PROCESSO Nº:

REP-11/00505927

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de Itapema

RESPONSÁVEIS:

Clóvis José da Rocha e Sabino Bussanello

INTERESSADOS:

Mauro Hercílio da Silva e Rodrigo Costa

ASSUNTO:

Irregularidades na aplicação de recursos oriundos de licitação/contrato de concessão do serviço público de transporte urbano coletivo

RELATÓRIO DE INSTRUÇÃO:

DLC - 650/2011

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Trata-se de Representação, protocolada em 08 de setembro de 2011, juntada às folhas 02 a 08, subscrita pelo Sr. Rodrigo Costa e pelo Sr. Mauro Hercílio da Silva – Vereadores do município de Itapema/SC, com fundamento no §1º do artigo 113 da Lei Federal nº 8.666/93, comunicando supostas irregularidades na aplicação de recursos oriundos de licitação/contrato de concessão do serviço público de transporte urbano coletivo.

 

Apuram-se as seguintes informações sobre o ato:

 

QUADRO 1: IDENTIFICAÇÃO DO ATO

Ato

Informações

Fls.

 

1

Contrato nº 160/2005

 

 

 

14/17

Contratante:

Prefeitura Municipal de Itapema

Representado pelo Sr. Clovis José da Rocha – Prefeito Municipal

Contratada:

Viação Praiana Ltda.

Representado pelo Sr. João Fernando Kracik – Diretor Executivo

Data da assinatura:

28 de dezembro de 2005

Objeto:

Concessão do serviço público de transporte urbano coletivo

Período:

25 anos

Valor:

R$1.356.000,00

1.1

Concorrência Pública

Nº 001/2005

45/57

Lançado em

04 de maio de 2005

Tipo:

Maior oferta

Abertura para

16 de junho de 2005

Valor mínimo:

R$1.100.000,00

Fonte: documento juntado pelo representante, fls. 14/17 e pela Instrução, fls. 45/57

 

 

2. ANÁLISE

 

2.1. Admissibilidade

 

Conforme o § 1º do art. 113 da Lei Federal nº 8.666/93, qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.

Art. 113. O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto.

§ 1º Qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação desta Lei, para os fins do disposto neste artigo.

 

Na mesma linha o art. 65 c/c parágrafo único do art. 66 da Lei Complementar Estadual nº 202/00 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas de Santa Catarina) que prescreve:

Art. 65. Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades perante o Tribunal de Contas do Estado.

Art. 66. Serão recepcionados pelo Tribunal como representação os expedientes formulados por agentes públicos comunicando a ocorrência de irregularidades de que tenham conhecimento em virtude do exercício do cargo, emprego ou função, bem como os expedientes de outras origens que devam revestir-se dessa forma, por força de lei específica.

Parágrafo único. Aplicam-se à representação as normas relativas à denúncia.

 

Ainda, o art. 2º da Resolução nº TC-07/2002 do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina prevê quais são os requisitos indispensáveis que devem estar presentes na representação para que ela possa ser admitida.

Art. 2º São requisitos de admissibilidade da Representação:

I – ser endereçada ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, em petição contendo:

a) a indicação do ato ou do procedimento administrativo considerado ilegal, bem como do órgão ou entidade responsável pela irregularidade apontada;

b) a descrição clara, objetiva e idônea dos fatos e das irregularidades objeto da Representação, juntando conforme o caso, documentos de sustentação apropriados;

c) o nome e o número da Carteira de Identidade, se pessoa física, ou do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ, se pessoa jurídica, o endereço e assinatura do signatário da Representação;

d) a comprovação da habilitação legal em caso do signatário ser procurador regularmente constituído ou dirigente de pessoa jurídica.

II – referir-se à licitação, contrato, convênio, acordo ou outro instrumento congênere de que seja parte entidade ou órgão sujeitos à jurisdição do Tribunal.

