PROCESSO Nº:

REC-09/00545631

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de Otacílio Costa

RESPONSÁVEL:

 

INTERESSADO:

Altamir José Paes

ASSUNTO:

Referente ao Processo -TCE-04/03407834

PARECER Nº:

COG - 277/2011

 

Recurso de Reconsideração. Fungibilidade. Conhecimento. Mérito. Recurso parcial. Provimento parcial para cancelar as multas dos itens 6.2.6, 6.2.7, 6.2.9, 6.2.10 e 6.211.

1. A conversão do processo APE - Auditoria in loco de Atos de Pessoal em processo de Tomada de Contas Especial é possível quando se identificar a presença de possível dano ao erário, ainda que ao final não venha a se concretizar a sua existência.

2.São autoaplicãveis o art. 69 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000 e o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno desta Corte de Contas.

3. Os serviços contábeis contratados possuem ligação direta com as atividades desenvolvidas pelo cargo de contador municipal. Em face da Constituição Federal o preenchimento do desempenho dessas funções deve ser feita por servidor público aprovado em concurso público, ressalvadas as hipóteses de contratação excepecional e por tempo determinado. Situação não caracterizada no caso concreto.

4. A nomeação de pessoas para cargos comissionados somente é admitida para o exercício de funções que se enquadram como atividades de assessoramento, chefia e direção.

5. A forma pela qual será feita o controle de horas é questão de ordem interna na Administração a qual compete ao gestor público disciplinar no exercício do poder discricionário.

6.  No Município de Otacílio Costa a lei complementar fez consignar expressamente a possibilidade de se remunerar as horas extraordinárias prestadas pelos servidores públicos ocupantes de cargos comissionados. Reconhecimento da autonomia administrativa e política do ente federativo no atual sistema republicano.

7. Ante a omissão do legislativo municipal em regulamentar o art. 47 da Lei Complementar municipal n. 45/32003, tem-se que a norma insculpida na CLT poderia ser acolhida por aplicação analógica, ante o previsto no art. 4º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro para assegurar um direito fundamental do servidor público previsto na Constituição Federal de 1988.

8. Há servidores que atuam em atividade administrativa que caracterize a habitualidade na execução de serviços que extrapolem a jornada de trabalho normal. A realidade local é que irá conferir e confirmar esta situação. A habitualidade no pagamento de horas extraordinárias não se apresenta de todo proibida, uma vez atendidas as hipóteses previstas em lei.

9.  Reconhecimento do princípio da confiança entre o agente público que assina a ordem de pagamento e os servidores que atualizam as informações cadastrais de cada servidor na preparação da folha de pagamentos. Falha de pequena monta que não caracteriza motivo para aplicação de penalidade pelo órgão de controle externo (princípio da proporcionalidade).

 

Sr. Consultor,

 

1. INTRODUÇÃO

 

Trata-se os autos de recurso de Reexame interposto com fundamento no art. 79 e 80 da Lei Complementar n. 202/2000 pelo Sr. Altamir José Paes, ex-prefeito do Município de Otacílio Costa, qualificado nos autos do processo nº TCE 04/03407834, em face do Acórdão nº 1.050/2009, exarado na Sessão de 27/07/2009, publicado no DOTC-e n. 310, de 10/08/2009, nos seguintes termos:

 

Acórdão n. 1050/2009

 

1. Processo n. TCE - 04/03407834

2. Assunto: Grupo 3 – Tomada de Contas Especial - Conversão do Processo n. APE-04/03407834 - irregularidades praticadas no exercício de 2003

3. Responsável: Altamir José Paes - ex-Prefeito Municipal

4. Entidade: Prefeitura Municipal de Otacílio Costa

5. Unidade Técnica: DMU

6. Acórdão:

 VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos à Tomada de Contas Especial pertinente a irregularidades praticadas no âmbito da Prefeitura Municipal de Otacílio Costa no exercício de 2003.

Considerando que o Responsável foi devidamente citado, conforme consta na f. 670 dos presentes autos;

 Considerando que as alegações de defesa e documentos apresentados são insuficientes para elidir irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Relatório DMU n. 738/2006;

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

 

6.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, na forma do art. 18, III, alínea "b" c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da auditoria realizada no Município de Otacílio Costa, com abrangência sobre atos de pessoal referentes ao exercício de 2003.

 

6.2. Aplicar ao Sr. Altamir José Paes - ex-Prefeito Municipal de Otacílio Costa, CPF n. 521.814.489-49, com fundamento no art. 69 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

 

6.2.1. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da cessão de 17 servidores municipais para atender a deficiências de pessoal de outros órgãos públicos estaduais, com ônus para a Prefeitura, sem caracterização de excepcional interesse público demonstrado em lei autorizativa, em descumprimento ao disposto no art. 62 da Lei Complementar n. 101/00 (item 1.1 do Relatório DM);

 

6.2.2. R$ 400,00 (quatrocentos reais), pela contratação de pessoal, por tempo determinado, em número de 47, sem a realização de processo seletivo simplificado e publicidade, em inobservância aos princípios da impessoalidade, da isonomia e da moralidade, previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal, bem como ao art. 4º da Lei Complementar n. 01/97, que dispõe sobre a contratação de pessoal em caráter temporário no Município de Otacílio Costa (item 1.2 do Relatório DMU);

 

 6.2.3. R$ 400,00 (quatrocentos reais), devido à contratação de serviços contábeis de caráter não eventual, cujas atribuições são inerentes às funções típicas da administração, previsto no quadro de pessoal, em descumprimento à Lei n. 495/1990, bem como fuga ao concurso público, em desacordo com o disposto no inciso II do art. 37 da Constituição Federal (item 1.3 do Relatório DMU);

 

 6.2.4. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em virtude da nomeação de dois servidores para cargos comissionados, cujas atribuições não são de direção, chefia ou assessoramento, segundo exigência da Constituição Federal, art. 37, V, evidenciando ausência de concurso público nos termos do art. 37, II, da Carta Magna Federal (item 1.4 do Relatório DMU);

 

 6.2.5. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em razão da prestação de serviços à administração municipal por pessoa física sem vínculo contratual, formal ou empregatício, caracterizando fuga à abertura de concurso público, desrespeitando o disposto na Constituição Federal, art. 37, II (Item 1.5 do Relatório DMU);

 

 6.2.6. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da ausência de ficha de controle de horas extras prestadas, evidenciando deficiência no controle interno da Unidade, em detrimento ao disposto no art. 4º da Resolução n. TC-16/94 (item 1.6 do Relatório DMU);

 

 6.2.7. R$ 400,00 (quatrocentos reais), pelo pagamento de horas extras a servidor ocupante de cargo comissionado, em desacordo com os arts. 6º e 7º da Lei n. 495, de 23 de março de 1990, que dispõe sobre o quadro de pessoal da administração do Município de Otacílio Costa (item 1.8 do Relatório DMU);

 

 6.2.8. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em virtude da concessão de adicional de insalubridade, sem amparo em lei específica regulamentadora do percentual e dos critérios de concessão, conforme exigência do art. 47 da Lei n. 45, de 20.06.2003 (Estatuto dos Servidores Públicos de Otacílio Costa), representando despesas no montante de R$ 116.551,34 (item 1.10 do Relatório DMU);

 

 6.2.9. R$ 400,00 (quatrocentos reais), devido ao pagamento de horas extras efetuado com habitualidade, praticamente em todos os meses, de forma fixa, configurando remuneração indireta e descaracterizando o caráter extraordinário desta prestação pecuniária, em desacordo com o art. 48, § 2º, da Lei Complementar n. 45/03 e a Lei (federal) 4.320/64, art. 63, § 2º, III (item 1.7 do Relatório DMU);

 

 6.2.10. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em razão da concessão de adicional de insalubridade, sem amparo em Levantamento Ambiental de Insalubridade NR-15 Portaria 3.214/78, realizado na Prefeitura Municipal de Otacílio Costa, em desacordo com o disposto no art. 47, §§ 1º e 2º, da Lei Complementar n. 45/03 (item 1.9 do Relatório DMU);

 

 6.2.11. R$ 400,00 (quatrocentos reais), pelo pagamento de função gratificada, sem amparo em lei específica, em desacordo com o art. 44 da Lei n. 45/03 (item 1.11 do Relatório DMU).

 

6.3. Determinar ao atual Prefeito Municipal de Otacílio Costa, Sr. Denilson Luiz Padilha, que adote as providências administrativas, nos termos do art. 5º da Instrução Normativa n. TC-03/2007, alterada pela Instrução Normativa n. TC-06/2008, visando ao ressarcimento ao erário, pelos servidores beneficiados, dos valores pagos indevidamente, a seguir descritos:

 

 

a) Pagamento de horas extras efetuado com habitualidade, praticamente em todos os meses, de forma fixa, no montante de R$ 36.082,61 (trinta e seis mil oitenta e dois reais e sessenta e um centavos), configurando remuneração indireta e descaracterizando o caráter extraordinário desta prestação pecuniária, em desacordo com o art. 48, § 2º, da Lei Complementar n. 45/03 e a Lei (federal) 4.320/64, art. 63, § 2º, III (item 1.7 do Relatório DMU);

 

 b) Concessão de adicional de insalubridade, no montante de R$ 25.818,68 (vinte e cinco mil oitocentos e dezoito reais e sessenta e oito centavos), sem amparo em Levantamento Ambiental de Insalubridade NR-15 Portaria 3.214/78, realizado na Prefeitura Municipal de Otacílio Costa, em desacordo com o disposto no art. 47, §§ 1º e 2º, da Lei Complementar n. 45/03 (item 1.9 do Relatório DMU);

 

 c) Pagamento de função gratificada, no montante de R$ 149,75 (cento e quarenta e nove reais e setenta e cinco centavos), sem amparo em lei específica, em desacordo com o art. 44 da Lei n. 45/03 (item 1.11 do Relatório DMU).

