PROCESSO Nº:

REC-10/00730260

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de Curitibanos

RESPONSÁVEL:

Wanderley Teodoro Agostini

INTERESSADO:

Wanderley Teodoro Agostini

ASSUNTO:

Recurso de Reexame Art. 80 da Lei Complementar nº  202/2000 da decisão exarada no Processo -DEN-08/00165101 - Denúncia acerca de irregularidade na prorrogação de contrato de serviço de transporte coletivo

PARECER Nº:

COG - 342/2011

 

Recurso de Rexeme. Licitação. Concessão de Transporte coletivo. Prorrogação automática. Contrato verbal. Impossibilidade. Violação ao princípio constitucional da licitação.

 

Sr. Consultor,

 

1. INTRODUÇÃO

 

Trata-se os autos de Recurso de Reexame, em face do disposto no art. 80 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, interposto pelo Sr. Wanderley, Teodoro Agostini, ex-prefeito do Município de Curitibanos, face a aplicação de multa imposta pelo item 6.2 do Acórdão n. 0627/2010, exarada nos autos do processo DEN 08/00165101, publicada no DOTC-e n. 595, de 04/10/2010, conforme certificado à fl. 282 dos autos originários,  em razão da prorrogação do contrato de concessão do serviço de transporte coletivo urbano celebrado com a empresa Auto Viação Curitibanos Ltda., em desacordo com o disposto no art. 175 da Constituição Federal c/c o art. 35, inc. I e § 1º do art. 42 da Lei n. 8.987/95, cujo teor é o seguinte:

Acórdão n. 0627/2010

 

1. Processo n. DEN - 08/00165101

2. Assunto: Grupo 2 – Denúncia acerca de irregularidade na prorrogação de contrato de concessão de serviço de transporte coletivo

 3. Responsável: Wanderley Teodoro Agostini - Prefeito Municipal

4. Entidade: Prefeitura Municipal de Curitibanos

5. Unidade Técnica: DLC

6. Acórdão:

 VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos à denúncia de irregularidade praticada na Prefeitura Municipal de Curitibanos quando da prorrogação de contrato de concessão de serviço de transporte coletivo.

Considerando que foi efetuada a audiência do Responsável, conforme consta na f. 90 dos presentes autos;

Considerando que as justificativas e documentos apresentados são insuficientes para elidir irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Relatório de Instrução DLC/Insp.2/Div.4 n. 191/2009;

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

 

6.1. Conhecer do Relatório de Instrução que trata da análise da prorrogação de contrato de concesão de serviço de transporte coletivo pela Prefeitura Municipal de Curitibanos, através de termo aditivo datado de 25/04/2007, para considerar irregular o ato examinado.

 

6.2. Aplicar ao Sr. Wanderley Teodoro Agostini - Prefeito Municipal de Curitibanos, CPF n. 489.494.349-20, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), em face da prorrogação do contrato de concessão do serviço de transporte coletivo urbano celebrado com a empresa Auto Viação Curitibanos Ltda., realizada através de Termo Aditivo datado de 25/04/2007, por estar o respectivo contrato extinto em decorrência do decurso de prazo desde 07/11/2005, caracterizando a concessão de serviço público sem a realização de processo licitatório, em desacordo com o art. 175 da Constituição Federal c/c o inciso I do art. 35 e § 1º do art. 42 da Lei n. 8.987/95 (item II.2 do Relatório DLC), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

 

6.3. Determinar, nos termos do art. 29 da Lei Complementar (estadual) n. 202/00, que o Sr. Wanderley Teodoro Agostini - anteriormente qualificado, no prazo de 30 dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, promova e comprove a este Tribunal:

 

 6.3.1. a anulação do Termo Aditivo ao Contrato de Concessão do Serviço de Transporte Coletivo Urbano celebrado entre o Município de Curitibanos e a empresa Auto Viação Curitibanos Ltda., datado de 25 de abril de 2007;

 

 6.3.2. a realização de novo processo licitatório para a concessão do serviço de transporte coletivo urbano do Município de Curitibanos.

