PROCESSO Nº:

REP-11/00472492

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul

RESPONSÁVEL:

Cecília Konell

INTERESSADO:

Guilherme Kaastrup Balsini

ASSUNTO:

Irregularidades no edital de Concorrência Pública n. 191/2011, visando à contratação de serviços de informática para licença de uso de softwares para a Gestão Pública Integrada

RELATÓRIO DE INSTRUÇÃO PRELIMINAR:

DLC - 580/2011

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

 

Trata-se Representação formulada pela empresa Betha Sistemas Ltda., contra o edital de Concorrência nº 191/2011, do tipo “técnica e preço”, promovida pela Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul, cujo objeto é a contratação de serviços de informática para licença de uso de softwares para a Gestão Pública Integrada, compreendendo os sistemas de: Planejamento (PPA, LOA e LDO), Gestão pessoal, Compras e Licitações, Patrimônio, Frotas, Almoxarifado, Controle de Arrecadação, Gestão contábil, Tributos Imobiliários, Gestão do ISSQN, Nota Fiscal Eletrônica de Serviços, Escrita fiscal; Fiscalização Fazendária, Receitas Diversas, Contribuição de Melhoria, Fiscalização de Obras e Posturas, Gestão de Dívida Ativa, Procuradoria Geral, Atendimento e Portal de Serviços-WEB, Protocolo e Processo digital, Portal da Transparência, Ouvidoria, Business Intelligence (BI), Controle Interno, bem como serviços de implantação e treinamento.

 

A inicial foi instruída com cópia do edital da licitação em questão (fls. 29-174), cuja abertura dos envelopes encontrava-se marcada o dia 22 de agosto de 2011. No entanto, em consulta ao site da Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul, verificou-se a informação de que o andamento da Concorrência nº 191/2011 foi suspenso pela Administração.

 

 

A Representante insurgiu-se contra o ato convocatório, alegando, em síntese, o seguinte:

 

a) ilegalidade do Anexo X do edital - objeto ilegal, ferimento ao artigo 3º, caput, da Lei nº 8.666/93;

 

b) ilegalidade na obrigatoriedade de visita técnica - restrição conforme inciso I, § 1º, do artigo 3º da Lei nº 8.666/93;

 

c) ilegal concessão de pontuação para marca específica sem justificativas no processo licitatório - ferimento do artigo 7º, § 5º, da Lei nº 8.666/93;

 

d) ausência de critérios de atualização monetária em caso de atraso nos pagamentos - ferimento ao art. 55, III da Lei de licitações;

 

e) ilegalidade da exigência do item 5.1 do Anexo II do edital – ferimento ao artigo 30, § 6º, da Lei 8.666/93;

 

f) erros do anexo XI - ilegalidade do modelo de propostas de preços - ferimento ao artigo 7º, § 2º, II da Lei de Licitações;

 

g) ausência de previsão que resguarde os direitos da contratante em caso de rescisão contratual - artigo 55, IX da Lei nº 8.666/93.

 

Em face disso, requereu a Representante fosse determinada a suspensão liminar do procedimento licitatório e, ao final, a procedência da representação com a determinação de anulação ou retificação do edital.

 

Vieram os autos para análise da Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC, unidade técnico-executiva criada pela Resolução nº TC-010, de 26 de fevereiro de 2007. 

 

 

2. ANÁLISE

 

2.1. Admissibilidade

Conforme o § 1º do art. 113 da Lei nº 8.666/93, qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas de Santa Catarina.

Art. 113.  O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto.

§ 1º Qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação desta Lei, para os fins do disposto neste artigo.

 Na mesma linha o art. 65 c/c parágrafo único do art. 66 da Lei Complementar nº 202/00, Lei Orgânica do Tribunal de Contas de Santa Catarina.

Art. 65. Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades perante o Tribunal de Contas do Estado.

Art. 66. Serão recepcionados pelo Tribunal como representação os expedientes formulados por agentes públicos comunicando a ocorrência de irregularidades de que tenham conhecimento em virtude do exercício do cargo, emprego ou função, bem como os expedientes de outras origens que devam revestir-se dessa forma, por força de lei específica.

