PROCESSO Nº:

CON-11/00406864

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de Itajaí

INTERESSADO:

Jandir Bellini

ASSUNTO:

Doação de Imóvel

PARECER Nº:

COG - 335/2011

 

Imóvel público. Doação a OAB.

Orientação do TCE no sentido de privilegiar a concessão de direito real de uso.

Possibilidade de doação a particular, desde que utilizada tão somente em caráter excepcional e sendo constatado de forma clara e precisa o interesse público pertinente.

Conhecimento da consulta em caráter excepcional.

Por se tratar de matéria com interesse geral da administração pública, o Tribunal de Contas poderá, em caráter excepcional, conhecer da consulta.

Remessa de prejulgado.

Em havendo precedente sobre o assunto objeto da consulta, deve-se remeter cópia do respectivo prejulgado ao consulente.

 

Sr. Consultora,

 

1. INTRODUÇÃO

 

Trata-se de consulta subscrita pelo Prefeito do Município de Itajaí, Senhor Jandir Bellini, por meio de expediente recepcionado nesta Corte de Contas em 12 de julho de 2011, formulada nos seguintes termos: 

Cumprimentando-o cordialmente, vimos pelo presente submeter ao crivo dessa Corte, solicitação formulada pela Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção de Itajaí, em que solicita doação pura e simples de imóvel por parte do Município para construção de sua sede.

Instada a se manifestar, a Procuradoria-Geral do Município, através da Procuradoria Especializada, proferiu o parecer n. 242/2011 opinando pela impossibilidade da doação haja vista o artigo 17, inciso I, alínea “b” da Lei n. 8.666/93 permitir doação exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública. Sugeriu a possibilidade de permuta em havendo interesse público devidamente justificado.

Ciente do parecer negativo, irresignada, a OAB juntou aos autos Parecer Jurídico, agora do seu corpo técnico, rebatendo os argumentos firmados pela Municipalidade, insistindo na possibilidade da Administração Pública Municipal doar o imóvel, caso haja interesse público, sem procedimento licitatório, equiparando a Ordem dos Advogados do Brasil a Autarquia sui generis. Cita no parecer jurídico orientação do Tribunal de Contas de Santa Catarina, bem como, jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal tratando da matéria.

Isto posto, no intuito de primar pela legalidade dos atos administrativos, solicitamos um pronunciamento dessa Corte de Contas sobre a possibilidade ou não da Doação nos termos propostos.

...

 

Juntou-se à consulta, cópia do pedido de doação de imóvel encaminhado pela OAB, subseção de Itajaí, ao Prefeito daquele município[1].

Acostou-se cópia da planta do terreno onde a OAB pretende instalar a respectiva sede[2].

Consta cópia de parecer contrário à doação, proferido pela Procuradoria Geral do Município de Itajaí[3].

A consulta é instruída ainda com parecer jurídico da OAB, subseção de Itajaí, no sentido de que a doação pleiteada é legal, inclusive com dispensa de licitação[4].

Juntou-se cópia de mais um ofício encaminhado pela OAB ao Prefeito de Itajaí, através do qual, citam-se exemplos de municípios que fizeram doação de terreno à OAB[5].

É o breve relatório.

 

2. ANÁLISE

2.1 PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE

Prefacialmente, cabe a análise das formalidades inerentes às consultas, definidas no art. 104 do Regimento Interno desta Corte de Contas (Resolução nº TC-06/2001), in verbis:

Art. 104 - A consulta deverá revestir-se das seguintes formalidades:

I - referir-se à matéria de competência do Tribunal;

II - versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese;

III - ser subscrita por autoridade competente;

IV - conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada;

V - ser instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, se existente.

Deste modo, a seguir será visto se presentes os requisitos de admissibilidade acima mencionados.

2.1.1 DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

A matéria versada na consulta, trata de tema relativo à doação de área pública, o que legitima este Tribunal a manifestar-se sobre o indagado já que se insere na fiscalização patrimonial desta Corte, superando assim, a condicionante elencada no inciso I do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001.

2.1.2 DO OBJETO

O artigo 104 da Res. TC nº 06/01, em seu inciso II, estabelece que as consultas endereçadas ao Tribunal de Contas devem versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese.

Verifica-se que a indagação apresentada, pelo Consulente requer o posicionamento deste Tribunal acerca da doação de terreno do município à Ordem dos Advogados do Brasil, subseção de Itajaí.

A dúvida não foi demonstrada em relação à doação de bem público num contexto abstrato, pelo contrário, contextualizou-se uma situação definida. Foram fornecidos elementos específicos da doação, tais como planta do terreno que se pretende doar, ofícios por parte da OAB pleiteando a gleba de terra para construção de nova sede, dentre outros que evidenciam o caso concreto

2.1.3 DA LEGITIMIDADE DO CONSULENTE

A consulta em apreço tem por subscritor o Prefeito do Município de Itajaí, quem, à luz do disposto no art. 103, II, da Resolução nº TC-06/2001, tem legitimidade, para a subscrição da peça indagativa, vencendo, destarte, o requisito constante no inciso III do art. 104 do mesmo diploma regimental.

2.1.4 DA INDICAÇÃO PRECISA DA DÚVIDA

A questão requer a posição deste Tribunal acerca da doação de bem público, indicando de forma precisa a dúvida do Consulente, atendendo ao disposto no inciso IV do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001.

2.1.5 DO PARECER DA ASSESSORIA JURÍDICA

Juntou-se parecer da Procuradoria Geral daquele município acerca do assunto, atendendo o disposto no inciso V do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001.

2.1.6 DO EXAME DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

Do exame dos pressupostos de admissibilidade indispensáveis para o conhecimento da consulta, evidencia-se a caracterização caso concreto.