 

6.4. Comunicar ao Poder Legislativo de Curitibanos acerca da ilegalidade na prorrogação do Contrato de Concessão do Serviço de Transporte Coletivo Urbano celebrado entre o Município de Curitibanos e a empresa Auto Viação Curitibanos Ltda., com base na Lei (municipal) n. 4.048/2007, remetendo o presente Acórdão, Relatório e Voto que o fundamentam, bem como os Relatórios de Instrução DLC/Insp.2/Div.6 ns. 688/2008 e 191/2009, de acordo com arts. 30 e 31 da Lei Orgânica desta Corte de Contas c/c o art. 33 da Resolução n. TC-06/01, a fim de que decida pela adoção de providências para anular o contrato, caso o administrador não o faça.

 

6.5. Determinar o encaminhamento, após o trânsito em julgado, de cópia do Acórdão, Relatório e Voto que o fundamentam, bem como do Relatório DLC/Insp.2/Div.6 n. 191/2009, ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, com fundamento no art. 102 da Lei n. 8.666/93, para as providências que entender cabíveis.

 

6.6. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Instrução DLC/Insp.2/Div.4 n. 191/2009, à Denunciante e ao Sr. Wanderley Teodoro Agostini - Prefeito Municipal de Curitibanos.

 

7. Ata n. 60/10.

8. Data da Sessão: 20/09/2010 - Ordinária.

 

É o relato perfunctório.

Passa-se ao exame dos requisitos intrínsecos e extrínsecos em sede recursal.

 

2. ANÁLISE

 

2.1. DA ADMISSIBILIDADE

 

Os recursos em geral possuem requisitos de admissibilidade intrínsecos os quais dizem respeito a própria existência do direito de recorrer, tais como cabimento, legitimação para recorrer, interesse de recorrer e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e os requisitos extrínsecos relacionados com o exercício desse direito, como a tempestividade, regularidade formal e preparo, este último não acolhido neste Tribunal de Contas. Vejamos cada um deles.

Cabimento: No presente caso foi manejado o Recurso de Reexame, previsto nos arts. 79 e 80 da Lei Complementar estadual n. 202/00, manejável contra decisão proferida em processo de fiscalização de atos e contratos administrativos. E mais, pelo que se extrai dos autos, o recurso é singular, haja vista que não há notícia ou registro da interposição de outro recurso contra o acórdão n. 0627/2010 antes da interposição do presente recurso por parte do Recorrente.

Legitimação: Verifica-se que o Recorrente é habilitado a se irresignar contra decisão desta egrégia Corte de Contas, haja vista que durante a tramitação do processo originário foi apontado como Responsável pelo suposto ato irregular considerado no acórdão atacado, daí resultando a pertinência subjetiva, a teor do disposto no art. 133 do Regimento Interno desta Corte de Contas.

Interesse recursal: Ante o resultado do processo DEN 08/00165101, com o presente recurso o Recorrente poderá obter uma situação mais vantajosa, considerando-se a situação em que o colocou a decisão recorrida. O recurso, portanto, é útil e necessário.

Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer: Não há nos autos originários qualquer ato que importe em renúncia ao direito de recorrer (não há manifestação de vontade de não interpor o recurso de que poderia valer contra a decisão recorrida) ou em aceitação da decisão, tal como a realização de pagamento da multa (preclusão lógica consistente na perde de um direito ou de uma faculdade processual pelo exercício de atividade incompatível com o seu exercício), tampouco nestes autos, qualquer ato que importe na desistência do recurso interposto.

No que toca aos requisitos extrínsecos, tem-se a dizer:

Tempestividade: Verifica-se que o acórdão recorrido acima referenciado foi publicado no DOTC n. 595 de 04/10/2010 e o presente recurso foi interposto em 20/10/2010 (fl. 02), portanto, atendido ao prazo legal (30 dias) estabelecido no art. 80 da Lei Complementar estadual n. 202/2000.

