PROCESSO Nº:

CON-11/00256366

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de Concórdia

INTERESSADO:

João Girardi

ASSUNTO:

Contribuições repassadas a Associações Municipais com dívidas junto ao Sistema de Seguridade Social

PARECER Nº:

COG - 374/2011

 

 

Associações municipais. Repasses financeiros. Débitos com a seguridade social.

A vedação constitucional contida no art. 195, §3º, da CR, não abrange o vínculo existente entre os Municípios e suas respectivas Associações.

 

 

Sr. Consultor,

 

1. INTRODUÇÃO

 

 

Trata-se de Consulta sobre repasse de Contribuições a Associações Municipais com dívidas junto ao Sistema de Seguridade Social.

 

A Consultoria Geral se pronunciou, inicialmente, pelo não conhecimento da presente consulta por se tratar de repetição de consulta não conhecida pela caracterização de caso concreto.

 

Diferentemente da consulta anterior (CON11/00167851), esta não veio acompanhada pelo parecer jurídico que afirmava qual era a Associação, bem como os motivos pelo qual se deveria entender ser caso excepcional.

 

1.1. Reflexões sobre caso concreto em consulta:

 

Um dos mecanismos de atuação do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina é o procedimento de Consulta, segundo o qual os legitimados – titulares dos Poderes; Secretários de Estado; Procurador Geral de Justiça; Procurador Geral do Estado; membros do Poder Legislativo; dirigentes da Administração Indireta; Prefeitos; Presidentes de Câmaras Municipais – formulam questionamentos de natureza interpretativa do direito em tese, suscitadas na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de competência do Tribunal.

 

Para que o TCE se pronuncie sobre a indagação, necessário se faz o cumprimento de determinados requisitos, quais sejam: a consulta deverá se referir à matéria de competência do Tribunal; versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese; ser subscrita por autoridade competente; conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada; ser instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, se existente.

 

Especificamente sobre o requisito “interpretação de lei ou questão formulada em tese”, este visa que o instituto da Consulta sirva para demonstrar o posicionamento do Tribunal sobre determinado tema e, com isso, forneça parâmetros aos jurisdicionados em sua atuação.

 

Para tanto, questionamentos que se afigurem casos específicos não devem ser respondidos, sob pena de ocorrer o desvirtuamento do procedimento, ou, nas palavras do Auditor Gerson Sicca “poderia fazer com que esta Corte se tornasse um verdadeiro setor de emissão de pareceres para a Administração Pública. Nesse cenário, o administrador, ao invés de aparelhar seu setor jurídico, tomaria o fácil caminho de enviar todas as suas dúvidas para o Tribunal, que passaria, assim, a lhe prestar atividade de assessoramento jurídico” (CON 07/00391193).

 

Nesse sentido, antes de se responder a uma Consulta, a Consultoria Geral (COG) deve buscar todas as cautelas necessárias para verificar que efetivamente se trata de questionamento em tese e não de caso concreto.

 

Em tal análise efetuada pela COG, busca-se analisar as indagações formuladas pelo consulente, bem como análise do parecer jurídico que a deve acompanhar e demais documentos juntados. Nesse sentido, cabe trazer alguns exemplos mais polêmicos em que a consulta não tem sido conhecida por tal requisito.

1) Caso uma consulta seja formulada citando a entidade ou pessoa envolvida, esta não será conhecida; também não será conhecida se o Consulente ingressar com nova consulta sobre o mesmo caso, mas sem citar as pessoas envolvidas. Tal hipótese se verifica no processo CON-10/00457904 (reiteração do processo CON 09/00138912).

 

2) Caso em decisão Plenária a consulta não seja conhecida por haver no parecer jurídico a configuração de que se trata de caso concreto, a reiteração da consulta sem o parecer jurídico, da mesma forma, a COG se manifesta pela impossibilidade de se conhecer, pois já se afigura possível o conhecimento do caso concreto a ser analisado.

 

É o caso dos presentes autos. Conforme cópia do parecer jurídico anexo, trata-se de consulta formulada em favor da Associação dos Municípios do Alto Uruguai – AMAUC. Tal pretensão não é hábil a se tornar prejulgado, especificamente pelas circunstâncias que envolvem o caso concreto e que já são de conhecimento desta Corte, quais sejam:

 

Conforme se constatou, a entidade não obtém a referida certidão em função de valores que estão sendo discutidos judicialmente. Ou seja, a matéria está sub judice. Além disso, foi informado que o pagamento vinha sendo efetuado mediante termo de parcelamento o qual foi suspenso por parte da Fazenda da União.

(...)