 

6.3.1. Fixar o prazo de 95 (noventa e cinco) dias, a contar da comunicação desta deliberação, para que o Prefeito Municipal de Otacílio Costa, comprove a este Tribunal o resultado das providências administrativas adotadas (art. 5º, § 4º, da IN n. TC-03/2007, e alterações).

 

6.3.2. Caso as providências referidas no item anterior restarem infrutíferas, deve o atual Prefeito Municipal proceder à instauração de tomada de contas especial, nos termos do art. 10, § 1º, da Lei Complementar n. 202/00, com a estrita observância do disposto no art. 12 da Instrução Normativa n. TC-03/2007, e alteração posterior, que dispõe sobre os elementos integrantes da tomada de contas especial, para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano, pertinentes às irregularidades descritas no item 6.3, "a" a "c", desta deliberação, sob pena de responsabilidade solidária.

 

6.3.3. A fase interna da tomada de contas especial deverá ser concluída no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da data de sua instauração, conforme dispõe o art. 11 da referida Instrução Normativa.

 

6.3.4. Determinar ao atual Prefeito Municipal de Otacílio Costa, com fulcro no art. 13 da citada Instrução, e alteração, o encaminhamento a este Tribunal de Contas do processo de tomada de contas especial, tão logo concluída.

 

6.4. Alertar o atual Prefeito Municipal de Otacílio Costa que o não cumprimento do item 6.3, e subitens, desta deliberação implicará, conforme o caso, na definição de sua responsabilidade solidária quanto ao débito apontado, nos termos do art. 10, da Lei Complementar n. 202/2000, além da cominação das sanções previstas no art. 70, VI e § 1º, do mesmo diploma legal.

 

6.5. Determinar à Secretaria Geral - SEG, deste Tribunal, que acompanhe a deliberação constante do item 6.3, e subitens, retrocitados e comunique à Diretoria Geral de Controle Externo - DGCE, após o trânsito em julgado, acerca do cumprimento da determinação para fins de registro no banco de dados e encaminhamento à Diretoria de Controle competente para análise.

 

6.8. Determinar ao atual Prefeito Municipal de Otacílio Costa que adote as providências cabíveis com o fim de corrigir as situações irregulares descritas nos subitens do item 6.2 da presente decisão que, porventura, ainda persistam no âmbito da administração municipal.

 

6.9. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório DMU n. 738/2006:

6.9.1. ao Sr. Altamir José Paes - ex-Prefeito Municipal de Otacílio Costa;

6.9.2. à Prefeitura Municipal de Otacílio Costa e ao responsável pelo controle Interno daquele Município, com remessa de cópia da Instrução Normativa n. TC-03/2007, consolidada.

 

7. Ata n. 46/09

 

8. Data da Sessão: 27/07/2009 – Ordinária.

 

É o breve relato. Passa-se a análise dos requisitos de admissibilidade.

 

2. ANÁLISE

 

2.1. DA ADMISSIBILIDADE

 

 

Os pressupostos de admissibilidade dos recursos são cabimento e adequação, legitimidade, tempestividade e singularidade.

Quanto ao cabimento e adequação, verifica-se que o ato impugnado é acórdão proferido quando da análise de atos administrativos.

No presente caso, foi manejado o Recurso de Reexame, quando o adequado é o Recurso de Reconsideração, previsto no art. 77 da Lei Complementar estadual n. 202/00 (LOTCESC), manejável contra decisão proferida em processo de prestação ou tomada de contas de administrador.  Assim, uma vez atendido aos demais pressupostos, urge aplicar ao caso concreto o princípio da fungibilidade recursal.

Da mesma forma, no que tange à legitimidade, verifica-se que o Recorrente é habilitado a se irresignar contra decisão desta egrégia Corte de Contas, haja vista ter sido apontado como Responsável pelo ato de gestão irregular no acórdão atacado.

Pelo que se extrai dos autos, o recurso é singular, haja vista que não há notícia ou registro da interposição de outro recurso contra o acórdão n. 1050/2009.

Por fim, em relação à tempestividade, verifica-se que o acórdão acima referenciado foi publicado no DOTC-E n. 310, de 10/08/2009 e o presente recurso foi interposto em 04/09/2009 (fl. 02), portanto, atendido ao prazo legal estabelecido no art. 77 da Lei Complementar estadual n. 202/2000 (recurso de reconsideração).

Por estarem preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade, e aplicando-se o princípio da fungibilidade recursal, sugere-se ao Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator que conheça do presente Recurso de Reconsideração.

Dessa forma, passa-se ao exame das prejudiciais ao mérito levantadas pelo Recorrente.

 

2.2. Preliminares.

 

2.2.1. Impropriedade processual.

 

O Recorrente arguiu que houve impropriedade processual quando do julgamento do processo TCE 04/03407834 por entender que a aplicação de multa somente tem lugar se estiver a Corte de Contas a julgar processo de Prestação ou de Tomada de Contas, de modo que as multas aplicadas somente poderiam subsistir se houvesse sido convertido os autos em Tomada de Contas Especial, pois o processo originário tratava de análise de atos jurídicos, e não de contas públicas. E conforme a Constituição Estadual não lhe atribuir competência para julgar os atos jurídicos, mas apenas para julgar contas públicas (fl. 04).

A conversão do processo APE – Auditoria in loco de Atos de Pessoal em processo de Tomada de Contas Especial é possível quando se identificar a presença de possível dano ao erário, ainda que ao final não venha a se concretizar a sua existência. 

A Tomada de Contas possui regramento no art. 10 da Lei Complementar estadual n. 202/2000 quando dispõe que:

Art. 10 - A autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências com vistas à instauração de tomada de contas especial para apuração de fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano, quando não forem prestadas as contas ou quando ocorrer desfalque, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos, ou ainda se caracterizada a prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte prejuízo ao erário.

§ 1º - Não atendido o disposto no "caput" deste artigo, o Tribunal determinará a instauração da tomada de contas especial, fixando prazo para cumprimento dessa decisão.

§ 2º - A tomada de contas especial prevista no "caput" e no § 1º deste artigo será, desde logo, encaminhada ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina para julgamento, se o dano for de valor igual ou superior à quantia para esse efeito fixada pelo Tribunal de Contas em cada ano civil, na forma estabelecida no Regimento Interno.

§ 3º - Se o dano for de valor inferior à quantia referida no parágrafo anterior, a tomada de contas especial será anexada ao processo da respectiva prestação ou tomada de contas anual do administrador ou ordenador da despesa, para julgamento em conjunto.

 

Igualmente regula a Tomada de Contas o art. 32 da Lei Complementar estadual n. 202/2000 ao dispor que:

 

Art. 32. Configurada a ocorrência de desfalque¸ desvio de bens ou outra irregularidade que resulte dano ao erário, o Tribunal ordenará desde logo, a conversão do processo em tomada de contas especial se o dano apurado for de valor igual ou superior àquele previsto no § 2º do art. 10 desta Lei.

 

A multa aplicada pelo teve como fundamento no art. 70, II, da LC nº 202/2000 c/c 109, II, da Resolução TC 06/2001, Regimento Interno (RI), ou seja, ato praticado com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial.

Diante do exposto acima, opina-se pelo afastamento da preliminar aventada pelo Recorrente, por considerar que a decisão desta Corte de Contas era apropriada a reconhecer irregularidade em procedimentos relativos a atos de pessoal, e assim, impor sanção ao Responsável pela gestão de recursos públicos, na forma prevista em lei.

 

2.2.2.  Identificação do responsável

 

O Recorrente argumenta que não praticou os atos apontados como irregulares, e que a Diretoria Técnica o elegeu como responsável “apenas pelo fato de ter sido Prefeito do Município, no período a que se referem os atos fiscalizados” (fl. 06). Segundo o Recorrente, a Diretoria Técnica “em não tendo identificado o agente praticante da irregularidade, buscou responsabilizar e sugerir penalidade ao Ordenador Primário”.

Esta preliminar se confunde com o mérito. Por ora, cabe apenas adiantar que, no que tange a tese sustentada pelo Recorrente, esta Corte de Contas trilha o entendimento de que há que se demonstrar a participação dos agentes no ato administrativo irregularmente promovido no exercício das funções administrativas como requisito para responsabilidade.

Contudo, não se esta afirmando neste momento que não haja a responsabilidade do ex-Prefeito pelos atos apontados como irregulares no Acórdão n. 1050/2009, posto que a responsabilidade será analisada mais adiante quando da análise dos fatos que levaram o Plenário a reconhecer a ilegalidade do ato praticado e a responsabilidade do Recorrente.

 

2.2.3. Auto-aplicabilidade do art. 69 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000 e art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno desta Corte de Contas.

 

O Recorrente arguiu que o art. 69 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado e art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno desta Corte de Contas não são autoaplicáveis tendo em vista a inexistência de previsão do que seria grave infração à norma legal, o que resultaria na impossibilidade de aplicação de multa, e por via de consequência, no exercício do direito ao contraditório e a ampla defesa, ante a alegada violação ao princípio de direito penal da “reserva legal”.

Os argumentos apresentados pelo Responsável a título de preliminar não são novos perante esta Corte de Contas, isso porque tais questionamentos já foram realizados em âmbito de ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal em âmbito recursal, no Recurso Extraordinário 190.985-4, publicado no Diário da Justiça de 24/08/2001.

A Lei Orgânica Estadual atual, Lei Complementar Estadual 202/2000, prevê a possibilidade de aplicação de multa aos responsáveis por contas julgadas irregulares de que não resulte débito em razão da prática de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico, ou grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional.

O Regimento Interno atual (Resolução TC-01/2006), em seu art. 108, prevê a mesma situação, já mencionada no art. 69 da LCE n. 202/2000.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade acima mencionada, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela auto-aplicabilidade das normas que prevêem  penalidades pelos Tribunais de Contas, cuja ementa transcreve-se:

EMENTA: Recurso extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade.

2. Pedido acolhido, em parte, pelo Tribunal de Justiça catarinense, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 76 e 77, incisos I, III, IV, V, VI e VII, da Lei Complementar n.º 31/90.

