Processo:

CON-11/00173070

Unidade Gestora:

Prefeitura Municipal de Itapema

Interessado:

Sabino Bussanello

Assunto:

Pagamento de horas extras d diárias concomitantemente

Parecer Nº:

COG - 149/2011

 

 

Município. Pagamento de horas extras e diárias concomitantemente aos motoristas.

No regime celetista é irregular o pagamento de horas extras concomitantemente com diárias para motoristas a serviço do órgão público não submetidos a fiscalização e controle de jornada.

 

Sr. Consultor,

 

1. INTRODUÇÃO

 

Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Sabino Bussanello, Prefeito do Município de Itapema, expressa, em síntese, nos seguintes termos:

“(...)

Considerando que em determinado município, onde os servidores são atrelados à Consolidação das Leis do Trabalho, ou seja, percebem a remuneração de eventuais horas extras laboradas nos moldes daquele diploma legal, e considerando ainda que no mesmo município exista previsão legal específica para o pagamento de diárias quando do deslocamento para fora do território do mesmo, a título de indenização das despesas de alimentação, hospedagem e outras que tenham no local de destino.

Considerando que o pagamento de horas extraordinárias (horas extras) aos servidores públicos municipais é um direito previsto no inciso XVI do art. 7º da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, reafirmado no art. 39 da CFRB/88 e de que as horas-extras são medidas pela unidade de tempo, havendo impossibilidade de mensurar-se o tempo efetivamente laborado por servidor que se desloca de seu município.

Considerando que ambos institutos são espécies indenizatórias, não podendo haver pagamento em duplicidade pelo mesmo fato gerador, requer que este Tribunal de Contas manifeste seu entendimento quanto ao pagamento de referidos institutos, se cumulativos ou não, em quais hipóteses será pago um ou outro instituto, com base nas hipóteses apontadas:

- Deslocamento de servidor até outro município ou outro estado, dentro de seu horário de trabalho;

- Deslocamento de servidor até outro município ou outro estado, iniciado em horário de trabalho e retornado após o mesmo;

- Deslocamento de servidor até outro município ou outro estado, antes do início normal de seu horário de trabalho e, retornando após o término de sua jornada;

- Deslocamento de servidor até outro município ou outro estado, dentro ou fora de sua jornada de trabalho quanto ao horário de descanso e repouso inter e intra jornada de trabalho normal e no tempo destinado a descanso entre os dias de trabalho.

Melhor exemplificando: um servidor público, ocupante de cargo de motorista, é designado para dirigir até o Município de Chapecó, iniciando sua viagem em horário normal de jornada, permanecendo neste Município por três dias, acompanhando alguns alunos de escola municipal. Pela lei municipal em vigor, este motorista perceberá uma indenização referente a três diárias, para fazer frente às despesas de alimentação e hospedagem.

Pergunta-se, por fim: este motorista fará jus, também, ao pagamento de horas extraordinárias (horas extras) por ter realizado tal viagem de deslocamento?

No aguardo de manifestação por parte dessa Augusta Corte, estamos enviando em anexo, o parecer jurídico necessário para acompanhamento da consulta, de lavra do assessor Especial Jurídico-Legislativo, Dr. João Emmel, lotado no gabinete do Prefeito, ao qual se manifesta contrário à duplicidade de pagamento sobre o mesmo fato gerador de indenização, ou seja, pagamento de diárias e horas-extras, concomitantemente para servidores motoristas em deslocamentos para fora dos limites do Município de Itapema.”

 

Este, o relatório.  

 

2. ANÁLISE

2.1. PRELIMINARES

Quanto ao seu objeto, a matéria consultada encontra guarida no inciso XII do art. 59, da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Complementar nº 202/2000, caput do art. 103 e incisos I e II do art. 104, do Regimento Interno do Tribunal de Contas.

Considerando que o expediente vem subscrito pelo mandatário do Município de Itapema, tem-se como preenchido o requisito de legitimidade, conforme o disposto nos arts. 103, II e 104, III, Regimentais.

Estando a consulta também revestida do pressuposto previsto no inciso V, do art. 104 do R.I., sugere-se ao Conselheiro Relator dar conhecimento ao presente feito.

