usá-lo, gozá-lo e dele dispor.

 

De igual forma, sobre esses mesmos imóveis referidos, a municipalidade sequer dispõe de registro sobre seus possuidores, ou seja, sobre quem tem, de fato, o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade, segundo a conceituação do Código Civil, em seu artigo 485, entendendo-se por possuidor aquele que mantém a posse em seu próprio nome, sem relação de dependência com o proprietário ou possuidor indireto. (CC art 487)

 

O Código Tributário Nacional, por sua vez, considera contribuinte do IPTU o possuidor do imóvel a qualquer título (art. 34), abrangendo, assim, também os que exercem apenas temporariamente a posse direta, sem prejuízo da posse indireta daquele de quem a tenha obtido.

 

Isso dito, considere-se que as baixas verificadas no cadastro de registro de imóveis da Prefeitura de Laguna, deveriam ser motivadas por processo administrativo específico, contendo identificação dos imóveis, justificativas para a baixa do patrimônio ou do cadastro, sendo recomendável que fosse conduzida por comissão designada para tal finalidade, encerrando os procedimentos com ata elaborada pelos responsáveis e observada a legislação contábil, o que não se viu ocorrido em momento algum no período estudado.

 

Além do descumprimento do princípio da legalidade, também não se viu demonstrado o atendimento ao princípio da motivação pela Administração para a adoção dos atos de transferência praticados, uma vez não haver sido comprovada a existência de atos destinados a verificar a necessidade e a conveniência pública para a continuidade dos atos praticados.

 

A Administração, ao optar pela adoção de determinado ato administrativo, por vezes em detrimento de outro pelos limites orçamentários e financeiros, deve indicar os fundamentos da decisão, o que é conhecido como a aplicação do princípio da motivação do ato decisório, o qual, no caso presente, não se mostrou reconhecido.

 

Ressalte-se sobre a necessidade do cumprimento do princípio da motivação dos atos administrativos o que prevê a Lei Federal n. 9.784/99, que sobre o assunto assim dispõe:

 

 

“Art. 2o - A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.”

 

 

A respeito, a Constituição Estadual também manifesta-se, quando disciplina:

 

 

“Art. 16 - Os atos da administração pública de qualquer dos Poderes do Estado obedecerão aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

 

(...)

 

§ 5o - No processo administrativo, qualquer que seja o objeto ou o procedimento, observar-se-ão, entre outros requisitos de validade, o contraditório, a defesa ampla e o despacho ou decisão motivados."

 

 

Da forma como agiu a Administração, sem apresentar qualquer referencial formal sobre a motivação dos atos em seqüência praticados e sem indicação do dispositivo legal que os fundamentava, impossibilita a essa inspeção que considere relevantes e aceitáveis a causa e os elementos determinantes da prática, de tal maneira que a eficácia do ato é questionada presentemente.

 

Saliente-se, ainda, que pelo ato praticado, concessão de direitos exorbitantes à esfera administrativa a pessoas específicas, observa-se o descumprimento dos princípios constitucionais da isonomia e da impessoalidade.

 

O princípio da isonomia decorre do disposto no § 1o do artigo 39 e no artigo 5o da Constituição Federal e representa a igualdade jurídica ou o tratamento igual para todos os iguais, o que não se viu praticado pela Administração no caso presente, uma vez que a seleção de beneficiários com a transferência de imóveis, não se estendeu aos demais munícipes.

 

A propósito da imposição ao administrador público do cumprimento do princípio da isonomia, a própria Lei Orgânica de Laguna, ratifica a disposição da Carta Magna, ao estatuir:

 

 

“Art. 1o - O Município de Laguna (...) organiza-se nos termos desta lei (...) tendo como fundamentos:

 

(...)

 

XI - a garantia de acesso a todos, de modo justo e igual, sem distinção (...) aos bens, serviços e condições de vida...”

 

 

De igual forma viu-se descumprido o princípio da impessoalidade na administração pública, tal como instituído pelo caput do artigo 37 da Carta Magna, uma vez que o ato praticado não se mostra adequado ao atendimento da finalidade, do interesse ou da conveniência pública, mas sim representou a supremacia do interesse particular sobre o coletivo.