3. Alegação de ofensa ao art. 71, VIII, da CF.

4. Parecer da PGR pelo provimento do recurso extraordinário.

5. Afastada a incompetência do Tribunal a quo para processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de normas estaduais, em face de expresso dispositivo da Constituição do mesmo Estado.

6. Recurso extraordinário conhecido e provido para julgar improcedente a ação direta de inconstitucionalidade e declarar a constitucionalidade dos arts. 76 e 77, incisos I, III, IV, V, VI e VII, ambos da Lei Complementar n.º 31, de 27.9.1990, do Estado de Santa Catarina.

7. Não é possível, efetivamente, entender que as decisões das Cortes de Contas, no exercício de sua competência constitucional, não possuam teor de coercibilidade. Possibilidade de impor sanções, assim como a lei disciplinar.

8. Certa está que, na hipótese de abuso no exercício dessas atribuições por agentes da fiscalização dos Tribunais de Contas, ou de desvio de poder, os sujeitos passivos das sanções impostas possuem os meios que a ordem jurídica contém para o controle de legalidade dos atos de quem quer que exerça parcela de autoridade ou poder, garantidos, a tanto, ampla defesa e o devido processo legal.

9. As normas impugnadas prevêem possam as multas ser dosadas, até o máximo consignado nessas regras legais. Disso resulta a possibilidade, sempre, de se estabelecer relação de proporcionalidade entre o dano e a multa.

 

Conforme se pode verificar, a tese apresentada nestes autos a título de preliminar já há muitos anos é rechaçada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.

Diante do exposto, opina-se pelo afastamento da preliminar aventada pelo Recorrente, por considerar que as decisões das Cortes de Contas, no exercício de sua competência constitucional, possibilitam a imposição de sanções aos Responsáveis pela gestão de recursos públicos, na forma prevista em lei.

Passada a análise das preliminares, será abordada a análise do mérito das irregularidades apontadas no acórdão recorrido, e sua correlação com a autoria de cada uma dessas ocorrências, em atenção aos elementos trazidos pelo Recorrente na sua “segunda preliminar” (fls. 05-09).

 

2.3. MÉRITO.

 

2.3.1. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da cessão de 17 servidores municipais para atender a deficiências de pessoal de outros órgãos públicos estaduais, com ônus para a Prefeitura, sem caracterização de excepcional interesse público demonstrado em lei autorizativa, em descumprimento ao disposto no art. 62 da Lei Complementar n. 101/00.

 

Nas razões recursais não há menção à este aspecto da decisão, de forma que não houve recurso expresso quanto ao item 6.2.1 do acórdão recorrido, motivo pelo qual não há razões para alteração da decisão neste ponto.

 

2.3.2. R$ 400,00 (quatrocentos reais), pela contratação de pessoal, por tempo determinado, em número de 47, sem a realização de processo seletivo simplificado e publicidade, em inobservância aos princípios da impessoalidade, da isonomia e da moralidade, previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal, bem como ao art. 4º da Lei Complementar n. 01/97, que dispõe sobre a contratação de pessoal em caráter temporário no Município de Otacílio Costa.

 

Nas razões recursais não há menção à este aspecto da decisão, de forma que não houve recurso expresso quanto ao item 6.2.2 do acórdão recorrido, motivo pelo qual não há razões para alteração da decisão neste ponto.

 

 2.3.3. R$ 400,00 (quatrocentos reais), devido à contratação de serviços contábeis de caráter não eventual, cujas atribuições são inerentes às funções típicas da administração, previsto no quadro de pessoal, em descumprimento à Lei n. 495/1990, bem como fuga ao concurso público, em desacordo com o disposto no inciso II do art. 37 da Constituição Federal.

 

O acórdão recorrido em seu item 6.2.3 apontou como irregular o fato de o Recorrente ter contratado os serviços contábeis, em caráter não eventual, em desacordo com o disposto na Lei n. 495/90 e art. 37, inc. II da Constituição Federal.

Destacou a Diretoria Técnica que o Recorrente realizou a contratação da empresa AM Assessoria e Consultoria Ltda. por meio do processo licitatório n. 032/2002, para a execução de serviços contábeis, uma vez que a ocupante do cargo de contadora do município, Sra. Andréa Zapelini, estava cedida para o Instituto de Previdência e Assistência do Município de Otacílio Costa – IPAM, por meio da Portaria n. 171/2003 (fl. 151), desde o dia 21/05/2003.

Argumentou o Recorrente que os serviços de contabilidade foram prestados pela empresa AM Assessoria e Consultoria Ltda., contratada mediante processo licitatório n. 032/2002. Afirmou ainda que estaria encaminhando cópia do referido processo, com o objetivo de comprovar que não se tratava de serviços de contábeis, mas sim, de assessoria (fl. 15).

Em primeiro lugar, o Recorrente não apresentou a cópia do processo licitatório n. 032/2002. Assim, não fez a prova mencionada.

Entretanto, nos autos consta cópia do contrato n. 066/2002, decorrente do Convite n. 024/2002 (processo licitatório n. 032/2002), onde consta que os serviços contratados foram os relativos a:

- Fechamento mensal dos balancetes;

- Elaboração PPA, LDO;

- Execução dos relatórios de execução orçamentária e de gestão fiscal;

- Acompanhamento diário do Boletim de Caixa;

- Prestação de contas de convênios estadual e federal;

- Acompanhamento da execução orçamentária;

- Emissão de relatórios/planilhas bimestral (execução orçamentária) e quadrimestral (gestão fiscal) ao TCE – Tribunal de Contas do Estado.

 

Para a Diretoria Técnicas estes serviços caracterizam serviços contábeis, repassados por via de contrato a terceiros, em violação à regra do concurso público.

Em suas razões de defesa, o Recorrente, durante a instrução justificou a contratação afirmando que a contadora do município, aprovada em concurso público,

 

“embora tivesse conhecimento teórico, não possuía os conhecimentos práticos à complexidade do cargo, em razão das inúmeras ações a serem desencadeadas em cumprimento às leis e normas (...) optou-se em disponibilizar a referida profissional para um órgão menor, com funções menos complexas e monitorada pela Contabilidade Central (...) decidiu-se terceirizar a contabilidade, tendo sido contratada a empresa que ofereceu a melhor proposta de acordo os critérios de julgamento previamente estabelecidos. A decisão foi com base unicamente em propiciar mais eficiência na área contábil” (fls. 768-769 dos autos TCE 04/03407834).

 

A contabilidade deve evidenciar perante a Fazenda Pública a situação de todos quantos, de qualquer modo, arrecadem receitas, efetuem despesas, administrem ou guardem bens a ela pertencentes ou confiados, e devem ser organizados de forma a permitirem o acompanhamento da execução orçamentária, o conhecimento da composição patrimonial, o levantamento dos balanços gerais, a análise e a interpretação dos resultados econômicos e financeiros, evidenciando os fatos ligados à administração orçamentária, financeira, patrimonial e industrial, conforme disposto nos arts. 83 a 89 da Lei n. 4320/64. E mais, dispõe o art. 90 desse diploma legal que a contabilidade deverá evidenciar, em seus registros, o montante dos créditos orçamentários vigentes.

Ainda, dispõe o art. 101 da Lei n. 4.320/64 que o serviço de contabilidade deverá preparar os resultados gerais do exercício no Balanço Orçamentário, no Balanço Financeiro, no Balanço Patrimonial e na Demonstração das Variações Patrimoniais.

Portanto, inegável que os serviços contratados possuem ligação direta com as atividades desenvolvidas pelo profissional contabilista, atividades estas afetas ao cargo de contador municipal a qual havia servidor aprovado em concurso público.

A materialidade da infração e a autoria estão demonstradas com o ato de cessão da servidora Andréia Zapeline foi autorizada pelo Sr. Lindomar Figueiredo da Costa, ex-prefeito em exercício, conforme Portaria n. 171/2003 (fl. 151), o que demonstra a existência de profissional contábil nos quadros de pessoal do Município, e a contratação irregular desenvolvida pelo Sr. Altamir José Paes, ora Recorrente, em vista do repasse de atividades contábeis a terceiros, por via de terceirização de serviços relacionados com a atividade fim do setor de contabilidade municipal, firmado em 21 de maio de 2002, conforme cópia do contrato n. 66/2002 (fls. 146-148 dos autos TCE 04/03407834).

Diante do exposto, opina-se pela manutenção da penalidade imposta pelo item 6.2.3 do acórdão recorrido.

 

 2.3.4. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em virtude da nomeação de dois servidores para cargos comissionados, cujas atribuições não são de direção, chefia ou assessoramento, segundo exigência da Constituição Federal, art. 37, V, evidenciando ausência de concurso público nos termos do art. 37, II, da Carta Magna Federal.

 

A Diretoria Técnica apontou que as Senhoras Elizete Farias e Marli Ferreira do Amaral estavam exercendo funções estranhas às de direção, chefia e assessoramento, pois a primeira realizava atendimento pessoal aos munícipes mediante entrevistas, encaminhamentos, triagens sociais, e a segunda, atuava com recepcionista, ouvindo as solicitações dos munícipes e realizando o encaminhamento dos mesmos ao serviço de assistência social, conforme a necessidade. Apontou ainda que “não há razão lógica que justifique o exercício das funções de Assistente Social e Recepcionista, que exigem apenas o correto exercício de suas atribuições”, quando para os cargos comissionados para as funções de livre nomeação e exoneração pressupõe-se que “devem ser ocupados por pessoas detentoras da mesma ideologia política, vez que são eles que vão transmitir as diretrizes administrativas” (fl. 771 dos autos TCE 04/03407834).

Para a Diretoria Técnica, as funções exercidas pelas servidoras nomeadas em cargos comissionados deveriam ser providas por concurso público (fl. 772 dos autos TCE 04/03407834). Para reforçar esse entendimento, colacionaram a decisão do egrégio Supremo Tribunal Federal proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.141.

Já o Recorrente, em suas razões recursais questiona o entendimento manifestado pela Diretoria Técnica, e por via de consequência, o acerto da decisão plenária manifestada no item 6.2.4 do acórdão recorrido.