Regularidade formal: Observa-se que o recurso observou o preceito do art. 80 da Lei Complementar estadual n. 202/2000, pois foi interposto atendendo a forma escrita e contendo a fundamentação do pedido de reforma da decisão recorrida na petição de interposição.

Quanto ao preparo recursal comum no processo civil, tem-se que este não constitui requisito para o conhecimento do recurso no âmbito do Tribunal de Contas.

Diante do preenchimento dos requisitos intrínsecos e extrínsecos do recurso de Reexame, mediante a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, opina-se pelo conhecimento do recurso e ao exame do mérito[1] de modo a abordar o conteúdo da impugnação apresentada à decisão recorrida.

 

2.2. DO MÉRITO.

 

2.2.1. Prorrogação do contrato de concessão do serviço de transporte coletivo urbano celebrado com a empresa Auto Viação Curitibanos Ltda., realizada através de Termo Aditivo datado de 25/04/2007, por estar o respectivo contrato extinto em decorrência do decurso de prazo desde 07/11/2005, caracterizando a concessão de serviço público sem a realização de processo licitatório, em desacordo com o art. 175 da Constituição Federal c/c o inciso I do art. 35 e § 1º do art. 42 da Lei n. 8.987/95.

 

Os fatos que deram origem à presente restrição referem-se à prorrogação do contrato de concessão de transporte coletivo realizado com a empresa Auto Viação Curitibanos Ltda., no mês de abril de 2007, quando o contrato de concessão teria encerramento em 07 de novembro de 2005.

O Recorrente argumenta que a prorrogação teria sido legítima, pois havia cláusula prevendo a prorrogação automática do contrato de concessão, conforme previsto no item X do Edital de Concorrência n. 147/1995, na hipótese de não haver denúncia de qualquer das partes durante a vigência inicial do contrato firmado para viger por 10 anos.

Ponderou o Recorrente que:

Ora, se o próprio edital de concorrência previu a prorrogação, por período igual ao da concessão, na hipótese das partes silenciarem a respeito; tendo o instrumento do contrato previsto prorrogação automática conforme o edital; e, ainda, mantidos os serviços públicos de transporte coletivo urbano sem qualquer solução de continuidade, é certo que ambas as partes – administração municipal e concessionária – pretendiam prorrogar, como de fato e de direito prorrogaram, o contrato de prestação de serviços em tela (fl. 05).

 

Diz o Recorrente, que a prorrogação “se deu – frise-se - de forma tácita desde novembro de 2005” (fl. 05).

Procurou distinguir o Recorrente, contrato do seu instrumento, ao indicar que “o contrato é, na verdade, a prática do serviço propriamente dito e suas conseqüências legais e econômicas; instrumento é o seu termo escrito, ou seja, a manifestação expressa do contratado entre as partes” (fl. 05). E mais adiante o próprio Recorrente afirma que “não se discute que no direito administrativo, a forma (ou a formalidade) faz parte do contrato e integra seus elementos de validade”.

Aponta ainda, em seu favor, a opinião da doutrina especializada quando aponta da que “se a lei estabelece determinada forma como revestimento do ato, não pode o administrador deixar de observá-la, pena de invalidação por vício de legalidade” (fl. 06).

Destaca que o vício de nulidade relativa (anulabilidade) pode ser sanado pela administração, ao passo que o de nulidade absoluta não pode ser sanado, de forma que o vício de forma e o de competência “quase sempre” constitui “vício sanável por advirem de nulidade relativa”, segundo a opinião da Prof.ª Di Pietro (fls. 06-07).