Parágrafo único. Aplicam-se à representação as normas relativas à denúncia.

                   Ainda, o art. 102 do Regimento Interno deste Tribunal prevê quais são os requisitos indispensáveis que devem estar presentes na representação para que ela possa ser admitida.

Art. 102. A representação sobre matéria de competência do Tribunal deverá referir-se a administrador ou responsável sujeito à sua jurisdição, ser redigida em linguagem clara e objetiva, estar acompanhada de indício de prova e conter o nome legível, qualificação, endereço e assinatura do representante.

                   No caso em tela, verifica-se que a Representação versa sobre matéria sujeita à apreciação do Tribunal de Contas, decorrente de atos praticados no âmbito da Administração Pública; com possível infração a norma legal; refere-se à responsável sujeito à sua jurisdição; está redigida em linguagem clara e objetiva; está acompanhada de indício de prova e contêm o nome legível e assinatura do denunciante, sua qualificação e endereço. 

            Tendo em vista que foram preenchidos os requisitos previstos na referida norma, conclui-se pela possibilidade de conhecimento da presente representação por esta Corte de Contas.

2.2. Mérito

 

Dentre as possíveis irregularidades apontadas pela Representante, esta Instrução irá focar a análise em dois pontos mais relevantes, que no caso de prosseguimento do certame, podem resultar em restrição à competição e prejuízo à seleção da proposta mais vantajosa para a Administração. Por isso, a análise de todas as questões suscitadas pela Representante será realizada em instrução posterior.

 

2.2.1. Ilegalidade do Anexo X do edital - objeto ilegal, ferimento ao artigo 3º, caput, da Lei nº 8.666/93.

 

Alega a Representante às fls. 04-06 que:

 

O edital em comento reflete a busca do ente licitante por uma solução que venha a suprir suas necessidades de tecnologia da informação nas áreas de contabilidade pública, tributação pública, patrimônio público, folha de pagamento, compras públicas, licitações e contratos, etc.

Contudo, a elaboração do Anexo X infelizmente acabou por inobservar o princípio da estrita legalidade dos atos administrativos que se configura em requisito de validade de qualquer ato administrativo, seja ele vinculado ou discricionário.

Com efeito, de acordo com o referido Anexo X, TODAS AS FUNÇÕES RELACIONADAS AO CUMPRIMENTO DE EXIGÊNCIAS LEGAIS, ESCRITURAÇÃO FISCAL, AO CONTROLE DE PAGAMENTOS AOS SERVIDORES, À ARRECADAÇÃO E FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIAS FORAM TIPIFICADAS COMO FUNCIONALIDADES DISPENSÁVEIS.

Com efeito, teoricamente 50% do Anexo X poderá ser descumprido por qualquer proponente interessada, cuja solução poderá; por exemplo, deixar de controlar a escrituração contábil com o uso de plano de contas adotado pelo TCE/SC.

É mesmo surreal que um gestor público licite um software permitindo-se inobservar centenas de exigências legais, não se podendo afirmar, salvo engano, que um edital de licitação que elenque como obrigatório o cumprimento de estultices facilitadoras possa trazer como de cumprimento facultativo centenas e centenas de questões de ordem legal!

Não pode um gestor público se dar ao luxo de contratar software de gestão que descumpra exigências legais, ou, que o torne descumpridor de exigências legais, notadamente quando este mesmo gestor cria obrigatoriedades cujo único condão é o de restringir o caráter competitivo do certame.

Não pode o gestor público contratar software que o permita agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, nos termos do inciso X do artigo 10 da Lei Federal 8.429/1992, ou que lhe permita agir em desrespeito à conservação do patrimônio público.

Não pode o gestor público liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes, a teor do inciso XI do artigo 10 da Lei Federal 8.429/1992.

Não pode o gestor público conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie.

Não pode o gestor público praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência, de modo que publicar edital que lhe possibilite descumprir obrigações legais efetivamente implica em ato patente ilegalidade.