 

Outro aspecto a ser considerado, refere-se à constatação, por tudo o que já foi comentado, de falhas pela Administração no ordenamento territorial, tal como determinado pela Lei Orgânica Municipal, nos seguintes termos:

 

 

“Art. 8o - Ao Município cabe exercer (...) especialmente:

 

(...)

 

XI - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano;

 

(...)”

 

 

O Plano Diretor de Laguna, por sua vez, também apresenta disposição não cumprida pela Administração, enquanto instrumento global e estratégico da política de desenvolvimento e expansão urbana e de orientação de todos os agentes públicos e privados que atuem na cidade e determina:

 

 

"Art. 104 - Para a efetivação da política de desenvolvimento urbano, o Município adotará legislação de ordenamento do uso do solo urbano, compatível com as diretrizes do plano diretor."

 

 

De igual forma, verificou-se falha administrativa quanto à inexistência de cadastro imobiliário atualizado, como em item anterior deste relatório tratado, também como exigido pela Lei Orgânica de Laguna, que assim dispõe:

 

 

"Art. 11 - (...)

 

(...)

 

§ 7o - Todos os bens municipais deverão ser cadastrados, com a identificação respectiva (...)

 

§ 8o - Deverá ser feita, anualmente, a conferência da escrituração patrimonial com os bens existentes e, na prestação de contas de cada exercício, será incluído o inventário de todos os bens municipais."

 

(...)

 

Art. 95 - Compete ao Município implantar e manter atualizado o sistema municipal de informações (...) patrimoniais (...) físico-territoriais, inclusive cartográficas (...) e outras de relevante interesse para o Município..."

 

 

A esse respeito a Lei Complementar Municipal n. 072/01, de 16 de dezembro de 2001, estabelece:

 

 

"Art. 30 - Compete à Divisão de Cadastro manter atualizado o cadastro imobiliário do Município compreendendo: terrenos, casas, apartamentos e loteamentos (...)"

 

(...)

 

Art. 32 - Compete à Divisão de IPTU manter atualizadas (...) as informações do Cadastro Imobiliário Fiscal;

 

(...)

 

Art. 28 - Compete ao Departamento de Arrecadação (...) manter os cadastros físico e financeiro dos imóveis (...) do Município (...)"

 

 

E, finalmente, também o Código Tributário Municipal exige a existência de Cadastro Imobiliário, quando estatui:

 

 

"Art. 200 - O Cadastro Municipal de Contribuintes mantido pelo órgão fazendário, se comporá:

 

I - do Cadastro Imobiliário;

 

(...)

 

Art. 202 - O Cadastro Imobiliário tem por fim o registro das propriedades prediais e territoriais urbanas existentes no Município e dos sujeitos passivos das obrigações tributárias que as gravam, bem como dos elementos que permitam a exata apuração do montante do crédito tributário."

 

 

6. De questionamentos  a respeito da propriedade e das características dos imóveis considerados pela Prefeitura de Laguna como de proprietários não identificados ou "NIs"

 

Da análise sobre a realidade encontrada e diante da absoluta ausência de afirmativas ou exclamações pelas autoridades municipais a respeito da questão da propriedade das denominadas áreas "NIs" em Laguna, esta equipe de inspeção entende pertinente manifestar seu próprio entendimento sobre o tema.

 

Nesse sentido, manifesta-se pelo entendimento de que os imóveis em questão constituem-se em áreas de marinha - terrenos da Uniâo - ou como bens públicos da espécie dominial, essencialmente de propriedade também da União.

 

Em assim considerados, portanto, caberia a aplicação do instituto do aforamento ou enfiteuse para a regulação de seus respectivos domínios úteis, a ser atribuído pela União e não pelo Município, inclusive.