2.2. MÉRITO

 

De pronto, ressalte-se que o Prejulgado 1742, desta Corte de Contas, originário do processo nº CON-05/04085000, proveniente do Município de Guaraciaba, citado pelo ilustre assessor jurídico da municipalidade de Itapema, embora com assunto correlato à presente consulta, abordou a matéria de forma mais genérica, tratando da licitude, per si, do regime do pagamento de horas extras e de diárias a servidores, sendo que o questionamento em apreço resume-se na possibilidade de pagamento de diárias e horas extras concomitantemente para servidores motoristas para fora dos limites territoriais do município.

Eis o seu enunciado:

 

PREJULGADO 1742

1.         Compete ao município regulamentar a concessão de horas-extras mediante lei, definindo o limite máximo de horas-extras permitido no município, os requisitos para a sua concessão e o percentual de acréscimo sobre o valor da hora normal.

2.         A lei municipal que regulamentar a concessão de horas-extras aos servidores do município não poderá definir percentual inferior ao previsto no inciso X do art. 90 da Lei Orgânica Municipal, que apresenta a mesma redação do inciso XVI do art. 7º da Constituição da República.

3.         Qualquer servidor ocupante do cargo efetivo no município pode prestar horas-extras, entretanto, no âmbito da administração pública, sua realização depende da caracterização da necessidade imperiosa, temporária e excepcional do serviço e somente deve ocorrer mediante convocação direta do servidor para cumprir jornada de trabalho extraordinária e deve ser precedida de autorização por ato da autoridade superior.

4.         Para viagens fora da sede do município, a título de indenização, devem ser concedidas diárias.

5.         A lei municipal que regulamentar sua concessão poderá definir valores diferenciados a serem pagos conforme a localidade para qual o servidor irá se deslocar.

6.         O município pode instituir mediante lei outras gratificações aos servidores conforme os critérios a serem estabelecidos nessa legislação.

 

Considerando que ao administrador público cabe fazer o que a lei determina, vejamos o que diz a legislação municipal que rege a matéria:

LEI Nº 1496, de 1º de julho de 1998

Art. 1º - Os servidores públicos do Município de Itapema serão regidos por este regimento e pela Consolidação das Leis do Trabalho.

(...)

Art. 85 – Ao servidor que se deslocar de sua sede, temporariamente, em objeto de serviço, serão concedidas diárias correspondentes ao período de ausência a título de alimentação e pousada.

Parágrafo único – O arbitramento das diárias obedecerá à regulamentação específica.

 

Muito embora a lei ressaltada não faça remissão, a hora-extra, suplementar ou extraordinária é todo o período de trabalho excedente à jornada contratualmente acordada, podendo ocorrer antes do início, no intervalo de repouso e alimentação, após o período, dias que não estão no contrato, não sendo necessário o exercício do trabalho, mas estar à disposição do empregador ou de prontidão.

O constituinte pátrio consagrou as horas extras no Texto Maior, quando dispôs no inciso XVI do art. 7º “remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal.”

Dessa forma, permitiu que o empregado pudesse executar horas extras, mediante o pagamento de 50% a mais do valor da hora normal.

Já tínhamos previsão legal no art. 59 da CLT:

“A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho.”

 

Frise-se que a execução de horas extras por servidores deverá estar regulamentada pelo município, devendo as mesmas estarem vinculadas a uma autorização previamente acordada.

Assim, reitera-se, somente pode ser remunerado o serviço extraordinário previamente autorizado, que reste amplamente justificado e atestado, com base em condições que efetivamente comprovem a prestação do serviço, e que seja referente à prestação do multicitado labor em período que exerça a jornada de normal de trabalho, respeitado o limite máximo de duas horas extras por jornada.

Muito embora o consulente tenha afirmado que as horas extraordinárias e as diárias sejam institutos de mesma natureza, qual seja, configurando-se em espécies indenizatórias, s.m.j., entendemos que as mencionadas vantagens possuem naturezas jurídicas distintas e fato gerador próprio.

O Colendo Tribunal Superior do Trabalho já pacificou a discussão sobre as horas extras editando o Enunciado nº 264, in verbis:

 

HORA SUPLEMENTAR – CÁLCULO. A remuneração do serviço suplementar é composta do valor da hora normal, integrado por parcelas de natureza salarial e acrescido do adicional previsto em lei, contrato, acordo, convenção coletiva ou sentença normativa.