Em outras palavras, nenhum edital de licitação pode conter condição que, ab initio, implique na possibilidade de descumprimento por parte do ente licitante de obrigações de natureza legal, sendo ainda mais ilegal o edital de licitação que possibilita ao gestor público deixar de cumprir obrigações legais!

Isto porque, de acordo com o artigo 3° da Lei Federal n° 8.666/1993, "A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos".

Toma-se imperativo, destarte que a minuta editalícia seja corrigida, notadamente porque inexistirá justificativa de interesse público que sustente um edital que aponte a obrigatoriedade de concepção de sistema em "modelagem de dados" e que desobrigue os proponentes interessados a possuírem sistemas que cumpram com as Leis Federais 4.320/1964, 101/2000, portaria 275/2000-TCU, IN 28/1999-TCU, Lei Complementar Federal 116/2003, legislação tributária municipal, determinações e orientações do TCE/SC, etc., mesmo porque temos absoluta certeza que Ministério Público e Tribunais de Contas não julgarão legal a minuta editalícia, correndo o risco de, futuramente perder o direito de responsabilizar o gestor por descumprimento de obrigações legais!

 

Preliminarmente, cabe mencionar que este certame, para contratação de licença de uso de softwares, adotou o tipo de licitação “técnica e preço”, previsto nos artigos 45, §4º e 46, caput e §3º, da Lei nº 8.666/93:

 

Art. 45 (...) 

 

§4º Para contratação de bens e serviços de informática, a administração observará o disposto no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991, levando em conta os fatores especificados em seu parágrafo 2º e adotando obrigatoriamente o tipo de licitação “técnica e preço”, permitindo o emprego de outro tipo de licitação nos casos indicados em decreto do Poder Executivo. 

 

Art. 46. Os tipos de licitação “melhor técnica” ou “técnica e preço” serão utilizados exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para a elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos, ressalvado o disposto no § 4º do artigo anterior. 

(...)

§ 3º Excepcionalmente, os tipos de licitação previstos neste artigo poderão ser adotados, por autorização expressa e mediante justificativa circunstanciada da maior autoridade da Administração promotora constante do ato convocatório, para fornecimento de bens e execução de obras ou prestação de serviços de grande vulto majoritariamente dependentes de tecnologia nitidamente sofisticada e de domínio restrito, atestado por autoridades técnicas de reconhecida qualificação, nos casos em que o objeto pretendido admitir soluções alternativas e variações de execução, com repercussões significativas sobre sua qualidade, produtividade, rendimento e durabilidade concretamente mensuráveis, e estas puderem ser adotadas à livre escolha dos licitantes, na conformidade dos critérios objetivamente fixados no ato convocatório. (grifou-se) 

 

No entanto, observa-se que o sistema de pontuação do Anexo X do edital (fls. 104), questionado pelo Representante, não possui condição de ser utilizado como fator de classificação de propostas técnicas, porque seus critérios buscam apenas aferir se o sistema atende ou não as especificações mínimas estabelecidas pela Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul no Anexo III do edital (57). Veja-se, por exemplo, o caso do sistema de Planejamento (PPA, LDO e LOA):

 

O item 1 referido no anexo X do edital estabelece os seguintes critérios pontuáveis:

Item

 

Pontos

Controle

 

 

 

Atende

Não Atende

Pontos

1. Planejamento (PPA, LDO E LOA)

1.1

Manter o cadastro das leis e decretos que aprovam, alteram, exclui ou incluem os itens do Plano Plurianual.

 

 

 

 

5

1.2

Possibilitar o cadastro de programas, com as seguintes informações: situação (em andamento, paralisado ou concluído), objetivo, diagnóstico, fonte de financiamento, gerente responsável e o público alvo

 

 

 

5

1.3

Permitir estabelecer vínculo do programa de governo com: indicadores e índices esperados, e a avaliação do programa.

 

 

 

 

5

1.4

Possibilitar o cadastro das ações para o atendimento dos programas, com as seguintes informações: tipo da ação (projeto/atividade/operações especiais) e seus detalhamentos.