 

No caso em tela, verifica-se que a Representação versa sobre matéria sujeita à apreciação do Tribunal de Contas, decorrente de atos praticados no âmbito da Administração Pública; com possível infração a norma legal; refere-se à responsável sujeito à sua jurisdição; está redigida em linguagem clara e objetiva; está acompanhada de indício de prova e contêm o nome legível e assinatura do representante, sua qualificação e endereço.

 

Portanto, considera-se que foram atendidos os requisitos necessários a apreciação desta Corte de Contas previstos na Resolução nº 07/02 do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.

 

 

2.2. Do item questionado

 

O teor da representação trazida a esta Corte de Contas, está descrito, às fls. 03 a 08, nos seguintes termos:

1. A Concorrência 001/005 teve como vencedora a empresa Viação Praiana Ltda. pelo valor de RS 1.356.000,00 (hum milhão trezentos e cinquenta e seis mil reais), que foi devidamente integralizado ao erário com uma entrada de R$ 271.200.00 (duzentos e setenta e um mil e duzentos reais), pagos em 28/12/2005, sendo o saldo remanescente acordado em 10 parcelas iguais de R$ 108.480,00 (cento e oito mil quatrocentos e oitenta reais), cujo primeiro pagamento ocorreu em 27/01/06 e o última em 27/10/2006.

Trata-se na espécie de outorga concedida através do maior oferta, algo repelido, smj, por este E. Tribunal, tendo em vista, a utilização do tipo "menor tarifa".

DA VINCULAÇÃO DOS VALORES DA CONCESSÃO

Importante ressaltar a existência da vinculação do montante arrecadado por força da Concessão, bem evidenciado no Decreto 51/05, precisamente no Art. 11, §3° que diz:

[...]

11- No julgamento da licitação será considerado o seguinte critério:

[...]

§ 3° - Os pontos de ônibus exigidos pela lei municipal n. 2180/04 serão construídos pelo município, utilizando-se dos recursos obtidos com a concessão.

[...]

Portanto, todo o valor pago pela Concessionária deveria ter sido utilizado exclusivamente, para a construção dos abrigos e pontos. Neste ponto Excelência, paira a obscuridade da aplicação da verba em comento já que aconteceram retiradas, tanto pelo ex-Prefeito Clovis José da Rocha como do atual Prefeito Sabino Bussanello, antes da edificação dos pontos de ônibus, as quais devem ser investigadas, o que desde já respeitosamente requeremos.

DO SALDO BANCÁRIO

Conforme extratos bancários em anexo, constatamos que o saldo da conta 24821006/00.000.040-6, em nome de PMI CONCORRÊNCIA PÚBLICA, referente a Concorrência Pública 001105, até 31/05/2006, as 05 (cinco) primeiras parcelas num total de R$ 542.401,00 (quinhentos e quarenta e dois mil e quatrocentos e um reais). O valor inicialmente depositado de R$ 271.200,00 (duzentos e setenta e um mil e duzentos reais) já havia sido retirado da conta, sem qualquer vinculação com os abrigos aparentemente.

No entanto, durante o mês de junho/2006, ocorreram dois saques, nos valores de R$ 260.000,00 (duzentos e sessenta mil reais) e de R$ 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil reais) cuja finalidade desconhecemos já que à época, nenhum novo abrigo fora construído. Assim, a disponibilidade passou para RS 215.881,00 (duzentos e quinze mil oitocentos e oitenta e um reais).

A partir do julho de 2006, mês em que o Sr, Sabino Bussanello assumiu a chefia do Poder Executivo em virtude da cassação de Clóvis José da Rocha, aconteceram saques mensais tendo em disponibilidade em 2710912.006 somente o valor depositado pela Concessionária referente a parcela do mês, ou seja, R$ 108.480.00 (cento e oito mil quatrocentos e oitenta reais).          

Estranhamente, no dia 27 de outubro de 2006 houve o depósito da última parcela, porém em 30 de outubro de 2006 acontecem novos saques, num montante de R$ 7.951,50 (sete mil novecentos e cinquenta e um reais e cinquenta centavos) seguido de um depósito no dia seguinte (31/10/2006) no montante de RS 7.951,48 (sete mil novecentos e cinquenta e um reais e quarenta e oito centavos). Operação que se não ilegal, pelo menos estranha uma vez que se trata de verba dita "carimbada”, ou seja, com destino específico para a edificação das paradas de ônibus existentes no município, conforme Decreto 05/105.

