Processo nº:

09/00196289

Unidade Gestora:

Prefeitura Municipal de Nova Trento

Responsáveis:

 

Interessados:

Godofredo Luiz Tonini

Assunto:

Referente aos Processos RPA-05/04135465 e PDI-06/00010465

Parecer Nº:

COG - 246/2011

 

Recurso de de Reconsideração. Procedimento de Representação. Aplicação dos Princípios da Fungibilidade Recursal e do Formalismo Moderado ou Abrandamento do Rigor Formal. Apelo conhecido como Recurso de Reexame.

Nos procedimentos administrativos vige o Princípio do Formalismo Moderado ou Abrandamento do Rigor Formal, que permite o recebimento de um recurso por outro, quando não evidenciada a má fé do recorrente, desde que satisfeitos os demais requisitos de admissibilidade.

Ausência de repasse ao Instituto de Previdência dos Servidores Públicos Municipais de valores retidos em folha. Afronta ao Princípio da Legalidade. Aplicação de multa que se impõe. Recurso conhecido e não provido.

O Administrador Público está ligado ao Princípio da Legalidade, situação em que somente lhe é permitido a execução de medidas previstas na norma.

 

Sr. Consultor,

 

1. INTRODUÇÃO

 

Trata-se de Recurso de Reconsideração interposto pelo Sr. Godofredo Luiz Tonini, ex-Prefeito do Município de Nova Trento, contra o Acórdão nº 350/2009, proferido pelo Tribunal Pleno desta Corte de Contas, nos autos do processo RPA nº 05/04135465 e seu apenso PDI nº 06/00010465, com o seguinte teor:

 

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Conhecer do Relatório de Auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Nova Trento, com abrangência ao exercício de 2004, para considerar irregular o não-repasse ao IPREVENT tratado no item 6.2 desta deliberação.

6.2. Aplicar ao Sr. Godofredo Luiz Tonini - ex-Prefeito Municipal de Nova Trento, CPF n. 178.648.289-49, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), em face do não-repasse ao IPREVENT, nas épocas apropriadas, das contribuições dos servidores públicos municipais, descontadas de suas respectivas folhas de pagamento e relativas aos meses de maio a novembro de 2004, contrariando os arts. 62 e 64, § 3º, da Lei (municipal) n. 1.671/2000 (item 1.1 do Relatório DMU), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.3. Determinar à Prefeitura Municipal de Nova Trento que encaminhe a este Tribunal os comprovantes do repasse ao IPREVENT, a partir de outubro de 2008 até a quitação total das parcelas devidas, decorrentes do parcelamento da dívida do Poder Executivo Municipal de Nova Trento junto ao IPREVENT - Instituto de Previdência dos Servidores Públicos Municipais de Nova Trento.

6.4. Determinar à Secretaria Geral - SEG, deste Tribunal, que autue Processo de Monitoramento - PMO, nos termos da Portaria n. TC-638/2007, constituído de cópia das fs. 550 a 680 dos presentes autos, com posterior remessa à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU.

6.5. Determinar à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, o monitoramento da quitação total das parcelas devidas decorrentes do parcelamento da dívida do Poder Executivo Municipal de Nova Trento junto IPREVENT.

 

Irresignado, o Sr. Godofredo Luiz Tonini postula a reforma da decisão, com a exclusão da multa e o consequente arquivamento do feito, sob o argumento de que não efetuou o repasse ao Instituto de Previdência dos Servidores Públicos Municipais de Nova Trento – IPREVENT – em decorrência da Situação de Emergência decretada pelo município.

É o parecer.

 

 

2. ANÁLISE

 

2.1 Admissibilidade

 

Embora o recorrente tenha interposto o presente Recurso de Reconsideração, constata-se que a Decisão objurgada foi proferida em processo de representação, RPA nº 05/04135465 e seu apenso PDI nº 06/00010465 portanto, para atacá-la, caberia Recurso de Reexame, nos termos do art. 79, da Lei Complementar nº 202/2000, e art. 138, do Regimento Interno desta Casa.