Aduziu o Recorrente que em municípios o cidadão não se contenta em falar com servidores públicos, mas sim, diretamente com o Prefeito, pois “sente-se mais seguro quando relata as suas preocupações à autoridade que tem a resolução para as suas dificuldades” (fl. 15), e em sendo assim, “as funções do cargo em comissão estão intimamente interligadas com as funções de execução” (fl. 15).

Argumentou ainda que “não é proibido aos exercentes de cargo em comissão fazer o atendimento do cidadão, dar-lhe atenção, emprestar-lhe seus conhecimentos acerca dos fatos apresentados, fazer o encaminhamento que o assunto merece ou encaminhá-lo para órgão responsável”. (fl. 15).

Destacou o Recorrente  um comparativo com o cargo de assessor jurídico o qual além de emitir orientações verbais, também atua mediante pareceres escritos (atividade de execução), elaboração de pareceres, minutas de contratos etc.

E para encerrar sua linha argumentativa, o Recorrente expôs seu desconhecimento acerca do que ele chamou de “estratégia e artimanha” na realização das entrevistas realizadas na Secretaria de Desenvolvimento Comunitário, Assistência Social e Habitação, pois entende que “pode ser que [os servidores entrevistados] tenham sido induzidos a dizer aquilo que [os auditores] queriam ouvir”, de forma que “a Corte de Contas não fez a acareação para saber a verdade do outro lado”, pois a decisão teria se baseado “única e exclusivamente, nos assentamentos feitos no relatório” (fl. 16).

Em primeiro lugar, cabe esclarecer que esta Corte de Contas não se utiliza de estratégias ou artimanhas imorais ou ilegais para o exercício do poder de fiscalização lhe outorgado pela Constituição Federal e Estadual. Os auditores quando o exercício da fiscalização possuem poderes para acessar documentos e informações necessários à realização de seu trabalho, podendo utilizar de todas as técnicas de investigação afetas ao exercício do controle externo que, dentre outras, inclui-se a entrevista direta com servidores públicos e particulares que tenham alguma ligação com o objeto investigado, pois de acordo com o princípio dos poderes implícitos, quem da os fins, também dá os meios, ou seja, se a Constituição outorgou a missão institucional às Cortes de Contas para promoverem a fiscalização da gestão dos recursos públicos, igualmente conferiu, implicitamente, os meios e instrumentos necessários para o exercício desse mister.

Em segundo lugar, não é correta a afirmação apresentada pelo Recorrente de que esta Corte de Contas “não fez acareação para saber a verdade do outro lado”, pois durante a tramitação do feito, houve a realização da citação do Recorrente para que este apresentasse suas justificativas e/ou alegações de defesa, conforme se pode constatar à fl. 680 dos autos TCE 04/03407834, sendo que o próprio Recorrente em 18/07/2005 apresentou suas alegações de defesa, demonstrando as suas considerações para as nomeações apontadas como irregulares. Portanto, não há que se falar que a decisão, ora recorrida, considerou “única e exclusivamente, nos assentamentos feitos no relatório”, conforme salientado pelo Recorrente.

Passada esta questão levantada pelo Recorrente, analisemos os demais argumentos apresentados.

Quanto ao fato de que “não é proibido aos exercentes de cargo em comissão fazer o atendimento do cidadão, dar-lhe atenção, emprestar-lhe seus conhecimentos acerca dos fatos apresentados, fazer o encaminhamento que o assunto merece ou encaminhá-lo para órgão responsável” (fl. 15), considera-se correto este destaque apresentado pelo Recorrente.

Contudo, não é esta a questão de fundo que se está a discutir nos presentes autos, mas sim a nomeação de pessoas em caráter comissionado para o exercício de funções que não se enquadram como atividades de assessoramento, chefia e direção, mas sim, de funções inerentes aos servidores públicos nomeados para cargos de provimento efetivo.

Ao comentar o disposto no art. 37, inc. V, a professora e ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia Antunes Rocha leciona que:

 

“Pelos termos claros e taxativos da norma, vê-se, pois, que inexiste possibilidade de ter o legislador infraconstitucional discricionariedade para dispor sobre a natureza do provimento de cargo público que não seja de direção, chefia e assessoramento, pois não tenho tais atribuições há vinculação legislativa, e o provimento de tal cargo é, necessariamente e pelo fundamento constitucional, efetivo”[1].

 

Nesse sentido, não está a natureza do cargo de provimento em comissão ligado ao fato noticiado pelo Recorrente, ou seja, se pode ou não o comissionado atender ao público, ou exercer funções de execução no âmbito administrativo. O ponto fulcral da discussão não é este, mais se as funções inerentes ao cargo estão dentre as funções indicadas pela Constituição Federal.

A Diretoria Técnica trouxe a informação baseada em entrevista local de que duas pessoas não estavam incumbidas desse mister constitucionalmente estabelecido, de modo que a nomeação realizada era irregular, por vício de constitucionalidade.

A gravidade da infração é explícita, pois o ato apontado afronta diretamente o texto constitucional, lei maior do sistema jurídico brasileiro. Afronta, igualmente, um dos princípios fundamentais que regem a atividade administrativa no país, qual seja, a de que o ingresso nos quadros do serviço público deva ocorrer, como regra, mediante a aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, salvo as nomeações para funções de chefia, direção e assessoramente previstas no já mencionado art. 37, inc. V da Constituição Federal de 1988.

Ainda que a designação do cargo comissionado possa dar a ideia de que se enquadra nas hipóteses constitucionalmente estabelecidas, cumpre ao Tribunal de Contas verificar se não há desvio de função nas nomeações realizadas, é dizer, constatar se na prática não está havendo o exercício de funções que deveriam ser prestadas por servidores nomeados em provimento efetivo.

Por desvio de função entende-se presente quando uma pessoa é nomeada para exercer as funções de um determinado cargo público e passa a desempenhar funções diversas desse cargo para o qual foi nomeado. Tal situação somente poderá ser admitida em situações precárias e temporárias, como em razão do afastamento do titular do cargo que se pretende substituir por razões de saúde, por exemplo, ou em outras situações as quais a lei expressamente venha a admitir. As nomeações em que se verifica o desvio de função são nulas de pleno direito.

Assim, não importa se o comissionado atende ao público ou não, esse fato é irrelevante. Não importa se executa funções de execução ou meramente atos preparatórios. A Constituição Federal exige apenas que as funções sejam ligadas às atividades de chefia, direção ou assessoramento.

Chefiar, dirigir ou assessor não se limita a atender ao público ou a servir de recepcionista para atendimento aos munícipes. Exige-se a outorgar de funções especiais que se destacam dessas meras atividades administrativas, por importar na concessão de poderes de mando, de coordenação, de orientação, de decisão em determinada área ou setor que compõe a estrutura administrativa da Administração Pública.

Ao Recorrente na fase instrutória caberia ter demonstrado a esta Corte de Contas que as servidoras identificadas pela Diretoria Técnicas estavam desempenhando funções em uma dessas três hipóteses, demonstração esta que poderia ser mediante a descrição pormenorizada das funções desempenhadas, as atividades desenvolvidas etc., de modo a que o egrégio Plenário tivesse conhecimento das funções desenvolvidas pelas servidoras segundo a posição do gestor. Oportunidade lhe foi conferida quando da instrução do feito.

A materialidade e a autoria estão caracterizadas pela juntada da Portaria n. 206/2003 (fls. 153-161 dos autos TCE 04/03407834) quando o art. 1º, inc. XIII e art. 2º, inc. XLVII houve a nomeação para os cargos comissionados os quais, segundo se apurou não eram se destinavam a funções de chefia, direção e assessoramento, situação que caracterizou o desvio de função e a irregularidade apontada pela Diretoria Técnica.

Diante do exposto, opina-se pela manutenção da penalidade imposta no item 6.2.4 do acórdão recorrido.

 

 2.3.5. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em razão da prestação de serviços à administração municipal por pessoa física sem vínculo contratual, formal ou empregatício, caracterizando fuga à abertura de concurso público, desrespeitando o disposto na Constituição Federal, art. 37, II.

 

Quando da realização de auditoria a Diretoria Técnica apontou como irregular a contratação do Sr. Dilson Rocha, o qual prestava serviços de digitação e confecção da folha de pagamento do município, apresentando nota fiscal de prestação de serviços, sem qualquer formalização do ato contratual. Apontou a Diretoria que tal fato caracteriza burla ao concurso público, uma vez que os serviços eram de natureza contínua, necessária para o bom andamento do serviço público, uma vez que “a demanda dos serviços do Departamento de Recursos Humanos requer um servidor com conhecimentos em informática e digitação” (fl. 630 dos autos TCE 04/03407834).

Durante a instrução, o Responsável reconheceu que tal situação efetivamente ocorreu.

Nas razões recursais não há menção à este aspecto da decisão, de forma que não houve recurso expresso quanto ao item 6.2.5 do acórdão recorrido, motivo pelo qual não há razões para alteração da decisão neste ponto.

 

2.3.6. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da ausência de ficha de controle de horas extras prestadas, evidenciando deficiência no controle interno da Unidade, em detrimento ao disposto no art. 4º da Resolução n. TC-16/94 (item 1.6 do Relatório DMU).

 

A Diretoria Técnica destacou quanto da realização de auditoria que havia ausência de ficha de controle de horas extras prestadas, fato que evidenciava deficiência no controle interno da Unidade, em detrimento ao disposto no art. 4º da Resolução n. TC-16/94.

O Recorrente argumenta que “a precariedade do sistema de controle externo não caracteriza que inexiste qualquer controle ou que houve irregularidade no seu pagamento; ele por ser deficiente, mas não inexistente, como deseja impor a instrução” (fl. 16);

Segundo o Recorrente, “não há que se falar em ‘ausência de fichas de controle de horas extras prestadas’, mas da precariedade e deficiência de ditos controles” (fl. 16).