 

No que tange ao instituto das diárias, o Prof. Arnaldo Sussekind comenta:

 

As diárias de viagem tem por fim indenizar despesas de viagem e manutenção do empregado, quando forçado a realizá-las para execução do seu contrato de trabalho. Juridicamente, portanto, não constituem salário, uma vez que não correspondem a contraprestação do empregador aos serviços executados pelo trabalhador, mas, simplesmente, um meio de tornar possível a prestação destes. Podem ser concedidas para viagem e pela viagem, motivo porque terão um sentido próprio ou um sentido impróprio, devendo ser conceituadas como salário quando objetivarem, de fato, remunerar o trabalho executado pelo empregado viajante e não apenas indenizar os gastos relativos à viagem. (Instituições de Direito do Trabalho, 21ª Ed., Ed. LRT, v. 1, p. 380).

 

No âmbito da Justiça do Trabalho, vejamos a natureza jurídica das diárias em Recurso apreciado pelo TST:

DIÁRIAS DE VIAGEM. NATUREZA JURÍDICA. 1. As diárias de viagem possuem na sua essência natureza indenizatória, porquanto se destinam a ressarcir o empregado das despesas realizadas, ou a se realizar, em razão do desempenho das atividades decorrentes do contrato de trabalho. 2. O legislador, com o fim de evitar o uso simulado dessa parcela pelo empregador, criou, por meio do artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho, critério objetivo quantitativo de identificação da natureza jurídica da parcela em exame. 3. Tal critério, contudo, representa uma presunção relativa, de forma a garantir a distribuição equânime do ônus da prova, possibilitando a produção de prova pelo empregador no sentido de demonstrar que referidas diárias, ainda que excessivas, não se revestem de intuito simulatório para encobrir caráter retributivo da importância paga, mas, sim, destinam-se a cobrir efetivas despesas para viabilizar viagens a trabalho. 4. Essa é a hipótese dos autos, porquanto registrou a Corte de origem que o “empregado prestava contas, ao final das viagens, e era reembolsado de eventuais diferenças, ou devolvia sobras.” Precedentes desta Corte superior. Recurso de revista não conhecido. (RR – 1666800-88.2001.5.09.0015, Relator Ministro Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, DEJT 28/05/2010).

E mais:

RECURSO DE REVISTA. [...] DIÁRIAS DE VIAGENS SUPERIORES A 50% DO SALÁRIO. NATUREZA INDENIZATÓRIA. NÃO INTEGRAÇÃO.

A delimitação do julgado revela a existência de controle de despesas e de débito e crédito realizados pela reclamada, o que representa uma prestação de contas das despesas de viagens. Essa situação impede concluir que as diárias tenham sido pagas como retribuição pelo serviço. Recurso de revista não conhecido. (RR-2100700-60.2002.5.09.0015, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, DEJT 22/10/2010).

 

 

Nesse sentido, enquanto o adicional por serviço extraordinário tem natureza retributiva-salarial, uma vez que constitui-se em remuneração do serviço prestado que excede a jornada normal de trabalho, para atender a situações excepcionais e temporárias, as diárias pagas eventualmente e que não excedam a 50% do salário tem natureza indenizatória, haja vista que busca a cobrir despesas de pousada, alimentação e locomoção urbana, para outro ponto do território estadual, nacional ou internacional.

Conforme já salientado, a hipótese apresentada pelo consulente é atinente à possibilidade do município pagar horas extras concomitantemente ao pagamento de diárias a servidores motoristas, quando do deslocamento em serviço para fora dos limites da municipalidade.

O pagamento de diárias é justificado quando existe o afastamento temporário do servidor da sede e, via de regra, exija pernoite em outra localidade, dependendo do que dispor a lei local

Sobre a concessão de adicional de serviço extraordinário concomitantemente com diárias, cabe destacar que o Egrégio Tribunal de Contas da União tem julgado em débito os ordenadores de despesas e os beneficiários e no âmbito da Justiça do Trabalho, o Acórdão 1745/02 enuncia que “Não há direito a horas extras durante viagens em que não há qualquer possibilidade de controle da jornada de trabalho, tendo em vista a exceção prevista no artigo 62, inciso I, da CLT.” (TRT 14ª Região, Origem: 2ª Vara do Trabalho de Porto Velho – RO).