Pondera que o serviço de transporte coletivo, de competência municipal não poderia sofrer solução de continuidade, e que a empresa Auto Viação Curitibanos não possui concorrência local, “já que é a única empresa do ramo instalada na cidade de Curitibanos” (fl. 08) e que é “avaliada como boa prestadora de serviços” (fl. 08 e 16-20).

 Ademais, destacou que decidiu por convalidar o contrato de concessão, mediante prévia consulta à Câmara de Vereadores, à vista do fato de que não houve prejuízo a terceiros, nem violação ao princípio da competitividade econômica e ao interesse público. Nesse sentido, foi aprovada a Lei Municipal n. 4.048/2007.

O Recorrente pretende ver reconhecida a possibilidade de prorrogação automática do contrato mediante a omissão dos contratantes em rescindir o contrato ao cabo do seu prazo de vigência, tendo como causas a ausência de prejuízo ao erário e a terceiros, o risco da interrupção dos serviços e que era possível a convalidação do ato administrativo, uma vez que a relação jurídica não havia se encerrado, uma vez que os serviços continuaram a ser prestados normalmente pela concessionária, com fundamento na inércia das partes como manifestação de vontade e na previsão editalícia de prorrogação automática do contrato (fl. 11). Aduziu, por fim, que “a celebração de termo para prorrogação do contrato é ato meramente formal, de importância secundária” (fl. 11), de forma que seria regular a convalidação do ato por meio da Lei municipal n. 4048/2007. Para o Recorrente, “o que deve prevalecer, então, não é a forma, a formalidade do ato, mas sim a prestação de serviços públicos de forma regular e suficiente ao atendimento do interesse dos cidadãos” (fl. 12), sob pena de, a prevalecer o entendimento contrário, significaria “burocratizar o serviço público, de modo a priorizar a forma sobre o conteúdo; a formalidade sobre a efetiva realização dos serviços, e ainda prejudicar sobremaneira a prestação do serviço, em total desatendimento à finalidade, ao motivo e à causa desse serviço...” (fl. 12).

Por fim, arrematou o Recorrente dizendo:

Ora, se a atividade do administrador se baseia no texto de lei, embora o ato esteja viciado por alguma espécie de irregularidade, mas observados os requisitos essenciais para a validade do ato anulável, já oportunamente salientado acima, afigura perfeitamente válido o ato convalidado (fl. 13).

 

Ao cabo, requereu o reconhecimento da essencialidade dos serviços, do interesse público na prestação dos serviços de transporte coletivo, na distinção entre contrato e seu instrumento, na validade da cláusula X do edital e cláusula 10ª do contrato (para admitir a prorrogação tácita do contrato), pela regularidade da convalidação proferida pela Lei municipal n. 4048/2007, para o fim de reformar a decisão, excluir a multa imposta e permitir a continuidade da prestação dos serviços de transporte coletivo urbano até 07 de novembro de 2015, e conseqüente arquivamento dos autos.

 

É o relato. Passa-se a análise de mérito.

 

Não assiste razão ao recorrente quando afirma que o contrato dispensa a formalidade, pois se é certo que o seu instrumento não signifique os seus termos, também é certo que na Administração Pública não subsiste concessão de transporte público efetivado de verbal ou pior, de forma tácita, nem mesmo a passagem do tempo não pode ser alegado para convalidar a contratação ilegal.

O item X do edital e a respectiva cláusula 10ª do contrato original não possuem validade frente às regras que regulam a concessão pública, à luz da Constituição Federal e da Lei n. 8.987/95, uma vez que não basta a omissão dos contratantes para que o contrato possa ser validamente prorrogados, tampouco é possível convalidar uma prorrogação a um contrato que, perante o ordenamento jurídico, já se encontra extinto com o decurso do prazo contratual.