Além do mais, o não repasse acabará por inviabilizar o pagamento de forma parcelada da dívida do INSS pela AMAUC, tornando-se contraditório com o próprio objetivo da garantia tributária em apreço.[1]

 

3) Outra situação comumente verificada é no sentido de se buscar informações extra-autos, em outros procedimentos que estão em andamento no Tribunal para a configuração do caso concreto.

 

Tal posicionamento é defensável no sentido em que pode o gestor formular consulta para tentar se eximir de auditorias em andamento no órgão, visando posicionamentos contraditórios entre as diferentes diretorias que irão analisar os fatos, mas por procedimentos com ritos diversos. Tal hipótese se verifica nos processos CON-10/00070660; CON 10/00070660 e CON 10/00585902.

 

Diante de tal contexto é que se justifica o rigor na análise das consultas formuladas pelos legitimados, notadamente pelo fato de tal análise se constituir, pela aprovação de 2/3 dos membros do Plenário, em prejulgado, possuindo caráter normativo e que será aplicado sempre que invocado no exame processual.

 

Ademais, nos termos do artigo 59, XII, da Constituição Estadual [2], e do artigo 103 do Regimento Interno deste Tribunal [3], o Plenário somente possui competência para decidir sobre consultas quanto a dúvidas de natureza interpretativa de lei ou questões formuladas em tese. Na hipótese de responder consultas formuladas com base em casos concretos, estaria a Corte avocando atribuições que não lhe foram conferidas constitucionalmente.

 

Discordando do posicionamento apresentado pela COG, o Relator, por meio do despacho de fls. 11-13, entendeu que a presente consulta cumpre os requisitos de admissibilidade e determinou a remessa dos presentes autos a esta Consultoria para análise de mérito.

 

É o breve relatório.

 

 

2. ANÁLISE

 

Caso o Relator entenda que não se afigura caso concreto, ad argumentandum, passa-se a análise do questionamento da primeira indagação formulada pelo Consulente. Salienta-se da impossibilidade de se responder ao segundo questionamento, sob pena de se inviabilizar futura análise pela equipe técnica competente.

 

O consulente apresenta consulta nos seguintes termos:

 

Com base no arts. 103 e 104 da Resolução nº TC-06/2001, formulamos consulta a esse egrégio Tribunal, com o seguinte teor:

 

- a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 195, §3º determina que: “A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o poder público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”;

- a Decisão Normativa nº TC-06/2008, que estabeleceu critérios para o julgamento das contas anuais dos administradores municipais, em seu Anexo II, item A.6, definiu ser de Ordem Constitucional Despesas realizadas com base em contrato firmado com pessoas jurídicas em débito com a previdência social (CF, art. 195, §3º).

 

Questionamos:

 

1 – As Associações de Municípios, que recebem contribuições mensais dos Municípios de seu território de abrangência, também estão sujeitas a aplicação deste mandamento constitucional?

2 – Na hipótese dos Municípios repassarem contribuições a estas entidades representativas em débito com o INSS, o Administrador Municipal, quando do julgamento de suas contas anuais poderá ter o apontamento de Restrição Constitucional e, ainda, estar sujeito a possível aplicação de multa?

 

Sobre a norma Constitucional citada, vale colacionar os prejulgados desta Corte de Contas que vedam a contratação com pessoa jurídica em débito com o Sistema de Seguridade Social – ressalta-se que o mesmo posicionamento pode ser aplicável tanto para contratações, como para o recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios:

 

Prejulgado 0489:

 

Para as contratações com pessoas jurídicas, ainda que decorrentes da modalidade convite, deve a administração pública, consoante dispõe o § 3° do artigo 195 da CF, exigir Certidão Negativa de Débito com o INSS, bem como com o FGTS, nos termos das Leis Federais n°s. 8.212, de 24.07.91 (artigo 95) e 8.036, de 11.05.90 (artigo 27).

 

Prejulgado 0264:

 

A norma do § 1° do artigo 32 da Lei Federal n° 8.666/93, faculta ao Administrador a dispensa de apresentação, no todo ou em parte, da documentação de habilitação de que tratam os artigos 28 a 31, da mesma Lei, quando na modalidade de convite, concurso, leilão, e na hipótese de fornecimento de bens para pronta entrega, estando portanto sujeito tão somente a sua discricionariedade, o uso dessa faculdade, estabelecendo em cada caso qual a documentação exigida ou dispensada. Não se inclui nessa faculdade a exigência das Certidões Negativas de Débito com a Seguridade Social (INSS), e o FGTS, nos termos das Leis Federais n° 8.212/91 (artigo 95) e 8.036/90 (artigo 27), as quais devem ser apresentadas de acordo com a decisão do Tribunal de Contas, com caráter normativo, no Processo nº C-04102/33, exarada em sessão do Tribunal Pleno de 19 de abril de 1993, que deve ser observada integralmente pelas Unidades Administrativas.