Em que pese a inadequação do nome, em consonância com os Princípios da Fungibilidade Recursal e do Formalismo Moderado, deve-se conhecer do apelo.

De acordo com o Princípio da Fungibilidade dos Recursos, quando for tempestivo o recurso adequado no prazo em que foi interposto o equivocado, e não houver erro grosseiro e má fé, pode-se conhecer um recurso por outro. Por este Princípio se permite a troca de um recurso por outro: o tribunal pode conhecer do recurso erroneamente interposto[1].

No tocante a tempestividade, ambos os recursos, de Reexame e Reconsideração, possuem os mesmos prazos para interposição, qual seja, de 30 (trinta) dias, nos termos dos arts. 77 e 80 da Lei Complementar nº 202/2000. O Acórdão atacado foi publicado no DOE nº 222, no dia 31/03/2009, e o recurso protocolado em 23/04/2009, respeitando-se, portanto, o prazo legal.

Também não se pode dizer que houve erro grosseiro, uma vez que tais recursos não se opõem, possuem efeito suspensivo e devolvem a análise da questão de mérito ao Tribunal Pleno. Entretanto, o Recurso de reconsideração deve ser especificamente manejado em face de decisões proferidas em processos de prestação e tomadas de contas, enquanto o Recurso de Reexame é cabível nos demais casos, como, por exemplo, no ora analisado.

Finalmente, nada há nos autos que aponte ao recorrente o uso da má-fe na interposição do recurso equivocado. 

De outro lado, é possível aplicação do Princípio do Formalismo Moderado, nos termos dos ensinamentos de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:

 

Esse pressuposto diz respeito à necessidade do interessado de ingressar com o recurso certo para impugnar a decisão, pois a lei prescreve a utilidade, a finalidade e as condições para cada recurso, não podendo a parte, por ignorância ou má-fé, utilizar-se de outro tipo de recurso.

Tal ocorreria se o interessado, percebendo contradição na parte dispositiva do voto, ingressasse com o pedido de reexame, ao invés do embargo de declaração.

Nos compêndios de processo civil, o pressuposto da epígrafe ocupa razoável tempo, ao contrário do que ocorre com a sistemática dos processos dos Tribunais de Contas.

Como dito, porém, em sede de contas, o pressuposto em tela tem sua força bastante diminuída, em virtude do princípio do abrandamento do rigor formal ou do formalismo moderado.

Também fundamenta essa posição de temperar o pressuposto da adequação do recurso o "princípio da fungibilidade", que se coloca em posição diametralmente oposta, recomendando que, na ausência de má-fé, seja conhecido o recurso inadequado.[2]

 

 

Além disso, o apelante satisfez as demais condições de admissibilidade exigidas para o conhecimento do Recurso de Reexame, quais sejam, a singularidade, eis que o apelo foi interposto uma única vez, e a legitimidade, pois o recorrente ostentava a qualidade de responsável pois ocupava, na época dos fatos,  o cargo de Prefeito, atendendo, assim, ao disposto no §1º, alínea “a”, do art. 133 do Regimento Interno. Logo, em consonância com os princípios da fungibilidade recursal e do formalismo moderado, deve o presente recurso ser conhecido como Recurso de Reexame.

 

 

 

2.1 Mérito

 

 

Pretende o recorrente a exclusão da multa aplicada, pela decisão objurgada, em decorrência da justificativa oferecida para a ausência de repasse ao IPREVENT dos valores recolhidos diretamente em folha pela Prefeitura de Nova Trento, nos meses de maio a novembro de 2004, contrariando os arts. 62 e 64, § 3º, ambos da Lei Municipal nº 1.671/2000.

Alega o responsável que nos meses de janeiro e setembro de 2004 o município sofreu sérios danos resultantes do excesso de chuvas, culminando com a decretação da situação de emergência. Segundo as razões do recurso, a condição anômala verificada pelo município impôs ao Sr. Godofredo, prefeito na época, a adoção de várias medidas extremas, dentre elas aquela cuja tutela almeja este recurso.