Ademais, é equivocado a linha de raciocínio exarada pelo Recorrente ao pretender ver reconhecida a prorrogação automática. O item X do edital não dispõe que a prorrogação se dará de forma automática, mas sim que a existência de fatores impeditivos poderá servir para a prorrogação do contrato. Mas para que isso efetivamente viesse a ocorrer, caberia à Administração Pública instaurar o devido procedimento administrativo com vistas a demonstrar a existência dos requisitos legais para a prorrogação da contratação, verificar a manutenção dos requisitos de habilitação e qualificação técnica, definição das cláusulas financeiras, tais como investimentos necessários, reversibilidade dos bens, amortização dos investimentos, e demais condições necessárias para a definição ou redefinição da política tarifária, com vista a uma adequada e atual prestação dos serviços públicos de transporte coletivo.

Veja-se o que diz a cláusula X do edital, indicado pelo Recorrente como fundamento para a prorrogação tácita.

X - Da Reversão.

Se, ao término do prazo do contrato, pelo menos uma das partes não denunciar a continuidade do contrato, esse serão reconduzido por novo período, igual ao inicial, mediante celebração de novo contrato.

 

A cláusula acima indicada não pode servir para o propósito apresentado pelo Recorrente, primeiro, por desconsiderar todos os demais elementos que se apresentam como requisitos para prorrogação contratual, acima mencionado, segundo, por ser inconstitucional a sua efetivação.

Diz o item editalício acima mencionado que, “ao término do prazo do contrato”, o contrato ser reconduzido.  Nota-se a sua contradição em termos, pois no término do contrato não há como este ser reconduzido, ou ser prorrogado, uma vez que a sua extinção pelo decurso do prazo opera de pleno direito a extinção do contrato. Não havendo que se falar em prorrogação de contrato já extinto. Para que a prorrogação possa ser validamente reconhecida, deve o administrador pública adotar os procedimentos preparatórios antes do encerramento do prazo do contrato e formalizá-los a tempo e modo definidos em lei para que possa gerar seus efeitos jurídicos. No âmbito da Administração Pública não há contrato de concessão verbal, tampouco tácito, eis que a Constituição Federal exige a realização de licitação pública para a sua celebração. Prorrogação de contrato na forma tácita ou verbal, ainda que os serviços sejam considerados essenciais e continuados, importa reconhecer na contratação ilegal de serviços sem a prévia e necessária realização de licitação pública.

Nesse sentido, trazemos a colação a lição do professor Marçal Justen Filho, mencionado pelo prof. Antônio Carlos Cintra do Amaral, quando assevera que:

Enfim, a prorrogação do contrato produz efeitos similares a uma contratação direta. Se, encerrado o prazo contratual, houver manutenção do antigo contratado, o novo contrato pode ser enfocado como uma contratação autônoma, realizada sem licitação.

Além de frustrar a possibilidade de outros particulares disputarem o contrato, a prorrogação inviabiliza a constatação objetiva da vantagem do Estado. É impossível negar que a realização de nova licitação poderia conduzir a uma proposta mais vantajosa. Então, a prorrogação do contrato é incompatível com o princípio da indisponibilidade do interesse público, tanto quanto com o princípio da isonomia[2].

 

Ademais, deve-se considerar que em se tratando de concessão de serviços públicos, tem relevância a questão da amortização dos investimentos realizados pelo concessionário para fins de fixação do valor das tarifas, por exemplo.

Tal fato deve ser considerado para a definição do prazo contratual, de modo que o concessionário possa durante o prazo da concessão obter o retorno financeiro para seus investimentos e obter o lucro fixado no momento da contratação. Nesse sentido, colhe-se a opinião do professor Antônio Carlos Cintra do Amaral ao lecionar que o prazo da concessão:

 

“deverá ser determinado em função da amortização dos investimentos a serem efetuados. O poder concedente não estabelece um prazo a seu exclusivo arbítrio. Prazo de concessão e equação econômica do contrato devem estar intimamente relacionados (...).