Quanto as fichas, entende que o Recorrente que “é compreensível a substituição de fichas por outra forma de ‘certificação’, visto que se trata de servidores em atividades de campo (...) e de pessoas em busca de tratamento fora do domicílio, o que inviabiliza o registro mecânico no ponto” (fl. 16).

Destacou o Recorrente que os motoristas de transporte escolar e de transporte de pacientes iniciam ou concluem seus serviços antes ou além do horário normal de expediente, caso contrário alunos ou pacientes não chegariam no horário previsto para início das aulas ou para a realização de consultas e/ou exames em cidades distantes.

No que tange a materialidade, apontou o Recorrente que os documentos juntados às fls. 753-755 dos autos TCE 04/03407834 não são suficientes para a caracterização da infração noticiada, pois entende que “o fato de uma Unidade interna controlando o número de horas extras realizadas, e a liquidação da despesa não caracteriza que a ficha de controle de horas extras prestadas a que se refere a Instrução, seja melhor  e mais eficiente em relação ao controle então existente naquela oportunidade” (fl. 17).

A questão de centro cinge-se ao modo pelo qual deveria o gestor comprovar a realização dos serviços em horas extraordinárias, uma vez que a Unidade utilizava-se de planilha elaborada pelo servidor responsável pelo controle de cada setor interessado no pagamento das verbas remuneratórias.

Para a Diretoria Técnica não basta esta planilha, pois segundo entendimento firmando nos autos TCE “independentemente das atividades desenvolvidas pelos servidores municipais, a ausência da folha de ponto devidamente e assinada pelo próprio servidor, ou ainda, quando possível, de cartão-ponto das horas extras efetivamente prestadas evidenciam deficiência no controle interno da Unidade” (fl. 777 dos autos TCE 04/03407834).

Como fundamento para a restrição alegou a Diretoria Técnica a violação ao disposto no art. 4º da Resolução TC nº 16/94, que orienta no sentido de que “a ação fiscalizadora do Tribunal levará em conta o grau de confiabilidade do sistema de controle interno, considerando a estrutura organizacional e o nível de segmentos administrativos e financeiros informatizados na unidade gestora”.

Como se vê, o dispositivo não serve para fundamentar a restrição apontada pela Diretoria Técnica. Para fins de imposição de penalidade exige a Lei Complementar Estadual n. 202/2000 que reste caracterizada uma grave violação à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, conforme disposto no art. 69 c/c os artigos 21, parágrafo único e 18, alínea “b”.

Não há elementos suficientes para considerar os pagamentos realizados com base em anotações feitas pelos servidores públicos responsáveis como ilegais.

Qual a razão pela qual a Diretoria Técnica entendeu que o sistema de controle interno adotado pelo Município não era confiável? O fato de haver pagamentos que se utilizaram de relatórios preparados pelas áreas interessadas (Secretarias municipais de Saúde e de Obras).

Será que foram constatados alguns pagamentos que não estivessem de acordo com os serviços prestados? Não houve investigação nesse sentido, pois o relatório é omisso quanto aos pagamentos irregulares por serviços não prestados.

Definitivamente, a Diretoria Técnica não trouxe nenhum elemento que justifique a desconfiança apontada no sistema de controle interno. Dizer que os pagamentos deveriam ocorrer somente diante de cartão-ponto ou ficha assinada pelo servidor, ainda que seja recomendado, não é suficiente para caracterizar como ilegal a forma adotada, tampouco para considerar como suficientemente grave ao ponto de justificar a imposição de penalidade pelo Tribunal de Contas.

O tratamento jurídico acerca das horas extraordinárias está previsto nos artigos 41, inc. VI e 48 da Lei Complementar Municipal n. 45/2003 nos seguintes termos:

 

Art. 41 - Além do vencimento e das vantagens previstas nesta Lei, serão deferidos aos servidores as seguintes gratificações e adicionais: 

 

VI - o adicional pela prestação de serviço extraordinário; 

 

Art. 48. O adicional pela prestação de serviço extraordinário será pago por hora de trabalho que exceda o período normal de expediente, acrescido de 50% (cinqüenta por cento) da hora normal de trabalho, nos dias normais e de 100% (cem por cento) nos feriados e domingos. 


§ 1º. O valor da hora normal de trabalho será determinado com base na remuneração do servidor. 


§ 2º. Somente será permitido serviço extraordinário para atender a situações excepcionais e temporais, conforme dispuser o regulamento. 


§ 3º. Os servidores poderão ter jornada de trabalho especial de prorrogação e/ou compensação de horas de trabalho, desde que observado o máximo de 10 (dez) horas diárias, a folga dominical e o limite de horas mensais. 


§ 4º - As horas trabalhadas em regime de compensação não serão consideradas como extraordinárias.



Como visto a norma legal acima mencionada não disciplinou a forma pelo qual deveria ser reconhecido o direito do servidor à percepção do valor correspondente às horas extraordinárias. Dispõe o § 2º do art. 48 da Lei Complementar Municipal n. 45/2003 que as situações excepcionais e temporais seriam previstas em regulamento.

Em consulta realizada no dia 14/06/2011 ao sítio da internet da Prefeitura Municipal de Otacílio Costa (www.otaciliocosta.sc.gov.br) não foi possível localizar o regulamento.

Por sua vez, a Diretoria Técnica também não trouxe aos autos informação sobre a existência e/ou sobre a disciplina regulamentar acerca das horas extraordinárias.

Contudo, a ausência desse regulamento não afasta o direito do servidor em perceber a verba remuneratória. Trata-se de norma de eficácia limitada ou reduzida, a qual possui ampla extensão até que venha o regulamento a reduzir o seu campo de atuação.

A forma pela qual será feita o controle é questão de ordem interna na Administração a qual compete ao gestor público disciplinar no seu poder discricionário. Assim, não há como manter a restrição sob a alegação de que o controle feito pelo município não era confiável, principalmente pelo fato de que não foi trazido aos autos nenhum elemento que justificasse essa conclusão.

Assim, diante do exposto, opina-se pelo cancelamento da penalidade imposta pelo item 6.2.6 do acórdão recorrido.

 

2.3.7. R$ 400,00 (quatrocentos reais), pelo pagamento de horas extras a servidor ocupante de cargo comissionado, em desacordo com os arts. 6º e 7º da Lei n. 495, de 23 de março de 1990, que dispõe sobre o quadro de pessoal da administração do Município de Otacílio.

 

Anotou a Diretoria Técnica que houve irregularidade administrativa em virtude de ter sido autorizado o pagamento de horas extras a servidor ocupante de cargo comissionado, em desacordo com os arts. 6º e 7º da Lei n. 495, de 23 de março de 1990, que dispõe sobre o quadro de pessoal da administração do Município de Otacílio Costa.

Reza os arts. 6º e 7º da Lei Municipal n. 495/90 que:

 

Art. 6º - Os Empregos em Comissão regidos pelo critério de confiança são de livre nomeação e exoneração do Chefe do Poder Executivo. 

Art. 7º - Ficam alteradas as respectivas denominações e valores dos Empregos em Comissão, conforme anexos V, VI e VII, partes integrantes desta Lei. 

 

Apontou a Diretoria Técnica que houve o pagamento de horas extras ao servidor Getúlio Macedo Michielin, assessor de imprensa, cargo de provimento em comissão, o que seria indevido em vista da natureza das funções exercidas pelo comissionado. Trouxe a opinião doutrinária  e o Prejulgado desta Corte de Contas n. 275 para subsidiar sua posição.

O Recorrente em suas razões recursais aduziu que efetivamente houve o pagamento indicado pela Diretoria Técnica, contudo, rechaça a alegação de irregularidade, uma vez que não há norma legal que impeça o pagamento de horas extraordinárias aos comissionados, ao menos no município de Otacílio Costa.

Em primeiro lugar, cabe mencionar que a Lei n. 495/90 foi revogada pelo art. 32 da Lei Complementar Municipal n. 44/2003, que dispõe sobre o Plano de Carreira dos servidores públicos municipais do município de Otacílio Costa e estabelece outras providências.

Em segundo momento, cabe esclarecer que os dispositivos mencionados pela Diretoria Técnica, ainda que vigentes, não sustentariam a restrição apontada, uma vez que o fato de os Comissonado ainda que regidos pelo critério de confiança não impedem a percepção de horas extraordinárias, como pretendeu indicar.  Por sua vez, o art. 7º da Lei n. 495/90 indicado pela instrução é complemente alheia ao caso sob exame, não havendo nenhuma pertinência.

Outra questão que merece destaque é o fato de que a instrução destacou apenas a primeira parte do Prejulgado n. 275 desta Corte de Contas, destacando a ideia da vedação ao pagamento de horas extraordinárias, porém, deixou de consignar a segunda parte onde restou afirmado que “ao município é facultado, frente a sua autonomia, estabelecer a forma de remunerar seus servidores, sempre em conformidade com autorização legislativa específica”.

Logo, é de se concluir que cabe ao Município, como ente político e autônomo que é em nosso regime Federativo (art. 1º da Constituição Federal de 1988) disciplinar a forma de remunerar seus servidores públicos, sejam providos em caráter efetivo ou comissionado.

E ao assim fazê-lo, o Município de Otacílio Costa expressamente fez consignar a possibilidade de se remunerar as horas extraordinárias prestadas pelos servidores públicos ocupantes de cargos comissionados.

De fato, reza o art. 2º em seus incs. I e II da Lei Complementar Municipal n. 45/2003 que:

 

Para efeito deste Estatuto servidor público é a pessoa legalmente investida em cargo público”.

 

            Por sua vez,

 

“Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas a um servidor, criado por lei, em número certo, com denominação própria e pago pelos cofres públicos para provimento em caráter efetivo ou em comissão”.

 

Como visto, o regime jurídico dos servidores públicos municipais estabelece que servidor público é todo aquele investido em cargo público, de provimento efetivo ou em comissão.

Por sua vez, dispõe o art. 41, inc. VI do mesmo estatuto que além do vencimento e das vantagens previstas nesta Lei, serão deferidos aos servidores o adicional pela prestação de serviço extraordinário.