Em que pese não ter sido preenchido o requisito estabelecido no inciso II do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001, por se tratar de fato e não de hipótese, entendemos que, excepcionalmente, possa ser conhecida e respondida a consulta. A proposição fundamenta-se no interesse geral da administração pública nessa matéria, qual seja, doação de bem público à entidade de classe. Desta feita, a resposta à presente consulta teria vasta abrangência, orientando os jurisdicionados.

Em pesquisa no endereço eletrônico do Tribunal de Contas da União[6], percebemos que aquela Corte de Contas responde excepcionalmente a consultas que versem sobre caso concreto, tendo em conta a importância da matéria, o interesse geral da administração pública e até mesmo por deferência a determinadas autoridades[7].

Nesse diapasão, entendemos que a consulta deve ser respondida, tendo em vista que a resposta terá aproveitamento em toda administração pública estadual e municipal.

Vencidas as preliminares de admissibilidade e enfrentando o mérito da peça indagativa, passaremos a análise da possibilidade de doação de imóvel do município à entidade de classe.

Indaga o consulente se possível a doação de imóvel daquele município à Ordem dos Advogados do Brasil.

A princípio, vejamos o que se entende por bem público e para isso, faz-se apropriada a leitura do Código Civil:

Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Quanto à alienação dos bens públicos, precisamente a doação a particulares, como se debate na presente consulta, não há proibição na prática, porém, deve ser tida como exceção. Vejamos o magistério de José dos Santos Carvalho Filho[8]:

A Administração pode fazer doação de bens públicos, mas tal possibilidade deve ser tida como excepcional e atender a interesse público cumpridamente demonstrado. Qualquer violação a tais pressupostos espelha conduta ilegal e dilapidatória do patrimônio público. Embora não haja proibição constitucional para a doação de bens públicos, a Administração deve substituí-la pela concessão de direito real de uso, instituto pelo qual não há perda patrimonial do domínio estatal.

...

São requisitos da doação de bens públicos:

a)        autorização legal;

b)        avaliação prévia; e

c)        interesse público justificado.

A licitação, levando em conta a existência de interesse social da doação, será dispensável.

 

Vejamos também o que ensina Hely Lopes Meirelles[9] sobre a matéria:

A Administração pode fazer doações de bens móveis e imóveis desafetados do uso público, e comumente o faz para incentivar construções e atividades particulares de interesse coletivo. Essas doações podem ser com ou sem encargos e em qualquer caso dependem de lei autorizadora, que estabeleça as condições para sua efetivação, de prévia avaliação do bem a ser doado e de licitação. Só excepcionalmente poder-se-á promover concorrência para doações com encargos, a fim de escolher-se o donatário que proponha cumpri-los em melhores condições para a Administração ou para a comunidade. Em toda doação com encargo é necessária a cláusula de reversão para a eventualidade do seu descumprimento.

Os bens desafetados, citados pelo autor são aqueles que não estão sendo utilizados para nenhum fim público. Citamos mais uma vez José dos Santos Carvalho Filho[10]:

Afetação e desafetação são os fatos administrativos dinâmicos que indicam a alteração das finalidades do bem público. Se o bem está afetado e passa a desafetado do fim público, ocorre a desafetação; se ao revés, um bem desativado passar a ter alguma utilização pública, poderá dizer-se que ocorreu a afetação.

Pelo que se depreende da consulta, o terreno que se pretende doar não está sendo utilizado para atividade pública alguma, donde se conclui que está desafetado do fim público. Importante asseverar, contudo, que essa situação poderia ser revertida e no momento em que o terreno passasse a ter alguma finalidade pública como utilização para serviço administrativo, construção de uma creche, escola, posto de saúde, posto policial ou até mesmo lazer da comunidade, passaria a ter afetação.

Considerando que o imóvel está desafetado, além da autorização legal e da avaliação prévia, deve-se comprovar o interesse público na doação. Nesse caso, podemos dizer que haverá interesse público tão somente se a doação resultar em benefício à população. A questão deve ser examinada com muito rigor, pois o terreno, nesta hipótese, deixará de ser de todos e passará a ser unicamente de uma entidade de classe. O interesse público é mais facilmente detectado na doação de um terreno do município para a construção de uma indústria que gerará vários empregos, além de impostos, por exemplo. Contudo, torna-se mais difícil vislumbrar o interesse público numa situação como a que está sendo apresentada pelo consulente. Todavia, não pode de antemão ser descartado o interesse público, deve-se, isto sim, buscar apurar com diligência se presente ou não no caso concreto que se apresenta à administração pública.

O município goza de autonomia para definir o interesse público da situação que se apresenta. A Constituição outorga essa autonomia aos municípios, como se vê:

Art. 18 – A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição,

...

 

Art. 30 – Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

...

 

A respeito dessa autonomia, José Afonso da Silva[11] comenta:

A autonomia municipal é assegurada pelos arts. 18, 29 e 30 da Constituição. Autonomia significa capacidade ou poder de gerir os pró­prios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior. E é a Constituição Federal que se apresenta como poder distribuidor de competências exclusivas entre as três esferas de governo. As constituições anteriores outorgavam aos Municípios o governo próprio e competências exclusivas que correspondem ao mínimo para que uma entidade territo­rial tenha autonomia político-constitucional.

6 Com a Constituição de 1988, foi-lhes reconhecido também o poder de auto-organização, ao lado do governo próprio e de competências exclusivas, ainda com ampliação destas, de sorte que a Constituição criou verdadeiramente uma nova instituição municipal no Brasil. Por outro lado, não há mais qualquer hipótese de prefeitos nomeados. Tornou-se plena, pois, a capacidade de autogoverno municipal entre nós.

7 A autonomia municipal, assim, assenta em quatro capacidades:

a) capacidade de auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria;

b) capacidade de autogoverno pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais;

c) capacidade normativa própria, ou capacidade de autolegislação, mediante a competência para a elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar;

d) capacidade de autoadministração (administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local).

Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autono­mia política (capacidades de auto-organização e de autogoverno), a auto­nomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e orga­nização dos serviços local) e a autonomia financeira (capacidade de decre­tação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma caracterís­tica da autoadministração).

 

Nesse diapasão, cada município pode através de lei efetuar doação de bem desafetado a particular, havendo avaliação prévia e desde que o ato esteja imbuído de interesse da coletividade.

 O Estatuto das Cidades[12] determina:

Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:

I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;

II – debates, audiências e consultas públicas;

III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal;

IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

Percebe-se que o interesse da coletividade deve ser respeitado e para isso há de ser possibilitada a participação do cidadão, como acima elencado.

Ainda em relação ao interesse público, cabe citar o seguinte artigo de José dos Santos Carvalho Filho e Cristiana Fortini[13]:

A Constituição de 1988, objetivando fundar o Estado Democrático de Direito, rompe com diretrizes antigas, ao desconsiderar que o interesse público revela-se de titularidade e responsabilidade exclusivamente estatal, isso porque desaparece a concepção de que a esfera pública coincide e se exaure na
esfera estatal.

Desse modo, a definição do “interesse público” deixa de caber ao agente público, como reflexo de suas eleições discricionárias, exigindo-se que tal conceito derive de uma construção consciente dos cidadãos, capazes de atuar construtivamente na confecção do referido instituto. Por isso, a participação do cidadão nas instituições representativas não se revela bastante para a concretização do princípio da soberania popular. O cidadão há de estar presente para a formação da vontade estatal, razão pela qual se impõe a ampliação dos canais de comunicação, bem como se reafirma a busca da legitimidade, conquistada a partir da procedimentalização do agir estatal.

O perfil de Administração Pública que emerge do texto constitucional difere do então conhecido, diante do caráter não verticalizado que se espera das suas ações, pautadas que passam a ser pela preocupação dialógica, para a qual há de se propiciar espaço ao particular na definição do que deva ser considerado interesse público e na sua implementação.

Tal concepção não implica a desoneração do Estado, de forma a libertá-lo do cumprimento de seus afazeres. Ao contrário, não obstante reservar espaço para a atuação privada inclusive na prestação de alguns serviços públicos, a Constituição de 1988 reforça a lista de deveres estatais, porque exige que suas ações sejam legítimas, ao atribuir ao Estado o ônus de auxiliar na criação de processos democráticos que viabilizem a consagração do respaldo popular.

Coerente com a imprescindível necessidade de resgatar o espaço para o exercício da cidadania, a Constituição de 1988 atribuiu o devido destaque à cidade e ao município, assim como ressalvou o caráter central da propriedade urbana, que deverá atender ao princípio da função social.

Sendo caracterizado o interesse público, este há de ser devidamente justificado, conforme preconiza o caput do art. 17 da Lei nº 8.666, de 21/06/1993, nos seguintes termos:

Art. 17.  A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

... (grifo acrescido)

O requisito acima é essencial para caracterizar a legalidade da doação. O Tribunal de Contas de Mato Grosso, ao responder consulta sobre a matéria, assim se pronunciou:

– A doação de bem público imóvel exige: a) desafetação, se for o caso; b) autorização em lei específica; c) tratar de interesse público devidamente justificado; d) prévia avaliação do imóvel; e) dispensada a licitação,  nas  hipóteses  previstas em  lei,  inclusive para  as  alienações  gratuitas    no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária  de  interesse social (art. 17,  inciso I,  alíneas  “b”,  “ f”  e  “h”,  da  Lei    nº 8.666/93); 2 – Os Estados, Municípios e o Distrito Federal poderão doar bens públicos a pessoa jurídica de direito privado, em razão dos efeitos da liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 927. Todavia, a doação deverá sempre atender ao interesse público, sendo vedada qualquer conduta que implique em violação aos princípios da isonomia ou igualdade, da moralidade e da impessoalidade (arts. 5º, caput, e 37, caput, ambos da Constituição Federal Brasileira); e 3 – É vedada a doação de quaisquer bens públicos, valores ou benefícios no ano eleitoral (1º de janeiro a 31 de dezembro), salvo nos casos de calamidade pública, estado de emergência ou inseridos em programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior (art. 73, parágrafo 10, da Lei nº 9.504/1997)[14].  

...

Também em sede de consulta sobre doação de bem público a particular, Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, assim se manifestou:

Partindo da autonomia organizatória, administrativa, política e financeira dos Municípios, nos termos dos art. 1º, 18 e 30, I, da Constituição Cidadã, o entendimento desse egrégio Plenário, como se depreende do que foi decidido no julgamento da Consulta 700280, relatada pelo eminente Conselheiro Moura e Castro, é no sentido de que

(...) os bens públicos, quaisquer que sejam, podem ser alienados, por meio de doação a particulares, desde que satisfeitas determinadas condições, tais como desafetação, se for o caso, autorização legislativa e, sobretudo, o reconhecimento de interesse público, pois, na Administração, não se faz o que se quer, mas apenas o autorizado em lei.

De fato, a autonomia constitucional dos Municípios, mais a dicção dos art. 99, 100 e 101 do Código Civil de 2002 são o fundamento deste entendimento, sendo certo que a regra de inalienabilidade de bens públicos imóveis por doação a particulares, constante do art. 17, I, b, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, mostra-se inconstitucional com relação aos Estados e aos Municípios, inclusive com medida cautelar nesse sentido já proferida pelo excelso Supremo Tribunal Federal, ADI 927, sendo aplicável, assim, somente à União.

Mais especificamente, na Consulta 498790, relatada pelo saudoso Conselheiro Simão Pedro, esse Plenário afirmou que

(...) os requisitos a serem observados pelo Poder Executivo Municipal, visando à efetivação de doação de bem imóvel, são os seguintes:

1- existência de interesse público justificado (art. 17, "caput" do aludido diploma legal);

2- autorização legislativa; e

3- avaliação prévia (art. 17, inciso I).