 

Saliente-se que aforamento ou enfiteuse é a atribuição do domínio útil sobre determinado imóvel, do seu proprietário para terceiro, mediante o pagamento de certo valor, invariável, a titulo de pensão ou foro. A cessão tem, ainda, caráter de perpetuidade e hereditariedade (caso o titular anterior assim o deseje), sendo um instituto que permite ao proprietário atribuir a outro o domínio útil de imóvel.

 

O Código Civil anterior (1916), preceitua a respeito:

 

 

“Art. 678 - Dá-se à Enfiteuse, Aforamento ou emprazamento, quando por ato entre vivos, ou de última vontade, o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão, ou foro, anual e invariável”.

 

 

A enfiteuse deixou de constar do Novo Código Civil, permanecendo válidos, contudo, os aforamentos realizados na vigência daquela legislação, conforme se depreende do exame do art. 2038 e § 2º, deste novo ordenamento:

 

 

“Art. 2038. Fica proibida a constituição de Enfiteuses e subEnfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, e leis posteriores.

 

(...)

 

§ 2º. A Enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula-se por lei especial.”

 

 

A legislação especial destacada neste dispositivo é o Decreto-Lei Federal n. 9.760/46 e a Lei Federal n. 9.636/98.

 

Dentre as características desse instituto jurídico, encontram-se:

 

a) tem natureza de direito real, em que o titular (foreiro ou enfiteuta) recebe o domínio útil, com os poderes de usar, gozar e reivindicar a coisa, bem como alienar seus direitos a outrem, independentemente de anuência do proprietário;

 

b) o senhorio conserva o domínio direto com direito ao foro (contraprestação devida pelo enfiteuta), ao laudêmio (importância devida pelo foreiro em caso de transferência do domínio útil a terceiros e em caso de resgate) e à preferência no caso de alienação do domínio útil;

 

c) extingue-se pela deterioração do prédio aforado, pelo comisso (penalidade em caso de não pagamento do foro por três anos consecutivos) e pelo falecimento do enfiteuta, sem herdeiros;

 

d) admite o resgate, ou seja, a prerrogativa concedida ao foreiro de adquirir, compulsoriamente, o domínio direto, depois de 10 anos de constituída a Enfiteuse, mediante o pagamento de 10 pensões e um laudêmio (Lei 5.827, de 23 de novembro de 1972);

 

e) é perpétua, sendo considerada como arrendamento se for estabelecida por tempo determinado; e,

 

f) só pode ter por objeto terras não cultivadas ou terrenos que se destinem à edificação.

 

Sua aplicação preferencial destina-se aos chamados Terrenos de Marinha, Bens Públicos da espécie Dominial (ou Dominical), que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma das entidades, conforme a determinação do Código Civil.

 

Terrenos de Marinha, no caso, são aqueles sitos em áreas de terras fronteiras ao mar, em uma profundidade (largura) de 33 m (trinta e três metros) lineares, medidos horizontalmente, do mar para terra, considerada a linha preamar médio de 1831 (artigo 2º, do Decreto-Lei n. 9.760/46).

 

Por outro lado, pode-se destacar dentre os bens imobiliários da União, os terrenos de marinha, os terrenos acrescidos de marinha (constituídos por aterros naturais ou artificiais); os terrenos marginais de rios; as terras devolutas definidas em lei, indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares e das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, os lagos, rios e quaisquer correntes de água em território de seu domínio, que banhe mais de um Estado, que sirvam de limites com outros países, que se estendam a território estrangeiro ou deles provenham, as ilhas lacustres nas zonas limítrofes com outros países, as ilhas fluviais nas faixas de fronteira do território nacional e nas zonas onde se faça sentir a influência da maré, as praias marítimas e fluviais, o mar territorial, as ilhas oceânicas e costeiras, excluídas desta as áreas que pertencerem aos Estados, aos Municípios e a particulares, em virtude de titulo legítimo, os sítios arqueológicos e pré-históricos e as cavidades naturais subterrâneas, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, os terrenos que foram do domínio da Coroa, os terrenos dos extintos aldeamentos indígenas e das colônias militares, que não tenham passado, legalmente, para o domínio dos Estados, Municípios ou particulares, os bens imóveis que tenham sido a algum título, ou em virtude de lei, incorporados ao patrimônio da união e as terras devolutas situadas nos territórios federais.