Veja-se que o legislador municipal não estabeleceu distinção entre a natureza definitiva ou provisória da nomeação ao cargo para fins de remuneração acerca do adicional ora examinado. E ao não fazê-lo, não cabe ao intérprete e aplicador da lei fazê-lo.

Note-se que o legislador municipal quando pretendeu conferir tratamento jurídico distinto aos comissionados o fez expressamente, como, por exemplo, no § 2º do art. 62 ao dispor que as licenças previstas nos incisos IV (para o serviço militar), V (para atividade política ou desempenho de mandato classista ) e VI (para tratar de interesses particulares ) não se aplicam ao servidor cujo vínculo com o Município decorrer apenas do exercício de cargo em comissão. 

Ademais, tanto a opinião da Diretoria Técnica, quanto à do Prejulgado n. 275 desta Corte de Contas foram expostas com base na opinio doctorum (doutrina), não na legislação municipal ora examinada.

No caso concreto, fundou-se a Diretoria Técnica no entendimento apresentado pela professora Lúcia do Valle Figueiredo, a qual se baseou em norma legal prevista na Lei n. 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União).

Ocorre que as normas jurídicas que disciplinam a matéria são diversas, principalmente ante a autonomia dos entes federados para disciplinar a matéria. Ademais, não há norma constitucional que vede o pagamento de horas extraordinárias aos ocupantes de cargos comissionados, de forma que há que respeitar a legislação municipal que não veda esse pagamento, pelo contrário, deixa claramente aberta a possibilidade de realizar o pagamento do adicional previsto no art. 48, inc. VI da Lei Complementar Municipal n. 45/2003 aos comissionados, eis que integrantes da categoria “servidores públicos”.

Diante do exposto, opina-se pelo cancelamento da penalidade imposta pelo item 6.2.7 do acórdão recorrido.

 

2.3.8. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em virtude da concessão de adicional de insalubridade, sem amparo em lei específica regulamentadora do percentual e dos critérios de concessão, conforme exigência do art. 47 da Lei n. 45, de 20.06.2003 (Estatuto dos Servidores Públicos de Otacílio Costa), representando despesas no montante de R$ 116.551,34 (item 1.10 do Relatório DMU);

 

Apontou-se como irregular a concessão de adicional de insalubridade sem amparo em lei específica regulamentadora do percentual e dos critérios de concessão, conforme exigência do art. 47 da Lei n. 45, de 20.06.2003 (Estatuto dos Servidores Públicos de Otacílio Costa).

Em suas razões recursais argumentou o Recorrente que a Diretoria Técnica considerou regular os pagamentos feitos com base no Levantamento Ambiental de Insalubridade (fls. 444-532), firmado pelo engenheiro inscrito no CREA/SC sob. Nº. 25.748-8, de modo que somente os pagamentos realizados para atividades não incluídas no citado levantamento seriam irregulares, o que totalizaria R$ 25.818,68 (vinte e cinco mil, oitocentos e dezoito reais e sessenta e oito centavos). Entende o Recorrente que ao assim considerar a Unidade Técnica não há razão para se considerar irregular os pagamentos por falta de amparo legal e definição de critérios para concessão, consoante fixou estabelecido no item 6.2.8 do acórdão recorrido.

O inc. XXIII do art. 7º da Constituição Federal de 1988 prevê como direito dos trabalhadores urbanos e rurais o recebimento de adicional de remuneração para o fim mencionado.

Não se negue o direito constitucional à percepção de adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, mas atente-se para a forma prevista em lei.

Entretanto, por si só, este direito não é estendido aos servidores públicos, pois o § 3º do art. 39 da Carta Política de 1988 não determina a sua aplicação aos servidores públicos.

Ainda que assim a Constituição Federal não a preveja como garantia mínima de direitos aos servidores públicos, o fato é que não é vedado o legislador infraconstitucional estender este adicional de remuneração aos servidores públicos. Mas em qualquer caso, a percepção terá que obedecer à forma prevista em lei.

É de se verificar que a norma constitucional inserida no inc. XXIII do art. 7º da Constituição Federal de 1988 possui eficácia, de modo a irradiar seus efeitos jurídicos, contudo, há que se destacar, segundo as palavras do professor José Afonso da Silva, “é que a eficácia de certas normas constitucionais não se manifesta na plenitude dos efeitos jurídicos pretendidos pelo constituinte enquanto não se emitir uma normação jurídica ordinária ou complementar executória, prevista ou requerida”[2].

Assim, o disposto no inc. XXIII do art. 7º da Carta Constitucional de 1988, segundo o mencionado professor José Afonso da Silva, se refere a norma constitucional de eficácia limitada ou reduzida[3], onde não se verifica a produção de todos os seus efeitos essenciais com a simples entrada em vigor, uma vez que “o legislador constitucional, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado”[4].

O legislador ordinário municipal por sua vez, fez publicar a Lei Complementar municipal n. 45/2003, que estabelece o Estatuto Jurídico dos Servidores Públicos do Município de Otacílio Costa, onde, em seu art. 41, inc. V estabeleceu genericamente a previsão do direito a percepção do adicional aos servidores municipais que atuem, habitualmente, em condições penosas, insalubres ou perigosas, cujo adicional será de até 50% incidente sobre o vencimento do cargo efetivo, conforme regulamentação a ser feita por ato do Poder Executivo Municipal.

 

Art. 41 - Além do vencimento e das vantagens previstas nesta Lei, serão deferidos aos servidores as seguintes gratificações e adicionais: 

 

V - o adicional pelo exercício de atividades em condições penosas, insalubres ou perigosas.

 

(...).

 

Art. 47. O servidor que realizar atividades em condições penosas, insalubres ou perigosas faz jus a um adicional mensal, regulamentado em lei específica. 

 

§ 1º. Os adicionais não são acumuláveis, devendo o servidor optar por um deles. 

 

§ 2º. O direito ao adicional previsto neste artigo cessa quando deixar o servidor de realizar a atividade ou com a eliminação das condições ou risco a que deram motivo a sua concessão. 

 

No caso, verifica-se que não havia norma regulamentar a dar concretude à norma posta no art. 47 da Lei Complementar municipal n. 45/2003. Esta lei somente veio ao mundo jurídico por intermédio da Lei Complementar municipal nº 71/2005.

Pelo que se extrai dos autos, os pagamentos foram autorizados com base em Laudo Técnico para fins de demonstração de que atividades prestadas em locais insalubres, perigosos ou penosas.

Ante a omissão do legislativo municipal em regulamentar o art. 47 da Lei Complementar municipal n. 45/32003, tese que admitimos ad argumentandum tantum, tem-se que a norma insculpida na CLT poderia ser acolhida por aplicação analógica, ante o previsto no art. 4º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (LICC) e com atenção ao princípio fundante da República, a saber, a proteção à dignidade da pessoa humana, principalmente quando se está a recompensar os prejuízos pessoais a que está exposto no desempenho de determinadas atividades laborais.

Partindo dessa premissa, está a se exigir a realização de Exame Técnico no local para prestação dos serviços nas condições prejudiciais à saúde indicados no art. 7º, inc. XXIII e 47 da LCM n. 45/2003.

Nesse sentido, o comando inserido no art. 195 da CLT, com a redação dada pela Lei n. 6.514/77 assim reza:

‘Art. 195. A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho.

 

Na Orientação Jurisprudencial nº 278 do Tribunal Superior do Trabalho, por exemplo, consta que “a realização de perícia é obrigatória para a verificação de insalubridade”.

No caso não se pode alegar que o pagamento espontâneo supre a necessidade de perícia técnica para os fins do art. 195 da CLT, uma vez que não possui o administrador público discricionariedade para esse mister, uma vez que encontra-se jungido aos preceitos de legalidade e impessoalidade no trato da res publica, alçados a princípios constitucionais inafastáveis na condução das competências lhe outorgadas pela legislação de referência. Nesse sentido, afasta-se de pronto a aplicação da tese carreada na Orientação Jurisprudencial n. 406 do TST.

Entretanto, considerando que a ausência de norma legal específica não deve inviabilizava o reconhecimento do direito reconhecido pela Constituição Federal e assegurado pela Lei Complementar municipal n. 45/2003 aos servidores públicos municipais, e considerando que houve a realização de perícia técnica, tais fatos se apresentam como aptos a assegurar o reconhecimento do direito dos servidores beneficiados com os pagamentos autorizados pelo Recorrente. 

Contudo, há que se destacar que a Diretoria Técnica apontou que houve pagamentos para situações que não estavam previstas no Levantamento Ambiental de Insalubridade, fato esse mencionado pelo próprio Recorrente (fls. 20).

Nesse sentido, esses pagamentos que redundaram em despesas na ordem de R$ 25.818,68 (vinte e cinco mil, oitocentos e dezoito reais e sessenta e oito centavos) foram realizados ao arrepio das normas aplicadas por analogia (art. 195 da CLT) e ao largo da análise técnica elaborada pelo engenheiro do trabalho, de modo que permanece a restrição nesse aspecto, uma vez que esses pagamentos foram realizados em desconformidade com o disposto no art. 47 da Lei Complementar municipal n. 45/2003, pois além de não se atender à legislação análoga (art. 195 da CLT), igualmente foram autorizadas em amparo em lei específica municipal, uma vez que esta somente veio a ser estabelecida pelo legislador no ano de 2005, posteriormente, portanto, aos pagamentos.

No que se refere à materialidade e a autoria os documentos juntados as fls. 253 usque 443 dos autos TCE 04/03407834 demonstram os pagamentos realizados aos servidores.

Nesse sentido, opina-se pela manutenção da penalidade imposta pelo item 6.2.8 do acórdão recorrido, com a ressalva de que as despesas irregulares ficam restritas aos pagamentos em situações desconformes ao Levantamento Ambiental de Insalubridade NR 15 – Portaria n. 3214/78 apontadas pela Diretoria Técnica na ordem de R$ 25.818,68 (vinte e cinco mil, oitocentos e dezoito reais e sessenta e oito centavos).