Constata-se, em princípio, que, preenchidos os requisitos acima, não haveria óbice à doação de imóvel por Município, no exercício de sua autonomia e para a efetiva implementação de políticas públicas de interesse local.

...

Como se vê, embora não haja expressa vedação para a doação de imóveis a particulares por entes públicos municipais, mediante os requisitos já reconhecidos por este Tribunal, essa espécie de alienação patrimonial não se revela a mais consentânea com o interesse público, devendo ser usada, excepcionalmente, quando inviáveis outras modalidades de alienação de direito real que melhor preservam o patrimônio público e a finalidade social da própria utilização do imóvel[15].

Como se verifica, sempre que se fala em doação de bem público, enfatiza-se a supremacia do interesse público, como requisito essencial, sobretudo se esta doação for a particular.

E no presente caso não é diferente, pois a OAB não é entidade da administração pública, nem mesmo indireta. Como supedâneo a essa assertiva citamos trechos do voto do Exmo. Min. Relator da ADI 3.026[16], citada nos autos pela própria OAB:

Ora, a OAB não é, evidenciadamente, uma entidade da Administração Indireta. Não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada.

Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exerçam função constitucionalmente privilegiada na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça, nos termos do que dispõe o artigo 133 da Constituição do Brasil. Entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados não poderia vincular-se ou subordinar-se a qualquer órgão público.

A Ordem dos Advogados do Brasil é, em verdade, entidade autônoma, porquanto autonomia e independência são características próprias dela, que, destarte, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional.

 De qualquer forma, acreditamos que seja irrelevante discutir detalhadamente essa condição por ora, pois ainda que a OAB não seja integrante da administração pública direta ou indireta, não é impedimento para a doação. Igualmente, a equiparação da OAB como autarquia sui generis, bem como a ausência de finalidade lucrativa da entidade não são relevantes neste caso.  O ponto crucial é a se discutir é o interesse público. Se no terreno doado será edificada sede seccional da OAB, deve-se asseverar quais benefícios serão prestados aos munícipes. Quanto ao centro esportivo e social, mencionado pelo presidente daquela seccional, fala-se em “integração comunitária”, mas não restou claro de que forma a população terá acesso e trata-se de ponto fundamental. Além disso, não se trata, em hipótese alguma, de entidade carente, pelo contrário, trata-se de entidade de notória expressão, com lauto número de inscritos.

Essa Corte de Contas já firmou orientação em situações semelhantes a que ora se aprecia, no sentido que numa doação de imóvel público a particular, seja utilizado o instituto da concessão de direito real de uso, de modo a coibir o uso indevido. A seguir serão colacionados os prejulgados nesse sentido:

Prejulgado 88[17]

...

A transferência de bem público para um particular poderá ser feita através da concessão de uso ou da concessão de direito real de uso, dependendo ambas as modalidades de autorização legislativa e de processo licitatório.

Prejulgado 250[18]

Reformado

 

Para promover incentivos a empresas, dentro de programa específico, visando atraí-las para que se estabeleçam no território municipal, é permitido à Administração:

- promover concessão do direito real de uso, com encargo, de imóvel para suas instalações, mediante autorização legislativa específica e justificado interesse público e ainda, fazer constar do instrumento de concessão os encargos, o prazo de seu cumprimento e a cláusula de reversão;

...

Prejulgado 969[19]

Quando os incentivos para instalações de empreendimentos nos municípios envolvem a disponibilização de bens imóveis públicos (terrenos) a particulares (pessoas físicas ou jurídicas), deve-se privilegiar o emprego do instituto da concessão do direito real de uso, por melhor resguardar o interesse e o patrimônio público, mediante lei autorizativa, onde também disponha sobre as condições da concessão, inclusive sobre o vínculo às atividades para as quais houve a concessão e prevendo a reversão do bem para o Município após o transcurso do prazo da concessão, ou quando não mais sejam atendidas as condições da concessão, devendo estar demonstrado o interesse público. Deve-se evitar a doação de imóveis públicos a particulares, por não atender aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade.

Prejulgado 1077[20]

Reformado

 

1. A concessão de incentivos econômicos para instalação ou expansão de empreendimentos nos municípios deve ser promovida com parcimônia, pois os entes públicos não poderão deixar de custear despesas eminentemente públicas (saúde, educação etc.) para atender interesses privados, e depende de autorização legislativa, previsão na lei de diretrizes orçamentárias e dotação na lei do orçamento anual para suportar as despesas correspondentes.

2. Não encontra amparo legal ou justificativa de interesse público a concessão de ajuda e auxílio financeiro a empresas privadas com fins lucrativos para investimentos na implantação ou ampliação de atividades, pois, nos termos da Lei Federal nº 4.320/64, as subvenções sociais visam, exclusivamente, atender entidades sem fins lucrativos prestadoras de serviços essenciais de assistência social, médica e educacional (art. 16), e as subvenções econômicas se destinam à cobertura de déficits de empresas (art. 12, § 3º, II, e 18), vedados auxílios para investimentos que se incorporem ao patrimônio de empresas privadas com fins lucrativos (art. 21).

3. Quando o incentivo envolver a disponibilização de bens imóveis públicos (terrenos) a particulares (pessoas físicas ou jurídicas), deve-se privilegiar o emprego do instituto da concessão do direito real de uso, por melhor resguardar o interesse e o patrimônio públicos, mediante lei autorizativa, onde também disponha sobre as condições da concessão, inclusive sobre o vínculo às atividades para as quais houve a concessão, prevendo a reversão do bem para o Município após o transcurso do prazo da concessão ou quando não mais sejam atendidas as condições da concessão, devendo estar demonstrado o interesse público, evitando-se a doação de bens imóveis públicos a particulares, por não atender aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade.

...