 

Os bens dominiais distinguem-se dos demais capitulados no recém-citado dispositivo (de uso comum do povo e de uso especial), quanto às características básicas, somente no que tange à Alienabilidade, quando a permite (nos casos e condições estabelecidos pela legislação específica). Os bens dominiais podem ser cedidos por atos e contratos de direito público (autorização, permissão e concessão de uso), mas, também, podem constar de contratos civis (locação, arrendamento e comodato), bem como podem ser alienados, mediante autorização legal específica.

 

No entanto, como são bens públicos da União, tais atos de cessão de uso e/ou de alienação definitiva só podem advir de lei federal específica.

 

Tais terras pertencem à propriedade da União, mas podem ter a utilização privativa do particular.

 

Neste sentido, toda e qualquer pessoa que ocupa imóvel da União e obedeça as condições estabelecidas em lei, deve requerer sua inscrição como ocupante de imóvel da União. A inscrição de ocupação, embora seja regime precário de ocupação de bem da União, é a forma do cidadão promover a regularização da posse sobre o imóvel da União, e será deferida sempre que não houver interesse público na utilização do imóvel, e quando forem observadas as normas ambientais e posturas municipais aplicáveis.

 

Além da inscrição de ocupação, os terrenos de marinha, caso alienados, acham-se submetidos ao regime enfitêutico – a União mantém consigo o domínio direto de tais bens, atribuindo ao adquirente o direito real de uso do imóvel, também conhecido como domínio útil.

 

Neste sentido, figura essencial a atuação do Poder Público no que tange às autorizações e fiscalizações para que certas edificações possam ser construídas, e ao mesmo tempo possam estar dentro da legalidade, no que tange ao uso, pelo particular, para os fins civis.

 

Mostra, também, a força do Poder Municipal para agir, exigindo o cumprimento de tais exigências, como as cobranças dos tributos legais e as regulamentações necessárias.

 

Portanto, em linhas gerais, os Terrenos de Marinha situados em algumas áreas específicas ultrapassam os interesses individuais dos Estados-membros e dos Municípios razão pela qual sua titularidade deve permanecer com a União.

 

 

7. Da responsabilidade solidária

 

No intuito de justificar a necessidade da aplicação de responsabilidade solidária do Secretário Municipal de Finanças e Gestão, Sr. Vilmar Sutil da Rosa, com o Prefeito Municipal pelos atos cometidos, importante destacar o que prevê a Lei Orgânica de Laguna a respeito, como segue:

 

 

"Art. 78 - São solidariamente responsáveis com o Prefeito os auxiliares diretos, pelos atos que em conjunto assinarem, ordenarem ou praticarem."

 

 

De fato, por tudo o que foi comentado no presente relatório não há como desvincular os dois agentes públicos pelos atos irregulares cometidos, merecendo destaque que tudo se processou no âmbito da esfera administrativa sob a titularidade do Secretário mencionado, cabendo-lhe a competência sobre os mesmos.

 

Quanto à possibilidade de estender-se a terceiros o grau de responsabilização pelos atos praticados, como sugere a denunciante referindo-se à servidora Maria Helena H. Fernandes, que teria colaborado nas baixas de imóveis "NI" dos computadores da Prefeitura sem que fossem feitas alienações ou doações autorizadas pelo Poder Legislativo, registre-se ser impossível a esta inspeção corroborar com a assertiva constante à inicial, haja vista inexistir qualquer possibilidade de comprovação material de sua participação no caso e passados aproximadamente seis meses de sua saída da Prefeitura, tornar-se ainda mais complexo o estabelecimento da vinculação necessária para tanto, mesmo porque a atual gestão municipal se omitiu na apuração dos acontecimentos, deixando de adotar procedimentos básicos e essenciais a seu alcance, como será melhor detalhado no item imediatamente posterior ao presente.