O prazo contratual, porém, é dimensionado em função de uma previsão inicial dos investimentos necessários. Em um contrato de longa duração, como costuma ser o contrato de concessão, novos e imprevistos investimentos são efetuados durante a sua execução, inclusive no final da concessão, a fim de, como diz a lei (art. 26), ‘garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido’. Esses investimentos, cuja necessidade se evidencia com frequência na segunda metade do prazo da concessão, podem ser insuscetíveis de amortização no prazo estabelecido inicialmente (...).

O poder concedente, portanto, deverá optar entre a prorrogação do prazo – se isso for previsto no contrato – e a indenização”[3].

 

No caso, a prorrogação se deu de forma automática, fato que contraria o princípio da legalidade, a qual reclama a realização de nova licitação pública. Se o princípio da legalidade, pedra de toque de toda a administração pública brasileira, insculpida no caput do art. 37 da Constituição Federal, está sendo violado, não importaria indagar se a contratação atenderá ou não ao interesse público, eis que este é um pré-requisito para todo e qualquer contratação pública, e mais ainda, não há como convalidar ato que fere frontalmente o art. 37, inc. XXI da Constituição. Vício de inconstitucionalidade intrínseca não se convalida, ainda que tenha ato de concordância da casa legislativa travestida de lei, a qual não goza dos requisitos de generalidade e abstração a que exige o art. 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro

No caso, o simples argumento de que os serviços de transporte coletivo, dada a sua essencialidade e continuidade permitem a violação ao princípio de legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da competição, da isonomia e outros decorrentes aplicáveis às licitações públicas e contratos administrativos?

Entende-se que não, isso porque toda licitação deve ter por objetivo atender a uma necessidade que reflita o interesse público, qualquer uma, sem exceção. Se os fins justificassem os meios, haveria que se liberar o gestor do dever de realizar licitação para toda e qualquer contratação, haja vista que os bens e serviços contratados são, em última análise, sempre voltados a atender uma demanda social ou um interesse qualificado como coletivo ou público.

Da mesma forma, não procede o argumento de que a convalidação se opera por não haver dano ao erário ou a terceiros. Na realidade, a prorrogação não está condicionada a este fato, eis que ligada a outras questões que demonstrem a vantajosidade para a Administração Pública. Vantajosidade não significa comodidade. É dever da Administração Pública a busca de melhores condições de oferta dos serviços aos usuários, melhorias estas qualitativas, quantitativas e a busca por uma menor tarifação dos serviços. Esta busca, se realiza, no mais das vezes, mediante a realização de regras claras, atuais e objetivas para a prestação dos serviços, modernização da frota, otimização dos serviços dotando-os de maior eficiência gerencial, além da definição de regras de fiscalização e punição pelas faltas observadas pelo concessionário, quando for o caso.

No que tange à prorrogação tácita, tem-se que esta não é admitida no atual estágio do Direito Administrativo, pois cabe ao gestor demonstrar que a prorrogação do contrato é vantajosa para a Administração Pública. Ademais, conforme o próprio Recorrente destacou, “se a lei estabelece determinada forma como revestimento do ato, não pode o administrador deixar de observá-la, pena de invalidação por vício de legalidade” (fl. 06). No caso, a lei exige que o contrato seja prorrogado por escrito, expressamente, tendo como precedente a demonstração da vantajosidade da contratação.

Vale ressaltar o disposto no § 2º do art. 57 da Lei n. 8.666/93, aplicável subsidiariamente aos contratos de concessão, quando exige que toda prorrogação deva ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente para celebrar o contrato. De regra, a alteração contratual se dá pelo Termo Aditivo, na forma do parágrafo único do art. 38 da Lei n. 8.666/93, a qual deve ser submetida à análise e aprovação prévia pela Assessoria Jurídica do órgão público interessado, e então, após assinado, deve ir à publicação para que seus efeitos jurídicos passem a surtir, nos termos do parágrafo único do art. 61 da Lei n. 8.666/93. Portanto, incabível falar-se em prorrogação automática pela simples omissão das partes contratantes, por ferir o sistema jurídico vigente, principalmente qual a lei exige a forma expressa, escrita, aprovada pela assessoria jurídica e devidamente publicada no órgão de imprensa oficial.