Prejulgado 1291[21]

O contrato de concessão de direito real de uso firmado entre o Município e particular sem as formalidades legais é nulo, operando efeitos ex tunc entre as partes. Considerando que o possuidor estava de boa-fé, cabe ao município reaver a posse direita do imóvel, indenizando o possuidor quanto a acessão (casa) e despesas decorrentes da produção dos frutos (plantação).

Na hipótese de Contrato de Concessão de Direito Real de Uso sobre terreno firmado de forma regular, havendo interesse, poderá a Administração aliená-lo, desde que faça constar do edital de concorrência que o mesmo encontra-se gravado com ônus real, situação em que transferirá para terceiro a propriedade e a posse indireta, bem como os direitos decorrentes da Concessão de Direito Real de Uso.

A venda de terreno pertencente ao Município deve ser processada de acordo com as determinações do art. 17 da Lei Federal nº 8.666/93, ou seja, interesse público devidamente justificado, avaliação, autorização legislativa e licitação na modalidade de concorrência.

 

 

 

 

Prejulgado 1344[22]

...

Quando os incentivos para instalações de empreendimentos no Município envolverem a disponibilização de bens imóveis públicos (terrenos) a particulares (pessoas físicas ou jurídicas), deve-se privilegiar o emprego do instituto da concessão do direito real de uso, para melhor resguardar o interesse e o patrimônio públicos, mediante licitação (art. 17, §2º, da Lei Federal n. 8.666/93) e prévia autorização legislativa onde também disponha sobre as condições da concessão, inclusive sobre o vínculo às atividades para as quais houve a concessão, prevendo a reversão do bem para o Município após o transcurso do prazo da concessão ou quando não mais sejam atendidas às condições da concessão, devendo estar demonstrado o interesse público. Deve-se evitar a doação de imóveis públicos a particulares, por não atender aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade.

O Município poder promover a alienação de terrenos contidos em distrito industrial municipal, como alternativa à concessão do direito real de uso, sendo necessária autorização legislativa, avaliação prévia considerando os preços de mercado e a realização de processo licitatório na modalidade de concorrência (art. 17, I, combinado com art. 23, §3º, ambos da Lei Federal nº 8.666/93), cujo edital estabelecerá as condições de participação, o preço mínimo, formas de pagamento - podendo ser parcelado como incentivo aos interessados - e os critérios objetivos de julgamento, com observância dos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade e dos princípios atinentes ao instituto da licitação, como a igualdade de tratamento entre os interessados, julgamento objetivo e outros correlatos.

Prejulgado 1552[23]

Mediante lei autorizativa, é permitida a doação ou concessão do direito real de uso de bens imóveis públicos municipais dominicais ou de uso especial, estes quando sem utilização pelo Poder Público, para entidades comunitárias sem fins lucrativos.

Prejulgado 1596[24]

Embora o Tribunal de Contas recomenda a utilização da concessão de direito real de uso como instrumento para incentivar políticas de desenvolvimento econômico e social, incluindo a atração de empreendimentos industriais e comerciais, nada impede que o Município se utilize da doação, nos termos do art. 17, I, "b", da Lei Federal nº 8.666/93, com expressa previsão em lei local, sendo que na hipótese de doação com encargo, deve o Município atentar para a regra do § 4° do mesmo artigo.

Prejulgado 1852[25]

1. Nos procedimentos a serem adotados quando da alienação de bens imóveis integrantes do patrimônio da municipalidade, deverá ser demonstrada a necessidade do ato e do efetivo interesse público, avaliação prévia dos bens e autorização legislativa específica, bem como a realização de certame licitatório nos termos do art. 17 da Lei Federal n. 8.666/93.

2.Quando o Município conceder incentivos para instalações de empreendimentos, envolvendo a disponibilização de bens imóveis públicos a particulares (pessoas físicas ou jurídicas), atendidos os princípios da igualdade e da impessoalidade, deve-se privilegiar o emprego do instituto da concessão do direito real de uso, por melhor resguardar o interesse e o patrimônio público, mediante licitação (art. 17, § 2º, da Lei Federal n. 8.666/93) e prévia autorização legislativa, que disponha sobre as condições da concessão, inclusive sobre o vínculo às atividades que justificam a concessão e prevendo a reversão do bem para o Município, após o transcurso do prazo da concessão, devendo estar demonstrado o interesse público, evitando-se a doação de bens imóveis públicos a particulares.

Prejulgado 2050[26]

1. A doação de bens imóveis públicos regula-se, em regra, pelo art. 17 da Lei (federal) n. 8.666/93, que a condiciona ao atendimento dos requisitos relativos à autorização legislativa específica, prévia avaliação, com justificado interesse público e licitação na modalidade de concorrência pública, com as exceções legalmente definidas;

2. É admissível a dispensa de licitação para fins de doação de imóvel público para particulares, à vista de justificado interesse público aferido na situação concreta, além de autorização legislativa específica e prévia avaliação, considerando Medida Liminar concedida pelo STF nos autos da ADI n. 927-3/RS, que suprimiu a restrição contida na letra "b", inciso I, do art. 17, da Lei (federal) n. 8.666/93, para Estados e Municípios;

2.1. É recomendável que a doação, nessa hipótese, seja outorgada com encargo, visando assegurar a reincorporação do imóvel ao patrimônio público se não forem cumpridas as finalidades e condições estabelecidas.

Para melhor entendimento, do último prejulgado citado, impende citar o art. 17, inciso I, alínea b da Lei nº 8.666/1993:

Art. 17.  A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i; (Redação dada pela Lei nº 11.952, de 2009)

...