 

Relembre-se, ainda, o que estabelece a Lei Orgânica de Laguna como atribuição do Prefeito Municipal e que, no caso em tela, não se viu cumprida:

 

 

"Art. 68 - Compete privativamente ao Prefeito (...):

 

(...)

 

XVIII - administrar os bens, a receita e as rendas do Município (...)

 

(...)"

    

 

8.  Da omissão da atual gestão ante os problemas relatados

 

Esta inspeção não verificou a adoção de qualquer procedimento na esfera administrativa levado a efeito pela atual gestão da Prefeitura de Laguna, que tomou posse em janeiro de 2005, no intuito de apurar a veracidade dos fatos ora apontados.

 

A respeito, sabe-se que a administração pública deve manter procedimentos institucionalizados para apuração de danos, mediante processo administrativo devidamente instruído com boletim de ocorrência, resultados de investigações policiais, depoimentos de autores e testemunhas, outros documentos e elementos pertinentes para elucidação das circunstâncias da ocorrência e eventual identificação dos responsáveis e participação de servidores, bem como as conclusões de Comissão de Sindicância.

 

Outro instrumento cabível de utilização pela atual gestão, e que não o foi, seria o da instauração de processo de Tomada de Contas Especial, instaurado em virtude de desvio de bens e de valores públicos, decorrente de ato de gestão ilegal, ilegítimo ou antieconômico, nos montantes financeiros presentes, devendo o mesmo, posteriormente ser encaminhado ao Tribunal de Contas de Santa Catarina para julgamento.

 

De toda forma, compete à autoridade administrativa, sob pena de responsabilidade solidária, ao tomar conhecimento de indícios de irregularidades, determinar as providências indispensáveis à avaliação, caso a caso, com instauração de processo administrativo, visando, no resguardo do interesse público e da correta aplicação dos recursos públicos, a apuração dos fatos, a quantificação dos danos, bem como a identificação e a punição dos responsáveis nas esferas administrativa, cível e criminal, conforme o caso.

 

O resultado do processo administrativo, acompanhado, quando for o caso, da comprovação das providências adotadas para o resguardo do erário e a punição dos responsáveis, deve ser submetido ao Tribunal de Contas, conforme o disposto no artigo 33, §20, da Lei Complementar Estadual n. 31/90 e no artigo 110, §20, combinado com o artigo 103, da Lei Federal n. 9.831/95

 

Além disso, registre-se que a autoridade administrativa que tenha conhecimento da prática de ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico e que não adote os atos de gestão necessários à regularização estará sujeito às sanções definidas no artigo 67 e seguintes da Lei Orgânica do Tribunal de Contas (LC n. 202/00), regulamentada pelo artigo 107 e seguintes do Regimento Interno (Resolução n. TC - 06/2001).

 

 

Não obstante as razões do recorrente, a análise mais apurada sobre o conteúdo dos autos não lhe dá guarida, senão vejamos:

 

MULTA DE R$ 1.500,00 EM FACE DA AUSÊNCIA DE PROVIDÊNCIAS PARA A REGULARIZAÇÃO E INCORPORAÇÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO DOS IMÓVEIS SOB RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO E ORIGINÁRIO DO “TOMBAMENTO” DE TERRAS DEVOLUTAS DA UNIÃO

 

A primeira multa constante no acórdão guerreado refere-se ao fato de o município não ter adotado providências para a incorporação de imóveis, originariamente da União, ao patrimônio municipal.

 

A questão da delimitação da área territorial de interesse do Município começou a ser tratada  através de um “Tombamento” aprovado em 1885, conforme citado na instrução. A partir de então, várias legislações municipais foram editadas até a superveniência da Lei Federal nº 6.383/76, que dispôs sobre o processo discriminatório de terras devolutas da União, todavia a situação daquele município jamais foi devidamente regularizada, conforme exigência dessa Lei, e art. 11, § 2º, da Lei Orgânica Municipal de Laguna, publicada em 2000.

 

 

 

Para arrematar, a responsabilidade ora analisada é ratificada pela informação da Secretaria de Finanças e Gestão da Prefeitura Municipal de Laguna, às fls. 99, de que o município não possui levantamento técnico das suas áreas devolutas, logo, não há como se incorporar ao patrimônio municipal os imóveis que se desconhece.