Há que ser destacado ter ocorrido o último pagamento da Concessionária no dia 27/10/2006 e que o saldo disponível à época era de R$ 216.980,28 (duzentos dezesseis mil novecentos e oitenta reais e vinte e oito centavos).

Durante o mês de novembro 2006 foram realizados 04 (quatro) depósitos de R$ 20,00 (vinte reais) e um saque de R$ 217.000,00 (duzentos e dezessete mil reais), restando um saldo de R$ 60,28 (sessenta reais e vinte e oito centavos) que no mês de dezembro foi utilizado para recolhimento sobre CPMF.

Para que a conta não fosse encerrada, nos dias 21/12 e 26/12/2006 restaram depositados R$ 40,00, sendo este o saldo disponível em 31/12/2006.

Tudo estaria correto se os abrigos tivessem sido construídos, mas como não foram, pelo menos no período dos saques, certamente necessário se faz uma averiguação das razões do uso da verba que deveria estar depositada na integralidade. Fato que, desde já respeitosamente, se requer seja averiguado.

DO OFÍCIO 096/CA13/2007

Em razão do conhecimento do OFÍCIO 096/GAB/2007- na forma de resposta ao então Presidente da Câmara de Vereadores, Sr. Justino Silva Junior, datado em 21 de março de 2007, resultante do Requerimento 004/2007, de 06/02/2007, obtivemos a informação do Sr. Sabino Bussanello de que "as quatro últimas parcelas foram recebidas pelo atual governo, e o valor de RS 433.920,00 (quatrocentos e trinta e três mil novecentos e vinte reais) está depositado em conta do Município, à disposição para a construção dos abrigos."

Apesar de haver uma confissão real na folha 02 do oficio (OBS 1), ou seja, a declaração de que os abrigos serão construídos, há uma grande falácia na justificativa do Prefeito Sabino quando diz que há um saldo depositado em montante expressivo quando, na realidade, em 31/12/2006 os extratos demonstram a existência de parcos R$ 40,00 (quarenta reais). Se em março de 2007 estava depositado o valor referido, como explicar o saldo quase zerado em 31/122006.

Continuando, o Senhor Prefeito Sabino Bussanello, no item "c" do oficio em questão, reafirma mais uma vez a existência em conta bancária num total de R$ 433.920,00 (quatrocentos e trinta e três mil novecentos e vinte reais) como confirma, no item "d" que "está sendo realizado um cronograma para a aplicação dos valores depositados, pelo que nos comprometemos em enviar a esta casa, tão logo esteja concluído". Portanto, nobres Conselheiros, mais uma confissão de que até a data do ofício (21/03/20007) nenhum abrigo fora construído!

Portanto, nada mais justo do que o conhecimento por este E. Tribunal sobre as informações desencontradas do Sr. Sabino Bussanello visto que em 31/12/2006, na conta bancária inerente aos valores pagos pela Concessionária, restava depositado o montante de R$40,00 (quarenta reais) deixando a suspeita de que o numerário que circulou pela referida conta durante o ano de 2006, ter sido utilizado em outros fins, tanto pelo Ex-Prefeito Clóvis José da Rocha como pelo atual Prefeito Sabino Bussanello, eis que não construídos os abrigos á época dos saques efetuados.

Se assim ocorreu, foi transgredido pelo menos o art. Art. 10, III do decreto Lei 201/67 que tipifica como crime de responsabilidade do Prefeito Municipal, desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas.

 

Os representantes informaram que o valor de R$ 1.356.000,00 (hum milhão trezentos e cinquenta e seis mil reais), valor pago pela outorga pela empresa – Viação Praiana Ltda. – vencedora do processo de concessão de serviço do serviço público de transporte coletivo de passageiros - não foi aplicado na construção de pontos de ônibus, contrariando o disposto no §3° do artigo 11 do Decreto Municipal nº 051/05 de Itapema que prescreveu: 

11- No julgamento da licitação será considerado o seguinte critério:

[...]