 

 

 

 

5

1.5

Permitir registrar as audiências públicas realizadas para elaboração do PPA, LDO e LOA, bem como as sugestões da sociedade obtidas nas audiências públicas.

 

 

 

 

5

1.6

Possibilitar a avaliação da sugestão e a análise da viabilidade das sugestões obtidas nas audiências públicas.

 

 

 

 

5

1.7

Permitir cadastrar a previsão das transferências financeiras a fundos.

 

 

 

 

5

1.8

Permitir a aplicação das metodologias cadastradas para as receitas e despesas.

 

 

 

 

5

1.9

Cadastrar a programação da receita, possibilitando a identificação de cada fonte de origem.

 

 

 

5

1.10

 Permitir informar as metas físicas e financeiras, com a indicação das fontes de recursos

 

 

 

5

1.11

Permitir distribuir as metas financeiras para os exercícios pertencentes ao Plano Plurianual

 

 

 

5

1.12

Manter o histórico das alterações efetuadas durante a vigência do Plano Plurianual.

 

 

 

 

5

(...)

 

Por sua vez, o Anexo III do edital estabelece as seguintes características e especificações técnicas dos sistemas solicitados:

 

CARACTERÍSTICAS E ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS DOS SISTEMAS SOLICITADOS 1 PLANEJAMENTO (PPA, LDO E LOA)

 

1.1 Manter o cadastro das leis e decretos que aprovam, alteram, exclui ou incluem os itens do Plano Plurianual.

1.2 Possibilitar o cadastro de programas, com as seguintes informações: situação (em andamento, paralisado ou concluído), objetivo, diagnóstico, fonte de financiamento, gerente responsável e o público alvo.

1.3 Permitir estabelecer vínculo do programa de governo com: indicadores e índices esperados, e a avaliação do programa.

1.4 Possibilitar o cadastro das ações para o atendimento dos programas, com as seguintes informações: tipo da ação (projeto/atividade/operações especiais) e seus detalhamentos.

1.5 Permitir registrar as audiências públicas realizadas para elaboração do PPA, LDO e LOA, bem como as sugestões da sociedade obtidas nas audiências públicas.

1.6 Possibilitar a avaliação da sugestão e a análise da viabilidade das sugestões obtidas nas audiências públicas.

1.7 Permitir cadastrar a previsão das transferências financeiras a fundos.

1.8 Permitir a aplicação das metodologias cadastradas para as receitas e despesas.

1.9 Cadastrar a programação da receita, possibilitando a identificação de cada fonte de origem.

1.10 Permitir informar as metas físicas e financeiras, com a indicação das fontes de recursos.

1.11 Permitir distribuir as metas financeiras para os exercícios pertencentes ao Plano Plurianual.

1.12 Manter o histórico das alterações efetuadas durante a vigência do Plano Plurianual.

(...)   

 

Conforme se percebe, os critérios de pontuação técnica do Anexo X indicam, na verdade, especificações mínimas e obrigatórias dos sistemas/softwares licitados no Anexo III do edital. Entretanto, há que se observar que existe diferença entre os conceitos de qualidade mínima e critério técnico de julgamento, conforme preleciona o Prof. Marçal Justen Filho[1]:    

A identificação do objeto licitado pode (deve) envolver características que lhe dão individualidade. Essas peculiaridades podem relacionar-se com circunstâncias técnicas. Não há impedimento a que a Administração determine requisitos de qualidade técnica mínima. Ou seja, a Administração necessita adquirir bens de qualidade mínima. Se necessitar de bens de boa qualidade, basta estabelecer no edital os requisitos mínimos de aceitabilidade dos produtos que serão adquiridos. Em tais hipóteses, o edital deverá conter padrões técnicos de identificação do objeto licitado, o que envolverá a definição da qualidade mínima aceitável. Não se tratará de licitação de melhor técnica ou de técnica e preço, eis que as propostas que não atenderem aos requisitos técnicos mínimos serão desclassificadas. Mas as que preencherem esses requisitos serão classificadas em rigorosa igualdade de condições, saindo vencedora a que tiver menor preço.