 

 2.3.9. R$ 400,00 (quatrocentos reais), devido ao pagamento de horas extras efetuado com habitualidade, praticamente em todos os meses, de forma fixa, configurando remuneração indireta e descaracterizando o caráter extraordinário desta prestação pecuniária, em desacordo com o art. 48, § 2º, da Lei Complementar n. 45/03 e a Lei (federal) 4.320/64, art. 63, § 2º, III.

 

Informou a Diretoria Técnica que o pagamento de horas extras era efetuado com habitualidade, praticamente em todos os meses, de forma fixa, configurando remuneração indireta e descaracterizando o caráter extraordinário desta prestação pecuniária, em desacordo com o art. 48, § 2º, da Lei Complementar n. 45/03 e a Lei (federal) 4.320/64, art. 63, § 2º, III.

Iniciou o Recorrente aduzindo que não cabe ao Tribunal de Contas emitir juízo de valor sobre procedimentos que o Administrador deve tomar, e nem firmar orientação de como se deve administrar o município em seus relatórios de inspeção.

Contudo, no que toca à recomendação exarada à fls. 26 do Relatório n. 738/2006 destacou o Recorrente que a sua implantação na prática administrativa é difícil e inimaginável, face as características dos serviços prestados pelos motoristas, principalmente os de ambulâncias que realizam os transporte de pacientes para Tratamento Fora do Domicílio (TFD).

No que tange ao mérito, destacou o Recorrente que em verdade o pagamento de horas extraordinárias em situação mais duradora atingiu apenas 3% do total dos servidores em razão das características dos serviços prestados. Informou que não há intenção de estabelecer uma forma de remuneração indireta para os servidores beneficiados, mas apenas pagar pelos serviços efetivamente prestados pois tratava-se de serviços que não se limitavam à jornada de trabalho normal na repartição. Para exemplificar, destacou a situação do médico veterinário e dos motoristas de transporte escolar e de ambulâncias (fls. 32).

No que toca aos motoristas, ponderou o Recorrente que “estes servidores não iniciam e nem terminam a sua jornada de trabalho de acordo com o horário de expediente das repartições. Os motoristas do transporte escolar iniciam sua jornada antes do clarear do dia, para fazer o transporte dos alunos do interior para a sede, e só encerram a sua jornada quando retornam após ter deixado o último aluno no destino” (fl. 32). Já quanto aos motoristas de ambulância, prossegue o Recorrente, estes “partem de madrugada para chegar ao seu destino nas primeiras horas do dia, e na maioria das vezes só retornam ao final do dia, enfrentando um longo caminho de volta, para no dia seguinte fazer tudo igual” (fl. 32). Em sua conclusão, o Recorrente aduziu que “se estes profissionais cumprissem o horário dos expedientes da repartição, jamais os alunos residentes fora da sede estariam as 07h45min nas salas de aula, e nem os pacientes em tratamento fora do domicílio chegariam aos seus destinos nas primeiras horas do dia” (fl. 32).

Verifica-se que a média anual de servidores no Município que perceberam horas extraordinárias foi de 29,28%, ou seja, quase 30% dos servidores perceberam valores a título de horas extraordinárias ao longo do ano de 2003, conforme demonstrativo abaixo, produzido com base nos documentos de fls. 534-545 dos autos do processo TCE 04/03407834.

 

Mês/2003

Quant. Func.

Quant. Func. HE 50%

Quant. Func.  HE 100%

% HE 50%

% HE 100%

% HE Geral

Jan

392

30

25

7,65%

6,38%

14,03%

Fev

414

72

35

17,39%

8,45%

25,85%

Mar

415

96

23

23,13%

5,54%

28,67%

Abr

415

99

43

23,86%

10,36%

34,22%

Mai

413

110

89

26,63%

21,55%

48,18%

Jun

417

77

56

18,47%

13,43%

31,89%

Jul

418

70

19

16,75%

4,55%

21,29%

Ago

417

48

11

11,51%

2,64%

14,15%

Set

425

67

41

15,76%

9,65%

25,41%

Out

426

85

53

19,95%

12,44%

32,39%

Nov

423

95

65

22,46%

15,37%

37,83%

Dez

422

93

61

22,04%

14,45%

36,49%

Média Anual

416

79

43

18,85%

10,43%

29,28%

 

Graficamente, pode-se perceber que há uma uniformidade nos pagamentos de horas extraordinárias. Por exemplo, já um crescente aumento no número de servidores beneficiados nos meses de janeiro a maio, com um decréscimo nos meses de junho a agosto, e um novo crescimento nos meses de setembro a novembro de 2003, conforme se pode observa abaixo.

 

 

 

 

Desses servidores que perceberam horas extraordinárias a Diretoria Técnica constatou que 17 servidores, percebiam verbas de modo habitual, sendo eles carpinteiro, médico veterinário, operador de equipamento II, almoxarife, motorista, auxiliar administrativo, guarda e auxiliar de serviços gerais (fls. 778/779 dos autos TCE 04/03407834).

Esse quantitativo equivale a média anual de 4,08% do total de servidores (17 de 416), percentual o qual se considera insuficiente para o fim de caracterização da intenção de burlar o sistema remuneratório estabelecido por lei aos servidores públicos do Município de Otacílio Costa.

Ainda que seja questionável os pagamentos feitos em relação aos cargos de carpinteiro, auxiliar administrativo e auxiliar de serviços gerais de forma habitual, os quais via de regra devem atender aos horários de funcionamento normal, verifica-se que não há provas de que tais serviços não foram efetivamente prestados. Ademais, para fins de controle de regularidade, tem-se que considerar que houve a manifestação de um servidor público o qual foi designado internamente para realizar o controle e registrar as horas prestadas pelos demais servidores. Não havendo indícios fortes que demonstrem que os registros não sejam verdadeiros, não há razão para se imputar responsabilidade ao ex-gestor, ora Recorrente.

No que tange aos demais cargos, é plausível que estes servidores desempenhem suas funções em carga horária superior ao estabelecido em lei para os seus cargos, principalmente os motoristas que atuam no transporte de alunos em horários diversos daqueles que a lei ou o regulamento estabelece para a sua jornada de trabalho.

Destaca-se que não fez prova a Diretoria Técnica da carga horária de cada cargo, tampouco trouxe elementos que servissem de fundamento para se desconsiderar os valores registrados no controle interno. Salvo prova em contrário, há que se considerar como corretos estes registros.

Contudo, o que se pode extrair das razões que levaram o Tribunal Pleno a considerar irregular não foi diretamente a deficiência no controle interno, tampouco em relação à correção ou não dos registros efetuados, mas sim o fato de que os 17 servidores estavam sendo remunerados com horas extraordinárias em caráter habitual.

Afinal, em determinadas situações excepcionais, é possível o pagamento de horas extras habituais?

Em primeiro lugar, cabe ressaltar que a partir do ano de 2005, com a entrada em vigor das Leis Complementares do Município de Otacílio Costa nºs 74 e 76 foi vedada à percepção cumulativa da gratificação de antecipação e/ ou prorrogação da jornada de trabalho - GAP com a remuneração de horas extraordinárias aos motoristas de transporte escolar e aos motoristas de ambulâncias.

Contudo, no ano de 2003 não havia previsão semelhante e pelo que destacou o Recorrente, corroborado com os registros efetuados no setor competente do município aos quais serviram de base para a liquidação das despesas, os serviços prestados em sobretempo à jornada normal do servidor deveriam ser remunerados, a teor do disposto no art. 41, inc. VI da Lei Complementar n. 45/2003.

Parece evidente que os serviços de transporte escolar e os de pacientes para tratamento fora do domicílio iniciam-se e/ou encerram-se, no mais das vezes, em períodos diversos daqueles aos quais estão submetidos os demais servidores públicos, o que em tese justifica se considerar como superiores às 6(seis) ou 8 (oito) horas diárias as quais estão submetidos os demais servidores públicos.

Não se alegue que resta impossível se verificar o tempo despendido pelo servidor motorista em seus deslocamentos, haja vista que pela administração é conhecida a rota utilizada e o tempo médio gasto nessas viagens, ademais, igualmente é possível verificar o tempo de partida e chegada mediante a verificação do registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo, conhecido por tacógrafo, cuja instalação nos veículos de transporte escolar e em determinados veículos de transporte de pessoas para tratamento ambulatorial, são obrigatórios por regulamentação do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN para os veículos de transporte  e condução de escolares, nos de transporte de passageiros com mais de dez lugares e nos de carga com capacidade máxima de tração superior a 19 toneladas[5].

Para os fins de controle de jornada, observa-se que o art. 2º da Resolução n. 92/99 do CONTRAN prevê que o registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo deverá apresentar e disponibilizar a qualquer momento, pelo menos, as seguintes informações das últimas vinte e quatro horas de operação do veículo:

         I. velocidades desenvolvidas;

         II. distância percorrida pelo veículo;

         III. tempo de movimentação do veículo e suas interrupções;

         IV. data e hora de início da operação;

         V. identificação do veículo;

         VI. identificação dos condutores;

         VII. identificação de abertura do compartimento que contém o disco ou de emissão da fita diagrama.

 

Reza o parágrafo único do art. 2º da Resolução n. 92/99 que para a apuração dos períodos de trabalho e de repouso diário dos condutores, a autoridade competente utilizará as informações previstas nos incisos III, IV, V e VI acima indicados.

Portanto, possível se apresenta verificar os eventuais sobretempos nos deslocamentos fora do horário normal da jornada de trabalho.

Assim, não é demais supor que os servidores que atuam nesse segmento da atividade administrativa possam, de fato, encontrar-se em situação que caracterize a habitualidade na execução de serviços que extrapolem a jornada de trabalho normal. A realidade local é que irá conferir e confirmar esta situação ou não.