§ 3° - Os pontos de ônibus exigidos pela lei municipal n. 2180/04 serão construídos pelo município, utilizando-se dos recursos obtidos com a concessão.

[...].

 

Segue levantamento da movimentação bancária:

QUADRO 2: LEVANTAMENTO DO MOVIMENTO DA CONTA Nº 040-6 / AG. 2482 DA CEF

Data

Crédito / Débito

(R$)

Valor debitado

(R$)

Responsabilidade

26/12/05

135.600,00

C

 

 

28/12/05

135.600,00

C

 

 

 

271.200,00

D

 

 

27/01/06

108.480,00

C

 

 

24/02/06

51.390,77

C

 

 

 

56.107,98

C

 

 

 

982,25

C

 

 

27/03/06

108.480,00

C

 

 

28/04/06

108.480,00

C

 

 

29/05/06

108.480,00

C

 

 

xx/06/06

260.000,00

D

 

 

xx/06/06

175.000,00

D

 

 

xx/06/06

108.480,00

C

 

 

04/07/06

55.000,00

D

 

 

07/07/06

50.000,00

D

811.200,00

Clóvis José da Rocha

28/07/06

58.310,00

C

 

 

 

49.980,00

C

 

 

 

190,00

C

 

 

28/08/06

108.480,00

C

 

 

30/08/06

175.000,00

D

 

 

 

192,50

D

 

 

14/09/06

152.648,50

D

 

 

27/09/06

108.480,00

C

 

 

05/10/06

20,00

C

 

 

27/10/06

47.645,48

C

 

 

 

58.761,27

C

 

 

 

1.623,25

C

 

 

 

450,00

C

 

 

 

7.425,00

D

 

 

30/10/06

526,5

D

 

 

31/10/06

40,00

C

 

 

 

7.911,78

C

 

 

09/11/06

20,00

C

 

 

 

20,00

C

 

 

 

20,00

C

 

 

14/11/06

20,00

C

 

 

27/11/06

217.000,00

D

 

 

19/12/06

60,28

D

 

 

21/12/06

20,00

C

 

 

26/12/06

20,00

C

552.852,78

Sabino Bussanello

Saldo

40,00

 

 

 

Fonte: extratos juntados pelos representantes, às fls. 20/22

Obs.: xx – data não legível

 

Segundo o quadro acima, na gestão do Sr. Clóvis José da Rocha, foi sacado o montante de R$ 811.200,00 e na gestão do Sr. Sabino Bussanello o montante R$ 552.852,78 da conta.

 

Os representantes informaram que os gestores aplicaram o valor da outorga da concessão em despesas diversas e estranhas, assim como segundo os mesmos “nenhum abrigo fora construído” com esses recursos.

 

A Unidade adotou o tipo de licitação “maior oferta pela outorga da concessão no Edital de Concorrência nº 001/2005, lançado em 04 de maio de 2005, com base no inciso II do artigo 15 da Lei Federal nº 8.987/95 que prescreve:

Art. 15. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios: (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)

[...]

II - a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)

[...] (grifou-se)

 

Maria Sylvia Zanella Di Pietro fez esses comentários quanto ao tipo de licitação que envolve o pagamento de outorga:

4.7.1 Objetivo de lucro pelo poder concedente

Existem algumas características que tradicionalmente são apontadas como próprias do serviço público: trata-se de atividade que o Estado assume, com ou sem exclusividade; a atividade é assumida pelo Estado precisamente porque ela é considerada essencial para a coletividade, não sendo conveniente que sua prestação fique dependente da iniciativa privada; exatamente por isso, a atividade é prestada sob regime jurídico de direito público. Esse regime impõe a observância, entre outros, dos princípios da continuidade, da mutabilidade do regime jurídico (para adaptação aos interesses públicos, sempre dinâmicos) da igualdade.