Totalmente distinta é a situação em licitação de melhor técnica ou de técnica e preço. Em tais hipóteses, a melhor qualidade técnica da proposta se refletirá em pontuação mais elevada. Logo, quanto melhor a qualidade técnica, tanto mais provável será a vitória da proposta. A classificação final será obtida através de uma ponderação da nota técnica e da nota atinente ao preço.

 

Continua o autor:

 

Uma questão reside em identificar o objeto licitado, estabelecendo (se for o caso) um padrão técnico mínimo, abaixo do qual as propostas serão desclassificadas por desconformidade com as exigências do edital. Outra figura totalmente diversa é a eleição de um certo critério para classificar as propostas, variando sua pontuação em face da elevação da qualidade.

 

Dessa forma, entende-se que assiste razão ao Representante, uma vez que seria descabido, na espécie, o tipo de licitação “técnica e preço”, já que não há aspecto técnico a ser avaliado, pois os critérios de pontuação técnica foram estabelecidos como requisitos mínimos de caráter obrigatório, tornando evidente a possibilidade dos softwares serem licitados pelo critério de menor preço.

 

Os critérios de avaliação técnica inadequados, aliados ao fato de que não há previsão no edital, no sentido de que as propostas que não entenderem as especificações mínimas necessárias aos sistemas licitados, contidas no anexo III do edital, serão desclassificadas, poderão resultar na seleção de uma proposta com qualidade insuficiente para satisfazer as necessidades da Administração.

 

Em face de todo o exposto, conclui-se inadequada a utilização do tipo "técnica e preço", em ofensa ao que dispõem o art. 46, caput e § 3º, da Lei nº 8.666/93, podendo interferir na seleção da proposta mais vantajosa, o que viola o art. 3º da mesma lei.

 

2.2.2. Ilegalidade na obrigatoriedade de visita técnica - restrição conforme inciso I, § 1º, do artigo 3º da Lei nº 8.666/93;

A Representante insurgiu-se contra a exigência de visita técnica como condição de habilitação, referente à qualificação técnica, na Concorrência nº 191/2011, alegando que este Tribunal em diversos julgados teria fixado a ilegalidade da obrigatoriedade de visita técnica no local dos serviços. A Representante cita legislação, doutrina e também colaciona artigo, publicado no livro texto do XIII Ciclo de Estudos de Controle Público da Administração Municipal, em que esta Corte trata do tema.

A referida exigência consta da alínea “e” do item 5.4 do edital:

e) Atestado de vistoria nos locais onde serão executados os serviços, expedido pela Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul, nos moldes do Anexo VII deste edital, de que a empresa licitante recebeu este edital, tomando conhecimento de todas as informações e das condições dos locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação, sendo que os dias de visitas serão: dias 14/07/2011; 26/07/201; 10/08/2011 e 22/08/2011, as 08:15 horas, impreterivelmente, mediante prévio agendamento pelo fone (0**47) 2106-8008 com Sr. Leonardo Haffermann;

 

e.1) Após as 08:15 horas do dia 22108/2011 as visitas estarão suspensas.

A comprovação de que o licitante conhece as condições do local de execução do objeto está prevista no artigo 30, inciso III, da Lei Federal nº 8.666/93, que elenca a documentação relativa à qualificação técnica. O referido artigo dispõe que: 

Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: 

(...) 

III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação; 

No exercício de sua discricionariedade, o gestor público fará constar do edital todas as exigências que entender necessárias à satisfação do interesse coletivo. 

Porém, em atendimento aos ditames constitucionais e aos princípios da licitação, essas exigências não podem ser abusivas, desnecessárias ou desproporcionais ao objeto do contrato. Ao contrário, devem ser definidas na exata medida para não seja prejudicado o caráter competitivo do certame.

Qualquer previsão que extrapole a real necessidade poderá vir em prejuízo da competitividade e isonomia, além de comprometer a obtenção da proposta mais vantajosa. 

Dessa forma, a exigência de atestado de visita ao local dos serviços como forma de demonstração da qualificação técnica do licitante deve estar acompanhada de justificativa, indicando quais as especificidades do objeto que levam a tal providência. 