 

A alínea “b” foi suspensa em razão da medida liminar concedida nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 927-3 / RS, ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos:

O Tribunal deferiu, em parte, a medida cautelar, para suspender, até a decisão final da ação, quanto aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a eficácia da expressão "permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo", contida na letra b do inciso I do art. 17, da Lei Federal n. 8.666, de 21.6.93, vencido o Ministro Paulo Brossard, que a indeferia; para suspender os efeitos da letra c do mesmo inciso, até a decisão final da ação, o Tribunal, por maioria de votos, deferiu a medida cautelar, vencidos os Ministros Relator, Ilmar Galvão, Sepúlveda Pertence e Néri da Silveira, que a indeferiam; no tocante à letra a do inciso II do mesmo artigo, o Tribunal, por maioria de votos, indeferiu a medida cautelar, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello, Sydney Sanches e Moreira Alves, que a deferiam; com relação à letra b do mesmo Inciso, o Tribunal, por unanimidade, deferiu a medida cautelar, para suspender, até a decisão final da ação, a eficácia da expressão "permitida exclusivamente entre órgãos ou entidade da Administração Pública", quanto aos Estados, o Distrito Federal e os Municípios; e, finalmente, o Tribunal, por maioria de votos, deferiu a medida cautelar, para suspender, até a decisão final da ação, a eficácia de todo o § 1º. do art. 17, vencido o Ministro Relator, que a indeferia. Votou o Presidente. Plenário, 03.11.93.

Até a presente data não há decisão final. Assim, os Municípios, os Estados e o Distrito Federal estão desobrigados da letra b do inciso I do art. 17 da Lei nº 8.666/1993, o que denota que podem fazer doação de bem público a particular, observando o caput e demais dispositivos do mesmo artigo.

Em que pese a possibilidade de doação, a posição deste Tribunal de Contas, como já dito, privilegia o uso do instituto da concessão real de uso de terrenos públicos.

O Decreto Lei nº 271/1967 assim preconiza:

Art. 7o  É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades  tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)

Hely Lopes Meirelles comenta que “Modernamente, a doação de terrenos públicos vem sendo substituída – e com vantagens – pela concessão de direito real de uso”.[27]

Na definição de José dos Santos Carvalho Filho, temos:

Concessão de direito real de uso é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público confere ao particular o direito real resolúvel de uso de terreno público ou sobre o espaço aéreo que o recobre, para os fins que, prévia e determinadamente, o justificaram.

...

Como deixamos assentado no conceito, a concessão de direito real de uso incide sobre terrenos públicos em que não existam benfeitorias ou sobre o espaço aéreo que se ergue acima da superfície. Os objetivos da concessão devem ser estritamente respeitados pelo concessionário, sob pena de reverter o uso para a Administração, que poderá firmar novo contrato para alvejar o fim específico do uso privativo.

...

A concessão de direito real de uso salvaguarda o patrimônio da Administração e evita a alienação de bens públicos, autorizada às vezes sem qualquer vantagem para ela. Além do mais o concessionário não fica livre para dar ao uso a destinação que lhe convier, mas, ao contrário, será obrigado a destiná-lo ao fim estabelecido em lei, o que mantém resguardado o interesse público que originou a concessão real de uso[28].

 

Assim, entendemos que a orientação que vem sendo firmada nesta Corte de Contas no sentido de que deve ser priorizada a concessão de direito real de uso, é a que melhor se coaduna diante da garantia que é resguardada à administração[29].

Não se descarta, contudo, a doação, ficando a critério da administração pública, avaliar a conveniência desse instituto, como já explanado alhures[30].

Sendo assim, não se faz necessária a constituição de novo prejulgado, podendo, isto sim, ser remetida ao consulente, cópia de prejulgado.

 

3. REVOGAÇÃO DE PREJULGADOS

 

O Tribunal de Contas de Santa Catarina conta com base de prejulgados que servem de orientação aos jurisdicionados. Sempre que for firmada nova interpretação ou quando os mesmos se apresentarem em descompasso com nova legislação, é imperioso que haja revogação ou alteração do mesmo.

No estudo demandado neste parecer, detectou-se a necessidade de revogação parcial de alguns prejulgados, com fulcro no art. 156 do Regimento Interno desta Casa[31], quais sejam:

Prejulgado 1228[32]

Observados os requisitos dos arts. 20 da Constituição Federal e 116 da Lei Federal nº 8.666/93 e havendo autorização legislativa pelos respectivos municípios para cessão de pessoal, é permitida a celebração de convênios entre a CASAN e municípios objetivando a cessão de servidores municipais efetivos para operação de Sistema de Abastecimento de Água destinado à distribuição nos respectivos municípios beneficiados, temporariamente e com ressarcimento pela CASAN, até esta realizar concurso e admissão de pessoal para essa finalidade, sendo vedada a cessão de servidores contratados em caráter temporário, em estágio probatório ou ocupantes de cargo em comissão.

Como incentivo à instalação de empresas no Município, é permitida a utilização do instituto da concessão do direito real de uso mediante lei autorizativa que disponha sobre as condições da concessão, prevendo o atrelamento às atividades para as quais houve a concessão, bem como a reversão do bem para o Município após o transcurso do prazo da concessão ou quando não mais sejam atendidas as condições da concessão, estando vedada a doação de bens imóveis públicos a particulares.

Mesmo havendo interesse da Administração Pública em incentivar o desenvolvimento econômico do ente da Federação que administra, é vedado o pagamento pelo Município de aluguel do imóvel no qual a empresa benificiária está estabelecida ou venha a se estabelecer, pois referida despesa não é pública e não se coaduna com os princípios da finalidade, do interesse público, da razoabilidade, da proporcionalidade e da impessoalidade.

Para apuração da Receita Corrente Líquida, relativamente à receita do FUNDEF, será considerada a diferença a maior para o Estado ou Município (retorno maior que a contribuição) ou deduzido o valor quando da diferença a menor (contribuição maior que o retorno).

Como se vê, o segundo item do prejulgado veda a doação de imóveis públicos a particulares. A orientação está desatualizada, pois a alínea b do inciso I do art. 17 da Lei nº 8.666/1993 está com aplicabilidade suspensa para os Municípios, Estados e Distrito Federal por força de medida cautelar do STF, como demonstrado acima.