Precisamente pelo interesse público envolvido, a idéia de lucro por parte do Estado fica afastada. O Estado, pela essencialidade do serviço, é obrigado a prestá-lo ainda que com prejuízo e, em certos casos, gratuitamente, como ocorre com os serviços sociais do Estado.

Quando o serviço é prestado pelo particular, mediante concessão ou permissão, todas essas características permanecem: o serviço continua sob titularidade do Estado; o particular o executa segundo normas regulamentares prévia e unilateralmente fixadas pelo poder público; os princípios da continuidade, mutabilidade e igualdade continuam a ser impostos; a consecução do interesse público continua a colocar-se como meta. Não é por outra razão que o art. 64 da Lei ns 8.987 coloca como pressuposto da concessão a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, assim considerado "o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas” (§ 1º).

No entanto, como na concessão e permissão o serviço é prestado por particular, entra um dado novo, que é a idéia de lucro. Daí o duplo aspecto da concessão, assinalado no item 4.5: (a) de um lado, o objeto é um serviço público que atende a necessidades coletivas, de forma contínua, igual para todos, mediante tarifas acessíveis para o usuário; (b) de outro lado, uma empresa privada que exerce atividade comercial ou industrial com o objetivo de lucro.

Ocorre que, embora a Constituição exija lei dispondo sobre política tarifária (art. 175, parágrafo único, III), a lei de concessões (Lei nº 8.987/95) não atende a essa exigência de forma adequada, do que resulta a inclusão, no valor da tarifa, de importâncias que nela não deveriam ser inseridas e que acabam por torná-la onerosa para os usuários.

É que as leis que tratam de concessão, a exemplo da Lei ns 8.987, prevêem, entre os critérios de julgamento, na concorrência, o da maior oferta nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão.

Só que esse valor, em vez de ser pago pelo vencedor da licitação ao término do procedimento, acaba sendo estipulado para pagamento em todo o decorrer do contrato, acabando, certamente, por onerar o valor da tarifa. Na realidade, o ônus de pagamento acaba por incidir, não sobre a empresa concessionária, mas sobre o usuário do serviço público.

Essa forma de pagamento do valor da oferta, desde que demonstrada sua inclusão no cálculo da tarifa, padece do vício de inconstitucionalidade, por revestir verdadeira natureza de tributo, já que o montante assim obtido pelo poder concedente não se destina a remunerar o serviço objeto da concessão, mas entra nos cofres públicos da mesma forma que as receitas provenientes dos impostos.

Trata-se de verdadeiro tributo embutido no valor da tarifa, com a agravante de que, para sua instituição, não são observados os princípios constitucionais que regem a instituição de tributos, em especial o da legalidade tributária. A previsão vem sendo feita nos editais de licitação.

Assim, quando o usuário paga o pedágio, a passagem de ônibus, a conta do telefone ou de outros serviços concedidos, em muitos casos está pagando, não só pela utilização do serviço público, mas também por esse valor suplementar recolhido aos cofres públicos. Paga o preço público mais o tributo. Essa cobrança corresponde a um verdadeiro imposto disfarçado, porque vai ser recolhida aos cofres públicos, não para custear o serviço pelo qual é cobrada a tarifa, mas para outros fins, não identificados, que deveriam ser custeados com receitas provenientes de impostos.

Além disso, em muitos contratos de concessão, além do valor da oferta, ainda é prevista uma participação do poder concedeste na receita da concessionária, proveniente da tarifa e das outras fontes de receitas alternativas, complementares ou acessórias. E o que vem ocorrendo, por exemplo, nas concessões de rodovias do Estado de São Paulo. Não há dúvida de que essa participação, além de inconstitucional, contraria o princípio da modicidade da tarifa, previsto no art. 64 da Lei n. 8.987/95.

Faltou na lei de concessões a fixação da "política tarifária" exigida pelo art. 175, parágrafo único, III, da Constituição, com o que se estabeleceriam critérios que permitissem a proporcionalidade entre os lucros assegurados à empresa concessionária e a tarifa imposta ao usuário. Seria nada mais nada menos do que a aplicação do princípio da razoabilidade na definição da política tarifária.