Cabe esclarecer que não se pretender ver aplicado o reconhecimento legal do direito à percepção ao adicional de horas extraordinárias, uma vez que o mesmo já encontra previsão no art. 41, inc. VI da Lei Complementar municipal n. 45/2003, até porque esta Corte de Contas já se manifestou por meio do Prejulgado n. 1299 que não caberia aplicar as regras da CLT, eis que os servidores públicos são regidos por outro regime jurídico. Cabe ressaltar que o art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010), dispõe que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. No caso, há uma omissão da lei (sentido amplo), uma vez que não trouxe regulamentação completa para a concessão de um direito reconhecimento pela lei complementar municipal.

Entretanto, a situação aqui verificada é acerca do reconhecimento de hipóteses em que se poderia autorizar o pagamento de horas extraordinárias, haja vista que se trata de um direito do servidor expressamente consignado no estatuto jurídico do servidor público do município de Otacílio Costa, o qual caberia ao regulamento infralegal disciplinar as hipóteses nos termos do § 2º do art. 48 da Lei Complementar n. 45/2003. Nesta situação excepcional e restrita, é que se busca nas normas da CLT, regramento para fins de aplicação analógica.

No sentir da disciplina encartada na CLT pode-se observar que o pagamento habitual das horas extraordinárias não encontra vedação absoluta, haja vista que a sua percepção ao longo de pelo menos um ano junto ao mesmo empregador confere ao trabalhador uma série de vantagens (Súmula TST 291), tais como a incorporação desse valor na remuneração do empregado para fins de indenização por antiguidade (Súmula TST 24), da gratificação natalina (Súmula TST 45), aviso prévio (Súmula TST 94 e art. 487, § 5º do CLT), repouso semanal remunerado (Súmula TST 172).

Ainda que não se aplique estas disposições na sua integralidade aos servidores públicos por estarem submetidos a regime jurídico estatutário, há que se destacar que a habitualidade no pagamento de horas extraordinárias não se apresenta de todo proibida, uma vez atendidas as hipóteses previstas em lei.

Dispõe a CLT que “a duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho”, segundo previsão expressa no art. 59 caput.

Não parece ser esta a hipótese dos casos mencionados pela Diretoria Técnica, uma vez que não há acordo individual ou coletivo para disciplinar os serviços em sobretempo. Entretanto, há outra previsão da CLT que trata das horas extraordinárias. Assim, o art. 61 da CLT dispõe que ocorrendo necessidade imperiosa a) para fazer face a motivo de força maior, ou b) para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis, ou ainda, para c) atender a situações cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto às partes, poderá a duração da jornada de trabalho exceder o limite legal ou convencional.

Aqui, extrai-se, por analogia, o fundamento para o pagamento de horas extraordinárias em relação aos principais serviços indicados pela Diretoria Técnica, principalmente médico veterinário e motorista de transportes escolares e/ou de pacientes, principalmente quando os serviços precisavam ser antecipados e/ou prorrogados para atendimento às demandas sociais que se manifestavam na municipalidade.

É certo que para fins de pagamento das horas extraordinárias não se leve em consideração, de forma absoluta, esse critério, eis que se deve considerar a jornada de trabalho de cada servidor que fizer jus à percepção do adicional.  Entretanto, não fez prova a Diretoria Técnica que os pagamentos foram irregulares sob o ponto de vista da não execução dos serviços, eis que se limitou a aduzir que os pagamentos eram habituais.

Assim, considerando que os serviços indicados pela Diretoria Técnica em sua maioria podem ser enquadrados como serviço que necessite, de fato, de antecipação ou prorrogação jornada de trabalho, opina-se, com base nos apontamentos acima expostos, pelo cancelamento da penalidade imposta no item 6.2.9 do acórdão recorrido.

 

 2.3.10. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em razão da concessão de adicional de insalubridade, sem amparo em Levantamento Ambiental de Insalubridade NR-15 Portaria 3.214/78, realizado na Prefeitura Municipal de Otacílio Costa, em desacordo com o disposto no art. 47, §§ 1º e 2º, da Lei Complementar n. 45/03.

 

A irregularidade indicada no item 6.2.10 do acórdão recorrido encontra previsão no item 6.2.8 acima analisado, de modo que a sua manutenção acarreta bis in idem, ou seja, dupla penalização pelo mesmo fato, o que além não se apresenta possível ante o princípio de direito o qual indica que ninguém pode sofrer duas penas em face do mesmo ato.

Nesse sentido, de plano opina-se pelo cancelamento da penalidade imposta no item 6.2.10 do acórdão recorrido.

 

2.3.11. R$ 400,00 (quatrocentos reais), pelo pagamento de função gratificada, sem amparo em lei específica, em desacordo com o art. 44 da Lei n. 45/03.

 

Apontou a Diretoria Técnica que  com a revogação da Lei Complementar Municipal n. 02/97 o servidor Edemilson Lopes de Souza deixou de ter direito à percepção do valor correspondente à Função Gratificada a partir do mês de junho de 2003, o que totalizaria o valor de R$ 149,75 (cento e quarenta e nove reais e setenta e cinco centavos), pagos a maior (fls. 794-797).

O Recorrente argumentou que tal situação foi provocada em “razão da desatenção dos serviços da folha de pagamento, que não exclui do sistema o valor da gratificação de R$ 29,75 por mês, após a entrada em vigor da Lei Complementar n. 45, de 18 de junho de 2003” (fl. 23).

De acordo com o Recorrente “não houve da parte do Recorrente, decisão no sentido de que, uma vez extinta a Função Gratificada nos termos do art. 44 da LC nº 45/2003, mantivesse o benefício em favor do servidor” (fl. 23).

Aduziu que o processo de tomada de contas não identificou o responsável pelo lançamento irregular, uma vez que não foi o Recorrente quem deu causa ao pagamento a maior.

Assiste razão ao Recorrente, pois conforme verificado e acolhido pela instrução técnica houve a manutenção na folha de pagamento de um servidor, de valor de R$ 29,75 (vinte e nove reais e setenta e cinco centavos) a título de função gratificada a qual havia sido extinta no mês de junho.

Não há qualquer indicativo de que o Recorrente tivesse consciência desta irregularidade ao autorizar o pagamento da folha de salário, principalmente pela impossibilidade de o mesmo exercer uma prévia auditoria sobre a composição de todos os itens componentes da folha de salários.

Há o princípio da confiança entre o agente público que assina a ordem de pagamento e os servidores que atualizam as informações cadastrais de cada servidor, prepararam e fazem expedir (rodar, no jargão administrativo) a folha de pagamentos.

Não há como o Prefeito analisar caso a caso, a situação de cada servidor previamente à autorização.

Assim, não havendo consciência e vontade do gestor na prática do ato irregular, não há que se falar em responsabilidade ante a ausência de conduta dolosa. No tocante à culpa, não trouxe a Diretoria Técnica elementos que demonstrassem a sua presença. A culpa se manifesta pelas formas tradicionais da negligência, imprudência ou imperícia.

No caso, se estivéssemos diante da hipótese em que normalmente o Prefeito realiza a análise detida de todos os componentes das folhas de pagamentos, é possível que se caracterizasse falha no dever de fiscalização, por via do reconhecimento de negligência. Contudo, não é essa a conduta normal do administrador público. Este por força de lei ou regulamento delega a atribuição e responsabilidade pela elaboração da folha de pagamentos.

No caso concreto, verificou-se que a falha administrativa recaiu sobre apenas um servidor, e sobre parcela de valor reduzido, o que no mais das vezes, não desperta a atenção do gestor no momento da autorização.

Ausente a conduta dolosa, tampouco a culposa do agente, não há se faltar de tipicidade de ato administrativo irregular. A resposta do órgão de controle externo não pode ser maior que a própria nocividade intrínseca manifestada no ato irregular. O princípio da proporcionalidade impõe apenas a chamada de atenção do gestor para que medidas corretivas sejam tomadas, ante a insignificância do valor e a inexpressividade de lesividade ao erário.

Ademais não faz qualquer sentido aplicar-se uma multa de R$ 400,00 (quatrocentos reais) para uma falha na composição da folha de pagamentos a qual apresentou uma discrepância de R$ 149,75 (cento e quarenta e nove reais e setenta e cinco centavos).

Considerando-se que não há razões que permitam concluir pela intenção do gestor em beneficiar o servidor indicado pela Diretoria Técnica, tampouco de causar prejuízo ao erário, e ante a aplicação do princípio da proporcionalidade, opina-se pelo cancelamento da multa aplicada no item 6.2.11 do acórdão recorrido.

 

3. CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, a Consultoria Geral emite o presente Parecer no sentido de que o Conselheiro Julio Garcia proponha ao Egrégio Tribunal Pleno decidir por:

 

          3.1. Conhecer do Recurso de Reexame interposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, contra o Acórdão nº  1.050/2009, exarada na Sessão Ordinária de 27/07/2009, nos autos do Processo nº TCE 04/03407834, e no mérito dar provimento parcial para:

           3.1.1. Cancelar as multas aplicadas ao Responsável, Sr. Altamir José Paes, constante dos itens 6.2.6, 6.2.7, 6.2.9, 6.2.10 e 6.2.11 do Acórdão Recorrido.

                    3.1.2. Ratificar os demais termos da Deliberação Recorrida.

          3.2. Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator e do Parecer da Consultoria Geral ao Sr. Altamir José Paes e à Prefeitura Municipal de Otacílio Costa.

 

Consultoria Geral, em 16 de junho de 2011.

 

 SANDRO LUIZ NUNES

AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

De acordo:

 

 JULIANA FRITZEN

COORDENADORA

 

Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator Conselheiro Julio Garcia, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 HAMILTON HOBUS HOEMKE

CONSULTOR GERAL



[1] Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 179.

[2] Aplicabilidade das normas constitucionais. 7ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 81-82.

[3] O autor propõe a classificação das normas constitucionais em três categorias: a) normas constitucionais de eficácia plena (aplicabilidade direta, imediata e integral); b) normas constitucionais de eficácia contida (aplicabilidade direta, imediata, mas não integral) e c) normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida (aplicabilidade indireta, mediata).

[4] Op. cit., pp. 82-83.

[5] Conforme item 21, do inciso I do art. 1º da Resolução CONTRAN nº 14/98.