 

Prejulgado 1396[33]

Reformado

 

1. Pode o Município conceder isenção tributária de IPTU e ISS para incentivar a instalação de indústrias no Município, pelo período e na forma estabelecidos em lei específica autorizativa. Contudo, para que se enquadre nas regras do art. 14 da Lei Complementar Federal nº 101/2000, a concessão de isenção tributária deverá apresentar:

a) estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes;

b) atendimento ao disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias;

c) pelo menos uma das seguintes providências:

- demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12 da LC 101/2000, e de que não afetará as metas fiscais previstas no anexo próprio da LDO; e/ou

- medidas de compensação, no período mencionado no caput do art. 14 da LC 101/2000, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

2. Quanto ao ISS (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), deve o Município, via de regra, observar a alíquota mínima de 2% (dois por cento), constitucionalmente estabelecida (art. 88 do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Contudo, o Município pode editar lei fixando alíquota inferior a 2% (dois por cento) ou concedendo isenção total de ISS, ainda que sob forma de incentivo econômico a empreendimento que está instalado ou que queira instalar-se em seu território, desde que se trate dos serviços excetuados constitucionalmente e previstos nos itens 7.02, 7.04 e 7.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar Federal nº 116/2003.

3. Outros incentivos, não tributários, para estimular indústrias a se instalarem no Município, tais como serviços de terraplanagem e pavimentação de pátios com maquinários e/ou mão-de-obra da Prefeitura, podem ser instituídos através de lei específica, com a devida parcimônia e não deverão deixar de atender a despesas eminentemente públicas para atender a interesses privados e devem ser concedidos mediante cobrança de preço público com observância da Lei Orgânica do Município, de sua Lei Orçamentária e das Leis Complementares Federais nº 8.429/92 e nº 101/2000, sendo permitida a execução de tais serviços gratuitamente pela Prefeitura nas áreas públicas de distritos industriais compreendidos em programas de incentivo, conforme dispõe o Prejulgado nº 250 desta Corte de Contas.

4. A doação de imóveis públicos para particulares atenta contra o patrimônio e a responsabilidade fiscal. Para ceder terreno público para instalação de indústria, o Município poderá valer-se do instituto da Concessão de Direito Real de Uso, previsto no art. 7º do Decreto-Lei Federal nº 271/67, mediante lei municipal autorizativa e observando às exigências da Lei nº 8.666/93, sob pena de enquadrar-se no art. 10, e incisos, da Lei nº 8.429/92.

Os motivos ensejadores da revogação do item 4 são os mesmos expostos acima para a revogação do item 2 do Prejulgado 1228.

 

4. CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, a Consultoria Geral emite o presente Parecer no sentido de que o Exmo. Conselheiro Herneus de Nadal proponha ao Egrégio Tribunal Pleno decidir por:

4.1 Conhecer, em caráter excepcional, da presente Consulta.

4.2 Remeter ao Sr. Jandir Bellini e à Prefeitura Municipal de Itajaí, nos termos do art. 105, § 3º, do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), cópia dos Prejulgados 1852 e 2050, que possuem as seguintes redações:

1852

1. Nos procedimentos a serem adotados quando da alienação de bens imóveis integrantes do patrimônio da municipalidade, deverá ser demonstrada a necessidade do ato e do efetivo interesse público, avaliação prévia dos bens e autorização legislativa específica, bem como a realização de certame licitatório nos termos do art. 17 da Lei Federal n. 8.666/93.

2.Quando o Município conceder incentivos para instalações de empreendimentos, envolvendo a disponibilização de bens imóveis públicos a particulares (pessoas físicas ou jurídicas), atendidos os princípios da igualdade e da impessoalidade, deve-se privilegiar o emprego do instituto da concessão do direito real de uso, por melhor resguardar o interesse e o patrimônio público, mediante licitação (art. 17, § 2º, da Lei Federal n. 8.666/93) e prévia autorização legislativa, que disponha sobre as condições da concessão, inclusive sobre o vínculo às atividades que justificam a concessão e prevendo a reversão do bem para o Município, após o transcurso do prazo da concessão, devendo estar demonstrado o interesse público, evitando-se a doação de bens imóveis públicos a particulares.

2050

1. A doação de bens imóveis públicos regula-se, em regra, pelo art. 17 da Lei (federal) n. 8.666/93, que a condiciona ao atendimento dos requisitos relativos à autorização legislativa específica, prévia avaliação, com justificado interesse público e licitação na modalidade de concorrência pública, com as exceções legalmente definidas;

2. É admissível a dispensa de licitação para fins de doação de imóvel público para particulares, à vista de justificado interesse público aferido na situação concreta, além de autorização legislativa específica e prévia avaliação, considerando Medida Liminar concedida pelo STF nos autos da ADI n. 927-3/RS, que suprimiu a restrição contida na letra "b", inciso I, do art. 17, da Lei (federal) n. 8.666/93, para Estados e Municípios;

2.1. É recomendável que a doação, nessa hipótese, seja outorgada com encargo, visando assegurar a reincorporação do imóvel ao patrimônio público se não forem cumpridas as finalidades e condições estabelecidas.

4.3. Revogar, com fundamento no art. 156 do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), o item 2 do Prejulgado 1228 e o item 4 do Prejulgado 1396.

4.4. Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator, do Parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina e do Parecer da Consultoria Geral ao Sr. Jandir Bellini e à Prefeitura Municipal de Itajaí.

Consultoria Geral, em 25 de julho de 2011.

 

 

 ADRIANA REGINA DIAS CARDOSO

AUDITORA FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

 

 

De acordo:

Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator Conselheiro Herneus de Nadal, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 

 

 VALERIA ROCHA LACERDA GRUENFELD

CONSULTORA GERAL, e.e.



[1] Ofício 020/2011 – fls. 04/05.

[2] Fl. 06.

[3] Parecer nº 242/2011 – fls. 07-13.

[4] Parecer de fls. 14-21.