 

Prejulgado 1622:

 

1. Nos editais de licitação deve ser exigida a comprovação da regularidade fiscal para com a Fazenda Municipal, Fazenda Estadual, Seguridade Social, FGTS e Fazenda Federal (Certidão Negativa de Débitos e Contribuições Federais e Certidão Negativa de Débitos da Dívida Ativa da União), em observância à Constituição Federal (art. 195, §3º), à Lei Federal nº 8.666/93 (art. 29, incisos III e IV), à Lei nº 8.036/90 (art. 27, "a"), à Lei nº 9.012/95 (art. 2°), à Lei nº 8.212/91 (art. 47) e ao Decreto-lei nº 147/67 (art. 62).

 

 

2. A Certidão Negativa de Débitos e Contribuições Federais, expedida pela Receita Federal, e a Certidão Negativa de Débitos da Dívida Ativa da União, emitida pela Procuradoria da Fazenda Nacional, não se excluem, mas se complementam, motivo pelo qual a não-apresentação de qualquer uma delas implica inabilitação do licitante, sendo suas apresentações necessárias ainda que não expressamente conste do edital.

3. A verificação da regularidade da documentação também deve ser efetuada mensalmente durante a execução do contrato, sobretudo em relação ao recolhimento de Contribuições Sociais (INSS) e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS para evitar uma possível responsabilidade subsidiária de órgão ou entidade da Administração caso ocorra o não-recolhimento por parte da prestadora dos serviços.

 

Necessária se faz a análise da abrangência do comando constitucional para o caso em tela e se ele se aplica às Associações de Municípios. O dispositivo Constitucional veda a contratação ou a concessão de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios a pessoas jurídicas em débito com a seguridade social.

 

Nesse sentido o vínculo jurídico estabelecido entre os Municípios e as respectivas Associações de Municípios não se afigura benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, da mesma forma não se verifica a existência de vínculo contratual.

 

Para os benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, pode-se interpretar como sendo aqueles em que o art. 150, §6º, da Constituição da República exige a elaboração de lei específica para que sejam concedidos. Portanto, são os seguintes os benefícios ou incentivos fiscais: subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições.

 

O entendimento de que não se verifica a existência de vínculo contratual se dá pela interpretação conjunta dos artigos 2º, parágrafo único da Lei 8.666/93 e do artigo 53 parágrafo único do Código Civil, que possuem a seguinte redação:

 

Lei 8.666/93:

 

Art.2o (...)

 

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada. (g.n.)

 

 

Código Civil:

 

Art. 53 Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.

 

Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.

 

Portanto, a vedação constitucional contida no art. 195, §3º, da CR, não abrange o vínculo existente entre os Municípios e suas respectivas Associações.

 

 

3. CONCLUSÃO

 

 

Considerando que o Relator, por meio do despacho de fls. 11-13, determinou que a presente consulta cumpre os requisitos de admissibilidade.

 

Diante do exposto, a Consultoria Geral emite o presente Parecer no sentido de que o Auditor Cleber Muniz Gavi proponha ao Egrégio Tribunal Pleno decidir por:

 

3.1. Responder à Consulta nos seguintes termos:

 

3.1.1. A vedação constitucional contida no art. 195, §3º, da CR, não abrange o vínculo existente entre os Municípios e suas respectivas Associações;

 

3.2. Dar ciência da Decisão, do Parecer da Consultoria Geral ao Sr. João Girardi e à Prefeitura Municipal de Concórdia.

 

Consultoria Geral, em 27 de setembro de 2011.

 

 

 

 GEORGE BRASIL PASCHOAL PÍTSICA

AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

De acordo:

 

 

 ADRIANA REGINA DIAS CARDOSO

COORDENADORA, em exercício

 

Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator AUDITOR CLEBER MUNIZ GAVI, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 

 

 HAMILTON HOBUS HOEMKE

CONSULTOR GERAL



[1] Conforme parecer jurídico nº 33/2011, exarado no processo COM 11/00167851.

[2] Art. 59. O controle externo, a cargo da Assembléia Legislativa, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete:

[...]

XII - responder a consultas sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese, relativas a matéria sujeita a sua fiscalização.

 

[3] Art. 103. O Plenário decidirá sobre consultas quanto a dúvidas de natureza interpretativa do direito em tese, suscitadas na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de competência do Tribunal, formuladas:

[...]