Ademais, nesse mesmo sentido trilho o Recorrente ao argumentar que “não se discute que no direito administrativo, a forma (ou a formalidade) faz parte do contrato e integra seus elementos de validade”. E é verdade, não se discute, e por isso, não tem validade a forma verbal, tácita, e omissa pela qual a administração municipal tratou o tema do transporte público local, eis que a forma escrita e mediante prévia justificativa do gestor público era ato que integrava a formação do ato administrativo.

Por fim, não justifica a contratação verbal ou prorrogação tácita o fato alegado de que o serviço de transporte coletivo não pode sofrer solução de continuidade, muito menos que a empresa Auto Viação Curitibanos não possui concorrência local, “já que é a única empresa do ramo instalada na cidade de Curitibanos” (fl. 08) e que é “avaliada como boa prestadora de serviços” (fl. 08 e 16-20). Ora, primeiro, pelo fato de que a Constituição Federal e a Lei federal n. 8.987/95 exigem a realização de licitação, a qual, por se tratar de serviços essenciais, deveria a administração municipal ter se antecipado ao encerramento do contrato de concessão e preparado nova licitação, ou formalizado a prorrogação a tempo e modo oportuno, em conformidade com a legislação vigente. Jamais poderá alegar sua própria omissão como justificativa para buscar corrigir um ato inconstitucional e ilegal, tal qual se observa nos presentes autos.

Nem mesmo o fato de que a empresa contratada é a única na municipalidade poderá lhe socorrer, pois esse fato não impede que outras empresas do setor de transporte tenham interesse em prestar os serviços, estabelecendo sua base no município, principalmente por se tratar de licitação de alto valor econômico e de longa duração.

O cumprimento da decisão do Tribunal de Contas do Estado não significa que deva o gestor romper de forma abrupta o contrato, e por via de consequência deixar a população sem atendimento de transporte coletivo. Absolutamente não é isso que o Tribunal determinou, tampouco deseja, sob pela de a decisão ser desproporcional, irrazoável. O que deve o gestor fazer é corrigir a situação irregular existente, de forma que deve contratar os serviços de forma temporária até que o procedimento licitatório instaurado esteja concluído. Há meios legais para que isso ocorra.

Por esses motivos, opina-se pela manutenção da penalidade imposta no item 6.2 do Acórdão recorrido e seus demais termos.


 

 

3. CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, a Consultoria Geral emite o presente Parecer no sentido de que o Corregedor Geral Salomão Ribas Junior proponha ao Egrégio Tribunal Pleno decidir por:

 

          3.1. Conhecer do Recurso de Reexame, interposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, contra o Acórdão nº 0627/2010, exarada na Sessão Ordinária de 20/09/2010, nos autos do Processo nº DEN 08/00165101, e no mérito negar provimento, ratificando na íntegra a Deliberação Recorrida.

          3.2. Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator e do Parecer da Consultoria Geral ao Sr. Wanderley Teodoro Agostini e à Prefeitura Municipal de Curitibanos.

 

Consultoria Geral, em 25 de julho de 2011.

 

 SANDRO LUIZ NUNES

AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

De acordo:

 

 JULIANA FRITZEN

COORDENADORA

 

Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator Corregedor Geral Salomão Ribas Junior, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 HAMILTON HOBUS HOEMKE

CONSULTOR GERAL



[1] Error in iudicando (vício de juízo) – reforma da decisão – o objeto do juízo de mérito identifica-se com o objeto da atividade cognitiva no grau inferior. Error in procedendo (vício de atividade) – invalidação da decisão – objeto do juízo de mérito é o julgamento da decisão de grau inferior.

[2] Concessão de serviço público. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 90.

[3]   Concessão de serviço público. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 100.