Examinando os argumentos lançados pelo recorrente verifica-se que o apelo não merece lograr êxito.

Em que pese se perceba a gravidade da situação enfrentada pelo município de Nova Trento, a atitude do alcaide não encontra amparo legal. A condição de emergência deflagrada não permite que seja tomado todo e qualquer tipo de medida para minimizar os efeitos da catástrofe. Os atos do gestor continuam alicerçados no Princípio da Legalidade, que “é certamente a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita[3].

A situação de emergência não afasta a necessidade de subordinação do gestor público ao Princípio da Legalidade, eis que, apoderar-se e utilizar-se dos recursos descontados em folha dos servidores públicos do município de maneira não prevista na norma, utilizando-se como se seu fosse, não encontra amparo em qualquer justificativa – nem mesmo no estado de necessidade –, beirando, inclusive, às margens da criminalidade, já devidamente analisada pelo Ministério Público Estadual.

Ademais, o estado de necessidade administrativa, posto às escâncaras com a decretação da situação de emergência, não é uma exceção à legalidade, mas sim uma legalidade excepcional, com regras próprias, inexistindo a possibilidade de uso de verbas retidas em folha, destinadas ao Instituto de Previdência dos Servidores do Município, de forma diversa do determinado na lei local.

A respeito do tema leciona Juliana Gomes Miranda:

 

O sistema jurídico é como um conjunto coeso de proposições unitárias, integrado por uma rede axiológica de regras e princípios, organizado de forma hierárquica, fundado em um pressuposto axiomático, que seja a Constituição, essa como padrão de conformidade, de validade de todo ordenamento. E, considerando a atual concepção de sistema jurídico, difícil aceitar a configuração do estado de necessidade administrativa como excepcionalidade formadora de um sistema de legalidade paralelo ou alternativo[4].

 

Convém ainda acrescer que, ante a necessidade do administrador, em casos como o ora analisado, seria possível a utilização da Reserva de Contingência, nos termos do Prejulgado nº 1147 emitido por esta Corte de Contas, que especifica que “a Reserva de Contingência somente poderá ser utilizada para suplementação de dotações orçamentárias visando a pagamentos de despesas inesperadas, decorrente de situações imprevisíveis, como calamidades públicas, fatos que provoquem situações emergenciais, etc., ou para cobrir passivos contingentes e eventos fiscais imprevistos”, expediente não observado pelo recorrente.

Sendo assim, agiu de forma ilegal o responsável ao deixar de repassar o montante arrecadado dos servidores novatrentinos ao IPREVENT nos meses de maio a novembro de 2004, mostrando-se adequada e razoável a aplicação da multa imposta pela decisão objurgada.

 

 

 

3. CONCLUSÃO

 

 

Diante do exposto, a Consultoria Geral emite o presente Parecer no sentido de que o Conselheiro Julio Garcia proponha ao Egrégio Tribunal Pleno decidir por:

 

          3.1. Conhecer do Recurso de Reconsideração como Recurso de Reexame, interposto nos termos do art. 79 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, contra o Acórdão nº 0350/2009, exarada na Sessão Ordinária de 18/03/2009, nos autos do Processo RPA nº 05/04135465, e no mérito negar provimento, ratificando na íntegra a Deliberação Recorrida.

          3.2. Dar ciência da Decisão, do Relatório e do Voto de Relator, bem como deste Parecer da Consultoria Geral ao Sr. Godofredo Luiz Tonini e à Prefeitura Municipal de Nova Trento.

 

Consultoria Geral, em 8 de junho de 2011.

 

 

 

 GLÁUCIA MATTJIE

AUDITORA FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

De acordo:

 

 

 

 JULIANA FRITZEN

COORDENADORA

 

Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator Conselheiro Julio Garcia, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 

 

 HAMILTON HOBUS HOEMKE

CONSULTOR GERAL



[1] NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 953.

 

[2] Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005. pp. 521/522.

[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p 18.

[4] Teoria da excepcionalidade administrativa: a juridicização do estado de necessidade. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 117.