 

Dessarte, embora os antecessores do recorrente no cargo de prefeito não tenham promovido a mencionada regularização dos imóveis “tombados”, o recorrente também pouco fez a respeito, razão pela qual a atribuição de responsabilidade a ele é perfeitamente válida.

 

Deveras, a Lei Orgânica de Laguna deixa clara a competência do prefeito acerca da administração dos bens municipais:

 


Art. 68. Compete privativamente ao Prefeito, além de outras atribuições previstas nesta Lei Orgânica:
...

XVIII - administrar os bens, a receita e as rendas do Município, promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos, autorizar as despesas e os pagamentos, dentro dos recursos orçamentários e dos créditos aprovados pela Câmara Municipal;


...

 

 

Portanto, diante do citado diploma, não se sustenta a argumentação do recorrente no sentido de que “...as supostas irregularidades não se referem a atos praticados pelo recorrente, mas por subordinados, técnicos em suas áreas...” (fls. 05 do REC), tal declaração é inócua diante da explicitude do art. 68, XVIII , da Lei Orgânica de Laguna, visto que esta não atribui a administração dos bens municipais a qualquer  subordinado técnico em sua área, mas tão somente ao prefeito.

 

multa de R$800,00, aplicada ao recorrente pela inexistência de cadastro imobiliário atualizado

 

Ainda de acordo com o art. 68, XVIII da Lei Orgânica de Laguna, transcrita acima, compete ao prefeito a administração dos bens municipais, bem como suas receitas e rendas.

 

Sendo assim, é evidente que o recorrente e seus antecessores falharam ao permitirem a desatualização do cadastro imobiliário, fato que prejudicou o município na auferição de renda (ITBI e IPTU). Aliás, é nesse sentido que a Lei de Responsabilidade Fiscal exige a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos municipais:

Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.

Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.

Ora, com o cadastro imobiliário desatualizado, a Administração desconhece quais e quantos imóveis podem ser tributados e assim deixa de auferir a respectiva receita.

 

Novamente buscando as disposições da própria Lei Orgânica municipal, o dever de manter o cadastro imobiliário atualizado é exigido de forma veemente:

 

Art. 11. São bens do Município, os imóveis, por sua natureza ou acessão física, e os móveis que atualmente sejam do seu domínio, ou a ele pertençam, bem assim os que lhe vierem a ser atribuídos por lei e os que se incorporarem ao seu patrimônio por ato jurídico perfeito, e ainda:


...
V - as terras devolutas situadas em seu território que não estejam compreendidas entre as da União e do Estado;
...

§ 2º. A expedição de título de propriedade definitivo ao posseiro de terreno do Município - legitimação de posse administrativa - previsto na Lei Municipal, será conferido pelo Município, desde que o imóvel tenha sido incorporado ao patrimônio público municipal, originário das terras devolutas, mediante declaração de domínio público, através de procedimento discriminatório - Lei nº 6.383, de 07/12/76.

...
§ 7º. Todos os bens municipais deverão ser cadastrados, com a identificação respectiva, numerando-se os móveis segundo o que for estabelecido em regulamento, os quais ficarão sob a responsabilidade do setor de patrimônio municipal.

§ 8º. Deverá ser feita, anualmente, a conferência da escrituração patrimonial com os bens existentes, e, na prestação de contas de cada exercício, será incluído o inventário de todos os bens municipais.

[...]

(SEM GRIFOS NO ORIGINAL)

 

Não obstante os documentos colacionados pelo recorrente às fls. 259 a 262 relacionados ao recadastramento,  o fato é que pouco resultado prático ocorreu e com isso a perda de receita prejudicou o município como um todo.

 

Nesse sentido esta Consultoria já se manifestou no seguinte parecer:

 

PARECER COG-691/08 REC - 05/04152122

 

Recurso de Reexame. Multas. Divida ativa. Créditos Tributários. ISSQN. IPTU e ITBI.