De modo diverso a previsão se torna limitadora, nos termos da vedação do inciso I, §1º, do artigo 3º, da Lei Federal nº 8.666/93, podendo causar prejuízo à competitividade, sem acarretar qualquer benesse necessária à Administração. 

Por essa razão, a jurisprudência desta Corte tem considerado irregular a exigência de visita técnica obrigatória, sem justificativas, a exemplo da Decisão nº: 1133/2011, proferida no Processo nº: ELC-11/00079308 (Apensado ao Processo nº REP-11/00021059):

 

6. Decisão nº: 1133/2011

 

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59, c/c o art. 113 da Constituição Estadual, 1º da Lei Complementar n. 202/2000 e 6º da Instrução Normativa n. TC-05/2008, decide:

 

6.1. Conhecer do Edital de Concorrência n. 080/2010, de 02/12/2010, da Prefeitura Municipal de Rio do Sul, cujo objeto é locação de equipamentos de monitoramento eletrônico de trânsito e de captura, registro e disponibilização de imagem e dados capazes de evidenciar infrações de trânsito, com valor máximo previsto de R$ 2.870.400,00, e arguir as ilegalidades abaixo descritas, apontadas pelo Órgão Instrutivo no Relatório de Instrução DLC nº 186/2011:

(...)

6.1.8. Exigência de visita técnica obrigatória, sem justificativas, em desacordo com o disposto no inciso I do §1º do art. 3º da Lei nº 8.666/93 (item 2.5 do Relatório DLC);

 

Além disso, há que se ressaltar que a vistoria obrigatória possibilita o conhecimento prévio dos participantes, o que facilita possíveis fraudes na licitação. O fator surpresa é um importante aliado da Administração no caminho de garantir certames nos quais haja efetiva disputa e obtenção da proposta mais vantajosa. Nesse sentido, cabe trazer à baila trecho do artigo referente à visita técnica, publicado no livro texto do XIII Ciclo de Estudos de Controle Público da Administração Pública Municipal do TCE/SC[2]

Ao se obrigar a visita, incluindo ainda horários e dias específicos, a Administração criará uma provável situação em que as empresas potenciais proponentes conheçam-se e possam definir, entre elas, o vencedor da licitação. 

Nesse sentido têm-se os Acórdãos nº 1.174/2008 e 2.150/2008 do Tribunal de Contas da União, como segue:

“...extrapola tal preceito o requisito de que o próprio profissional a ser indicado na licitação como responsável técnico da obra deva ser o credenciado para a vistoria‟. Além disso, „não se mostra razoável e não encontra abrigo na legislação o estabelecimento de vistoria no mesmo dia e horário para todos os credenciados, uma vez que esse procedimento, além de restringir a participação dos interessados, possibilita a ocorrência de ajustes entre os futuros licitantes. ‟

[...] 

...abstenha-se de estabelecer, em licitações que venham a contar com recursos federais, cláusulas impondo a obrigatoriedade de comparecimento ao local das obras [...], sendo suficiente a declaração do licitante de que conhece as condições locais para a execução do objeto.

 

Em face de todo o exposto, conclui-se que a exigência de realização de vistoria técnica obrigatória pelos licitantes só se admite para os casos onde haja imprescindibilidade devidamente justificada, o que não se verifica no caso.    

 

2.3. Pressupostos para a concessão da tutela cautelar:  

 

O fundamento para a concessão de medida cautelar por esta Corte de Contas está presente no §3º do art. 3º, c/c o art. 13 da Instrução Normativa TC-05/2008, que tem a seguinte redação:  

      

Art. 3º (...) 

§3º Em caso de urgência, havendo fundada ameaça de grave lesão ao erário ou a direito dos licitantes, bem como para assegurar a eficácia da decisão de mérito, mediante requerimento fundamentado do órgão de controle, ou por iniciativa própria, o Relator, sem a prévia manifestação do fiscalizado, interessado, ou do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, determinará, através de despacho singular, à autoridade competente a sustação do procedimento licitatório até manifestação ulterior que revogue a medida ex officio, ou até a deliberação pelo Tribunal Pleno.  