[...] (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, 122/125pp.)

 

O Tribunal de Contas da União é contrário ao pagamento de outorga como segue no Acórdão de nº 865/2003:

Quanto à definição do preço mínimo de outorga a ser definido em edital, o critério metodológico definido – Fluxo de caixa Descontado a Valor Presente – é compatível com a avaliação de negócios empresariais, de modo que a determinação contida no subitem 8.2.1.2 da Decisão nº 427/2002 – TCU – Plenário foi atendida. Porém, vale registrar que o valor da outorga impactará no valor da tarifa a ser cobrada do usuário, comprometendo, em última instância, o critério de modicidade de tarifas, expresso no art. 6º da Lei nº 8.987/95, haja vista que o permissionário, ao efetuar sua proposta na licitação, procede ao ajuste entre o valor de outorga e o preço de tarifa. Desse modo, todo o acréscimo ao valor de outorga oferecido é compensado no valor da tarifa onerando, por conseguinte, o usuário dos serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros. Devido a isso, a ANTT informou que passará a fixar o valor de outorga a ser cobrado, simbolicamente, em R$1,00 (um real), permitindo, dessa maneira, que a competição entre os licitantes ocorra em função do menor valor da tarifa ofertado. (Acórdão 865/2003 TCU)

 

 

No mesmo sentido, o Pleno desse Tribunal, no Processo ELC-08/00162439, na sessão de 29/10/2008, exarou a seguinte decisão:

Decisão n. 3674/2008

1. Processo n. ELC - 08/00162439

2. Assunto: Grupo 2 – Edital de Concorrência n. 01/2008

[...]

5. Unidade Técnica: DLC

6. Decisão: O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59, c/c o art. 113 da Constituição Estadual, 1° da Lei Complementar n. 202/2000 e 8º da Instrução Normativa n. TC-05/2008, decide:

6.1. Declarar ilegal o Edital de Concorrência n. n. 01/2008, de 11/02/2008, [...], cujo objeto é a seleção de única empresa ou consórcio para a prestação de Serviço Público de Transporte Coletivo de Passageiros no Município, com valor máximo previsto de R$ 11.950.000,00, em razão da:

6.1.1. escolha do tipo de licitação não adequada ao objeto a ser licitado, pois a maior oferta pela outorga da concessão conspira contra o princípio da modicidade das tarifas (art. 6°, § 1°, da Lei n. 8.987/95), princípio este que deve nortear as concessões de transporte coletivo urbano;

[...] (Publicada na íntegra no DOe-TC nº 128, de 03/11/2008) (grifou-se)

 

 

A Lei Federal nº 8.987/95 elegeu a modicidade das tarifas como princípio da prestação de serviço adequada, conforme disposto no §1º do artigo 6º e no artigo da citada lei que prescreveram:

Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

[...]

Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei. (grifou-se)

 

Assim, os recursos advindos da outorga da concessão deveriam ser aplicados no serviço de transporte coletivo em favor dos usuários como na eficiência, segurança, atualidade e na modicidade das tarifas como prescreve o §1º do artigo 6º da Lei Federal nº 8.987/95, além do já previsto no Decreto Municipal que foi a construção de ponto de ônibus.

 

Cabe lembrar que no item 2.2 do Edital nº 001/2005 da concessão do serviço (fls. 45), regeu o seguinte:

2.2. A meta principal desta concessão é a prestação adequada do serviço de transporte coletivo de passageiros no perímetro urbano e de expansão urbana do Município de Itapema, garantindo a racionalidade e reestruturação do sistema existente. (grifou-se)

 

Portanto, a representação deve ser acolhida, tendo em vista que o valor de R$ 1.356.000,00 (hum milhão, trezentos e cinquenta e seis mil reais), recebido pela outorga da concessão de serviço do serviço público de transporte coletivo de passageiros, não foi aplicado no serviço de transporte coletivo, assim como na construção de pontos de ônibus, contrariando o disposto no §3° do artigo 11 do Decreto Municipal nº 051/05 de Itapema c/c o §1º do artigo 6º da Lei Federal nº 8.987/95.