 

O simples aporte de carimbo “dívida ativa”, sem a observância dos demais requisitos legais (identificação do devedor, valor devido, fundamento legal, data da inscrição, identificação do processo administrativo, identificação do livro e folha da inscrição), não é medida capaz de substituir a inscrição da dívida ativa.

 

Em cumprimento ao princípio da responsabilidade fiscal, não pode o administrador se furtar a adotar as medidas administrativas e judiciais que visem a cobrança dos créditos tributários. 

 

A ausência de lançamento para arrecadação do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza inviabiliza a cobrança pelo município.

 

A fiscalização mensal do Cadastro Imobiliário Municipal é indispensável para se acompanhar a movimentação e propriedade imobiliária dos contribuintes do IPTU e ITBI.

 

Não é possível a prestação de serviços a particulares com utilização de bens e mão-de-obra públicos sem lei que regule a matéria de forma clara e objetiva. (SEM GRIFOS NO ORIGINAL)

 

 

Além disso, também aqui não cabe ao recorrente procurar transferir a outrem uma responsabilidade sua. Ora, como já mencionado alhures, cabe ao prefeito administrar os bens municipais, sendo assim, se não for ele o responsável pela atualização do cadastro imobiliário, então deveria ter tomado as providências necessárias contra o servidor ineficiente, promovendo a sua responsabilização através do processo administrativo competente. Aliás, é assim que exige o Prejulgado 817/2000:

 

PREJULGADO 817/2000

 

1. Compete à autoridade administrativa, sob pena de responsabilidade solidária, ao tomar conhecimento de indícios de irregularidades na realização de despesas, determinar as providências indispensáveis à avaliação, caso a caso, com instauração de processo administrativo, visando – no resguardo do interesse público e da correta aplicação dos recursos públicos – a apuração dos fatos, a quantificação do dano, bem como a identificação e a punição dos responsáveis nas esferas administrativa, cível e criminal, conforme o caso. #

2. Em relação às despesas realizadas, ainda que não tenham sido obedecidas pela Administração as normas legais aplicáveis, estas, em princípio, deverão ser pagas, a título de indenização, ante a vedação de locupletamento ilícito do Poder Público às custas dos fornecedores, prestadores de serviços e executores de obras, conforme artigo 59, parágrafo único, da Lei Federal nº 8.666/93 e art. 37, § 6º, da Constituição Federal, sem prejuízo da adoção de medidas administrativas ou judiciais para apuração de responsabilidades. #  

3. Onde haja fundado indício de prática de atos visando obtenção de vantagem indevida, com participação do particular beneficiado, o pagamento de despesas realizadas sujeita-se à demonstração de inexistência de dano ao erário, porque incabível à Administração suportar os prejuízos, ante a indisponibilidade do interesse público. Quando comprovada prática de atos ilegais visando obtenção de vantagem indevida, os pagamentos devem ser suspensos pela Administração. Ao particular que se considerar prejudicado pela ausência de pagamento do montante que alega devido, estão disponíveis os mecanismos judiciais para obter indenização.#

4. O resultado de cada processo administrativo, acompanhado, quando for o caso, da comprovação das providências adotadas para o resguardo do erário e a punição dos responsáveis, administrativa, cível e criminalmente, será submetido ao Tribunal de Contas, conforme disposto no art. 33, § 2º, da Lei Complementar nº 31/90 e no art. 101, § 2º combinado com art. 103 da Lei nº 9.831/95.#  

5. Na situação explicitada na consulta, o pagamento de despesas com publicidade depende de avaliação caso a caso, visando em especial comprovar se houve caracterização de promoção pessoal de autoridade ou de servidores, o que é vedado pelo art. 37, § 1º, da Constituição Federal. Caracterizada a promoção pessoal, deve a Administração adotar as providências acima enunciadas. ##

817

Origem: Secretaria de Estado de Governo

Relator: Conselheiro Moacir Bertoli

Processo nº: TC9261904/91                      Parecer: COG-701/99

Decisão nº: 1146/2000                               Sessão: 08.05.2000

(SEM GRIFOS NO ORIGINAL)

 

Todavia, o recorrente limitou-se a discorrer vagamente, sem objetividade, acerca do que ele intitulou no seu Recurso às fls. 05 como: DA IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO GESTOR POR ATO TÉCNICO PRATICADO POR SERVIDOR. 