[5] Ofício nº 230/2011 – fls. 22-38.

[6] www.tcu.gov.br

[7] Processos 003.283/2006-7, 0823-23/2004, 001.604/2005-8, 003.995/2004-0 e 023.877/2009-4.

[8] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, 17ª ed., p. 1011/1012.

[9] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Maleiros, 2010, 36ª ed., p. 568.

[10]  Obra já citada p. 974.

[11] SILVA, José Afonso da. O regime constitucional dos Municípios. Biblioteca Digital A&C - Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 10, n. 42,  out./dez. 2010. Disponível em: www.bidforum.com.br. Acesso em: 13 julho 2011.


 

[12] Lei Federal nº 10.257, de 10/07/2001.

[13] Operações urbanas consorciadas. Biblioteca Digital Revista Interesse Público - IP Belo Horizonte, n. 50, ano 10 Julho / Agosto 2008 Disponível em: www.bidforum.com.br. Acesso em: 20 julho 2011.


 

[14] Processo: CON- 18.065-3/2008. Decisão: 05/2009. Julgamento: 17/03/2009. Publicação: 19/03/2009.

[15]  Consulta: 835.894. Sessão: 07/07/2010. Autor: Câmara Municipal de Divinolândia de Minas. Relator: Conselheiro Sebastião Helvécio.

[16]  Processo: ADI 3026. Origem: Distrito Federal. Relator: Ministro Eros Grau. Decisão: 08/06/2006. Publicação: 29/09/2006.

[17] Processo: CON-TC-0006575/30. Parecer: COG-133/1993. Origem: Prefeitura Municipal de Joinville. Data da sessão: 05/05/1993.

[18] Processo original: PC-AM0002366/40. Parecer: COG-329/94. Origem: Câmara Municipal de Doutor Pedrinho. Relator: Auditor Altair Debona Castelan. Data da sessão: 22/08/1994. Reformado pelo Tribunal Pleno em sessão de 19.03.2008, através da decisão nº 588/2008 exarada no processo nº CON-08/00049381, que determinou a revogação do segundo parágrafo. Reformado pelo Tribunal Pleno em sessão de 02.12.2002, através da decisão nº 3089/2002 exarada no processo nº PAD-02/10566680.

[19] Processo: CON-00/06614302. Parecer: COG-003/2001. Decisão: 420/2001. Origem: Câmara Municipal de Nova Erechim. Relator: Auditor Evângelo Spyros Diamantaras. Data da sessão: 28/03/2001. Diário Oficial: 30/05/2001.

 

[20] Processo original: CON-01/02086400. Parecer: COG-650/2001. Decisão: 77/2002. Origem: Prefeitura Municipal de Capivari de Baixo. Relator: Conselheiro Antero Nercolini. Data da sessão: 06/02/2002. Diário Oficial: 05/04/2002. Item 4 reformado pelo Tribunal Pleno na sessão de 29.09.2003, através do item 6.1.2 da decisão nº 3310/03, prolatada no processo PDI-03/06353652

[21] Processo: CON-02/00394681. Parecer: COG-638/2002. Decisão: 154/2003. Origem: Prefeitura Municipal de Bocaina do Sul. Relator: Conselheiro Otávio Gilson dos Santos. Data da sessão: 12/02/2003. Diário Oficial: 21/05/2003.

[22] Processo: CON-02/05994555. Parecer: COG-186/2003. Decisão: 1094/2003. Origem: Prefeitura Municipal de Guaramirim. Relator: Conselheiro Otávio Gilson dos Santos. Data da sessão: 23/04/2003. Diário Oficial: 23/06/2003.

[23] Processo: CON-04/01728056. Parecer: COG-133/2004, com acréscimos do Relator GCLM-291/2004. Decisão: 1396/2004. Origem: Prefeitura Municipal de Palmitos. Relator: Conselheiro Luiz Suzin Marini. Data da sessão: 16/06/2004. Diário Oficial: 17/08/2004.

[24] Processo: CON-04/04743218. Parecer: COG-321/2004. Decisão: 3122/2004. Origem: Prefeitura Municipal de Herval d’Oeste. Relator: Auditor Clóvis Mattos Balsini. Data da sessão: 13/10/2004. Diário Oficial: 04/01/2005.

[25] Processo: CON-06/00521800. Parecer: COG-697/2006, com acréscimos do relator. Decisão: 437/2007. Origem: Câmara Municipal de São Martinho. Relator: Conselheiro Wilson Rogerio Wan-Dall. Data da sessão: 12/03/2007. Diário Oficial: 24/04/2007.

 

[26] Processo: CON-09/00674601. Parecer: COG-109/2010. Decisão: 2434/2010. Câmara Municipal de Ilhota. Relator: Herneus de Nadal. Data da sessão: 31/05/2010.

[27] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, 15ª ed., p. 321.

[28] Obra já citada, fl.s 998 e 999.

[29] Prejulgado 1852.

[30] Prejulgado 2050.

[31] Resolução nº TC-06/2001.

[32] Processo: CON-01/01058675. Parecer: COG:155/2002. Decisão: 2514/2002. Origem: Prefeitura Municipal de Pouso Redondo. Relator: Conselheiro Luiz Suzin Marini. Data da sessão: 30/09/2002. Diário Oficial: 10/12/2002.

[33] Processo: CON-01/00756581. Parecer: COG-688/01 com acréscimos do Relator - GC-OGS/2003/227. Decisão: 2017/2003. Origem: Prefeitura Municipal de Lontras. Relator: Conselheiro Otávio Gilson dos Santos. Data da sessão: 25/06/2003. Diário Oficial: 13/08/2003. O item 2 foi inserido pelo Tribunal Pleno em sessão de 28.05.2008, mediante a Decisão nº 1503/2008, exarada no Processo CON-07/00447245. Os itens 2 e 3 da redação original foram respectivamente renumerados para itens 3 e 4.