O artigo 62, inciso I, da CLT acima citado, dispõe que não são abrangidos pelo regime de jornada de trabalho de 8 horas diárias os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, nos seguintes termos:

 

Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: (Redação dada pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)

        I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados; (Incluído pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)

[...]

       

Os motoristas, a princípio, podem ser enquadrados na exceção contida  no art. 62, inciso I, da CLT, pois via de regra exercerem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, não sendo devido, destarte, o pagamento de horas extras.

Contudo, tendo em vista a evolução da tecnologia a qual proporciona ao empregador mecanismos de controle de jornada de motoristas, a jurisprudência tem admitido a possibilidade da concessão de horas extras a estes profissionais na hipótese de sujeição à fiscalização e controle de jornada, como será demonstrado a seguir:

HORAS EXTRAORDINÁRIAS – MOTORISTA – CONTROLE DE JORNADA – O motorista de ônibus interestadual, que tem seu horário de trabalho controlado por instrumentos utilizados com tal intuito, faz jus à apuração e pagamento do trabalho extraordinário, com base nos referidos documentos, acolhidos como meio idôneo de prova da jornada por ele cumprida. (TRT 20ª R. – RO 2353/01 – (551/02) – Rel. Juiz Alexandre Manuel Rodrigues Pereira – J. 25.03.2002)

 

HORAS EXTRAORDINÁRIAS. TRABALHO EXTERNO. MOTORISTA. TACÓGRAFO. A exclusão de certos empregados do regime de jornada previsto no art. 62, inciso I, da CLT, decorre de presunção relativa, no sentido de que os trabalhadores que exercem atividades externas não estão sujeitos à fiscalização e controle de jornada. Todavia, tal presunção pode ser elidida, ante o Princípio da Primazia da Realidade, norteador do Direito do Trabalho. No caso em apreço, o Reclamante não conseguiu comprovar que sua jornada era controlada, mesmo porque o tacógrafo, por si só, sem a existência de outros elementos probatórios, não demonstra a fiscalização da jornada, nos termos consagrados na Orientação Jurisprudencial nº 332 da SDI-I do c. TST. Portanto, estando o motorista enquadrado dentre as exceções do art. 62, I, da CLT, por exercer trabalho externo e não tendo comprovado haver o controle de sua jornada, indevidas as horas extras pleiteadas. Nego provimento. (TRT 23a região. Processo 00556.2007.041.23.00-0. Desembargadora Leila Calvo. Data da publicação: 25/07/2008).

 

HORAS EXTRAS – MOTORISTA – São indevidas as horas extras pleiteadas quando o trabalho, além de externo, não sofre fiscalização. (TRT 12ª R. – RO-V . 7373/01 – (01872/2002) – Florianópolis – 3ª T. – Rel. Juiz Marcus Pina Mugnaini – J. 14.02.2002)

 

Portanto, atendida a legislação em vigor, embora o adicional por serviço extraordinário e as diárias tenham naturezas jurídicas distintas e fatos geradores próprios, no regime celetista é indevido o pagamento de horas extras concomitantemente com diárias para motoristas em viagem à serviço do órgão público não submetidos a fiscalização e controle de jornada.

 

CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, a Consultoria Geral emite o presente Parecer no sentido de sugerir ao Exmo. Sr. Relator que proponha ao Egrégio Tribunal Pleno decidir por:

          3.1. Responder à Consulta acrescentando ao prejulgado 1742 o seguinte item:

                    3.1.1. No regime celetista é irregular o pagamento de horas extras concomitantemente com diárias para motoristas a serviço do órgão público não submetidos a fiscalização e controle de jornada.

          3.2. Dar ciência da Decisão, ao Sr. Sabino Bussanello e à Prefeitura Municipal de Itapema.

 É o parecer, S.M.J.

Consultoria Geral, em 14 de junho de 2011.

 EVALDO RAMOS MORITZ

AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

 

De Acordo

 

 VALERIA ROCHA LACERDA GRUENFELD

COORDENADORA

 

De acordo.

Contudo, à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Junior, ouvindo preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 HAMILTON HOBUS HOEMKE

CONSULTOR GERAL