 

Art. 13. As disposições dos arts. 3°, §3°, e 5° ao 8° desta Instrução Normativa aplicam-se, no que couber, aos processos de Representação contra Edital de Concorrência e de Pregão fundadas no § 1° do art. 113 da Lei n. 8.666/93.  

 

Os pressupostos para a concessão de tutela cautelar são comumente caracterizados como periculum in mora e fumus boni iuris. Ou seja, há necessidade de comprovação de direito a ser defendido e comprovação de que a sua defesa depende da agilidade de uma decisão a ser proferida de forma rápida.

 

O fumus boni iuris resta demonstrado na análise empreendida nos itens 2.2.1 e 2.2.2 desta instrução, consistente na ofensa ao artigo art. 46, caput e § 3º da Lei nº 8.666/93, c/c o art. 3º da mesma lei.

 

O periculum in mora também está configurado, pois a suspensão da licitação, pela própria Administração, não impede a sua reabertura e, caso não adotada providência cautelar para suspensão da realização da referida reabertura, é possível que os danos advindos da contratação, assim como os danos aos direitos dos licitantes se consumem antes da submissão da matéria ao E. Tribunal Pleno.

 

3. CONCLUSÃO

 

Considerando a verossimilhança da irregularidade apontada no item 2.2 do presente relatório, caracterizando o fumus boni iuris; 

 

Considerando que a suspensão do andamento do certame, pela própria Administração, não impede a sua reabertura a qualquer momento, ou seja, antes de serem analisadas, durante a instrução, todas as questões ora suscitadas, configurando o periculum in mora; 

 

Considerando que o exame para fins de providência cautelar não é pleno, restando outros pontos para serem analisados em instrução posterior.

 

Diante do exposto, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações sugere ao Exmo. Sr. Relator:

 

3.1. Conhecer da Representação, por preencher os requisitos dos arts. 66 c/c 65, § 1º, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, bem como do art. 100 e seguintes do Regimento Interno (Resolução nº TC 06, de 28 de dezembro de 2001), alterado pela Resolução nº TC-05, de 29 de agosto de 2005.

 

3.2. Determinar, cautelarmente, à  Sra. Cecília Konell, Prefeita Municipal de Jaraguá do Sul, com  fundamento no art. 3º, §3º, c/c art. 13 da Instrução Normativa nº TC-05, de 1º de setembro de 2008, a sustação do  procedimento licitatório até manifestação ulterior que revogue a medida ex ofício, ou até a deliberação pelo Egrégio Tribunal Pleno, bem como a comprovação das providências a esta Corte de Contas, em face das seguintes irregularidades:

 

3.2.1. Inadequada utilização do tipo "técnica e preço", em ofensa ao que dispõem o art. 46, caput e § 3º, da Lei nº 8.666/93, podendo interferir na seleção da proposta mais vantajosa, o que viola o art. 3º da mesma lei, (item  2.2.1 deste Relatório).

 

3.2.2. Exigência de visita técnica obrigatória, sem justificativas, em desacordo com o disposto no inciso I do §1º do art. 3º da Lei nº 8.666/93, (item 2.2.2 deste Relatório);

         

3.3. Dar ciência da Decisão, ao(à) Sr.(a) Guilherme Kaastrup Balsini, à Sra. Cecília Konell e à Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul, assim como ao Controle Interno e à Assessoria Jurídica.

 

É o Relatório.

Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, em 09 de setembro de 2011.

 

 ANTONIO CARLOS BOSCARDIN FILHO

AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

De acordo:

 

 DENISE REGINA STRUECKER

CHEFE DA DIVISÃO

 

FLAVIA LETICIA FERNANDES BAESSO MARTINS

COORDENADORA

 

Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall.

 

 PEDRO JORGE ROCHA DE OLIVEIRA

DIRETOR



[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos.11.ed. São Paulo: Dialética, 2005.p. 436 a 440. 

[2] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas. Ciclo de Estudos de Controle Público da Administração

Municipal.13- Florianópolis: Tribunal de Contas, 2011.