 

 

3. CONCLUSÃO

 

Considerando que a representação atende todos os requisitos para o seu conhecimento;

Considerando que o Sr. Clovis José da Rocha e o Sr. Sabino Bussanello foram os Prefeitos à época dos fatos; e

 

Diante do exposto, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações sugere ao Exmo. Sr. Relator:

 

3.1. Conhecer da Representação, nos termos do art. 66 da Lei Complementar Estadual nº 202, de 15 de dezembro de 2000, por preencher os requisitos e formalidades preconizados no art. 65, § 1º, do mesmo diploma legal, no tocante ao seguinte item:

 

                    3.1.1. Valor de R$ 1.356.000,00 (hum milhão trezentos e cinquenta e seis mil reais), recebido pela outorga da concessão de serviço do serviço público de transporte coletivo de passageiros no município de Itapema, não aplicado no serviço de transporte coletivo, assim como na construção de pontos de ônibus, contrariando o disposto no §3° do artigo 11 do Decreto Municipal nº 051/05 de Itapema c/c o §1º do artigo 6º da Lei Federal nº 8.987/95 (item 2.2 do presente Relatório).

 

3.2. Determinar a audiência dos responsáveis citados abaixo, nos termos do art. 29, § 1º, da Lei Complementar Estadual nº 202, de 15 de dezembro de 2000, para, no prazo de 15 dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no art. 46, I, b, do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), apresentar alegações de defesa acerca das seguintes irregularidades, ensejadoras de aplicação de multa prevista no art. 70 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000:

 

                    3.2.1. Sr. Clovis José da Rocha - Prefeito Municipal de Itapema (no período de 1º de janeiro de 2003 a 18 de julho de 2006): valor de R$ 811.200,00 (oitocentos e onze mil e duzentos reais), recebido pela outorga da concessão de serviço do serviço público de transporte coletivo de passageiros, no período de  26 de dezembro de 2005 a 18 de julho de 2006, não aplicado no serviço de transporte coletivo, assim como na construção de pontos de ônibus, contrariando o disposto no §3° do artigo 11 do Decreto Municipal nº 051/05 de Itapema c/c o §1º do artigo 6º da Lei Federal nº 8.987/95 (item 2.2 do presente Relatório);  e

 

                    3.2.2. Sr. Sabino Bussanello - Prefeito Municipal de Itapema (a partir de 19/07/2006): valor de R$ 552.852,78 (quinhentos e cinquenta e dois mil e oitocentos e cinquenta de dois reais e setenta e oito centavos), recebido pela outorga da concessão de serviço do serviço público de transporte coletivo de passageiros, no período de 19 de julho de 2006 a dezembro de 2006, não aplicado no serviço de transporte coletivo, assim como na construção de pontos de ônibus, contrariando o disposto no §3° do artigo 11 do Decreto Municipal nº 051/05 de Itapema c/c o §1º do artigo 6º da Lei Federal nº 8.987/95 (item 2.2 do presente Relatório).

 

3.3. Dar ciência da Decisão, do Relatório Técnico aos representantes, bem como cópia da inicial aos representados, Sr. Clovis José da Rocha, ao Sr. Sabino Bussanello e à Prefeitura Municipal de Itapema .

É o Relatório.

Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, em 26 de setembro de 2011.

 

 LUIZ CARLOS ULIANO BERTOLDI

AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

De acordo:

 

 NADYA ELIANE ZIMMERMANN VENTURA

CHEFE DA DIVISÃO

 

FLAVIA LETICIA FERNANDES BAESSO MARTINS

COORDENADORA

 

Encaminhem-se os Autos à consideração do Exmo. Sr. Relator Corregedor Geral Salomão Ribas Junior, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 PEDRO JORGE ROCHA DE OLIVEIRA

DIRETOR