 

 

Pelo exposto, sugere-se a manutenção das multas aplicadas.

 

Por fim, insurge-se, ainda, o recorrente contra o quantum das multas, sustenta, em síntese, que elas não estão justificadas.

 

Nesse ponto, procede o inconformismo, visto que a Constituição Federal, no art. 93, XI, exige a adequada motivação das decisões judiciais e administrativas.  Desse modo, se a LC202/2000, estabelece valores variáveis de multas, por certo que, diante do mandamento constitucional citado, a fixação da penalidade acima do mínimo deverá estar devidamente justificada.

 

Nesse sentido é o Voto do Conselheiro Júlio Garcia, GC-JG/2011/071 no processo REC 08/00393910 desta Egrégia Corte:

VOTO N. GC-JG/2011/071   REC 08/00393910

Recurso de Reexame. Multa. Redução do valor aplicado.

A ausência de motivação da decisão recorrida justifica a redução do valor da multa ao mínimo legal, em obediência ao princípio da motivação das decisões judiciais e administrativas, consagrado pela Constituição Federal (art. 93, XI).

 

Ademais, no presente feito, o cenário de descontrole da situação patrimonial imobiliária exposto pela instrução, dá conta de que não foi iniciado pelo recorrente, ou seja, é fruto de várias gestões. Porém, isso não quer dizer que ele estaria isento de responsabilidade, pois, nesse sentido não houve sua contribuição para a solução dos problemas.

Por essas razões, sugere-se a manutenção das multas aplicadas, mas reduzindo o seu montante ao mínimo legal.

 

 

3. CONCLUSÃO

 

 

 

Diante do exposto, a Consultoria Geral emite o presente Parecer no sentido de:

 

          3.1. Conhecer do Recurso de Reconsideração interposto nos termos do art. 77 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, contra o Acórdão nº  1642/2008, exarada na Sessão Plenária Ordinária de 10/11/2008, nos autos do Processo nº TCE – 05/00976287, e no mérito dar provimento parcial para

                    3.1.1. Modificar a redação dos itens 6.2.1.1. e 6.2.1.2. da Deliberação Recorrida que passam a ter a seguinte redação:                                                                                             

6.2.1.1. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da ausência de providências para a regularização e incorporação ao Patrimônio Público dos Imóveis sob responsabilidade do Município e originários do "Tombamento" de terras devolutas da União, mediante a declaração de domínio público, através de procedimento discriminatório, de acordo com o que preceituam os arts. 11, § 2º, da Lei Orgânica Municipal e 1º, e seguintes, da Lei (federal) n. 6.383/76 (item 2 do Parecer DMU);

 6.2.1.2. R$ 400,00 (quatrocentos reais), pela inexistência de cadastro imobiliário atualizado e existência de falhas no ordenamento territorial do Município, descumprindo as determinações da Lei Orgânica de Laguna, arts. 8º, XI, 11, §§ 7° e 8º, e 95, da Lei Complementar (municipal) n. 072/01, de 16 de dezembro de 2001, arts. 28, 30 e 32, e do Código Tributário Municipal, arts. 200 e 202 (item 5 do Parecer DMU).

 

                    3.1.2. Ratificar os demais termos da Deliberação Recorrida.

          3.2. Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator e do Parecer da Consultoria Geral ao Sr. Adílcio Cadorin e à Prefeitura Municipal de Laguna.

  

Consultoria Geral, em 27 de abril de 2011.

 

CLEITON WESSLER

AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

De Acordo

 

 

JULIANA FRITZEN

COORDENADORA

 

 

De acordo. Contudo, à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator Conselheiro Herneus De Nadal, ouvindo preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 

HAMILTON HOBUS HOEMKE

CONSULTOR GERAL