PROCESSO
Nº: |
REC-10/00690102 |
UNIDADE
GESTORA: |
Prefeitura Municipal de Ilhota |
RECORRENTE: |
Ademar Felisky e José Eduardo do Nascimento |
ASSUNTO:
|
Recurso de Reexame referente Acórdão n. 526/2010
exarado no processo REP 900334266 - apuração de irregularidades do Edital de
Tomada de Preços n. 16/2009, de Ilhota |
PARECER
Nº: |
COG - 501/2011 |
Sr. Consultor,
1. INTRODUÇÃO
Trata-se
os autos de Recurso de Reexame interposto pelo Sr. Ademar Felisky, Prefeiro do
Município de Ilhota, face a consideração irregular do Edital de Licitação
realizado na modalidade de Tomada de Preços n. 16/2009, em vistas restrições
apontadas nos itens 6.2.1, 6.2.2 e 6.2.3 do Acórdão n. 0526/2010, exarada nos
autos do processo REP 09/00334266, publicado no DOTC-e n. 562, de 16/08/2010,
conforme certificado à fl. 173 dos autos originários, cujo teor é o seguinte:
Acórdão n. 0526/2010
1. Processo n. REP - 09/00334266
2. Assunto: Grupo 2 – Representação acerca de irregularidades no Edital de Licitação Tomada de Preços n. 16/2009
3. Responsável: Ademar Feliski - Prefeito Municipal
3.1. Procuradores constituídos nos autos: Elsimar Roberto Packer e José Eduardo do Nascimento
4. Entidade: Prefeitura Municipal de Ilhota
5. Unidade Técnica: DLC
6. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos à representação encaminhada por GBL Consultoria e Informática Ltda. contra a Prefeitura Municipal de Ilhota, acerca de irregularidades no Edital de Licitação Tomada de Preços n. 16/2009.
Considerando que foi efetuada a audiência do Responsável, conforme consta na f. 123 dos presentes autos;
Considerando que as justificativas e documentos apresentados são insuficientes para elidir irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Relatório DLC/Insp.2/Div.4 n. 249/2009;
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:
6.1. Considerar irregular, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea "a", da Lei Complementar n. 202/2000, o Edital de Licitação Tomada de Preços n. 16/2009, lançado pela Prefeitura Municipal de Ilhota, em razão das restrições constantes dos itens 6.2.1 a 6.2.3 desta deliberação.
6.2. Aplicar ao Sr. Ademar Feliski - Prefeito Municipal de Ilhota, CPF n. 640.694.789-49, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:
6.2.1. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da exigência prévia de cadastramento previsto no item 4.1.1 "a" do Edital, contrária ao disposto no § 2º c/c o § 9º do art. 22 da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.1 do Relatório DLC);
6.2.2. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em virtude da limitação a um atestado para comprovação relativa à qualificação técnica, previsto no item 4.1.1 "a" do Edital, em afronta ao § 1º do art. 30 da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.2 do Relatório DLC);
6.2.3. R$ 400,00 (quatrocentos reais), pela ausência do decreto legislativo adotando a modalidade – menor preço - para a contratação de bens e serviços de informática, contrariando o disposto no § 4° do art. 45 da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.3 do Relatório DLC).
6.3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório DLC/Insp.2/Div.4 n. 249/2009:
6.3.1. ao Responsável nominado no item 3 desta deliberação;
6.3.2. aos procuradores constituídos nos autos;
6.3.3. à Representante.
7. Ata n. 48/10.
8. Data da Sessão: 02/08/2010 - Ordinária.
É
o relato sumulado.
Passa-se
ao exame dos requisitos intrínsecos e extrínsecos em sede recursal.
2. ANÁLISE
Os
recursos em geral possuem requisitos de admissibilidade intrínsecos os quais
dizem respeito a própria existência do direito de recorrer, tais como
cabimento, legitimação para recorrer, interesse de recorrer e inexistência de
fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e os requisitos extrínsecos
relacionados com o exercício desse direito, como a tempestividade, regularidade
formal e preparo, este último não acolhido neste Tribunal de Contas. Vejamos
cada um deles.
Cabimento
No presente caso foi manejado o Recurso de Reexame,
previsto nos arts. 79 e 80 da Lei Complementar estadual n. 202/00, manejável
contra decisão proferida em processo de fiscalização de atos e contratos
administrativos. Portanto, é cabível esta espécie recursal. E mais, pelo que se
extrai dos autos, o recurso é singular, haja vista que não há notícia
ou registro da interposição de outro recurso contra o acórdão n. 0526/2010
antes da interposição do presente recurso por parte do Recorrente.
Da Ilegitimidade recursal
Verifica-se
que o Recorrente é habilitado a se irresignar contra decisão desta egrégia
Corte de Contas, haja vista que o recurso incidente sobre as penalidades de
multas que lhe foi aplicada, na qualidade de gestor da Prefeitura Municipal de
Ilhota, apontado como Responsável pelo suposto ato irregular considerado no
acórdão atacado, daí resultando a ausência pertinência subjetiva, a teor do
disposto no art. 133 do Regimento Interno desta Corte de Contas.
Interesse
recursal
Ante o resultado do processo REP 09/00334266, onde o
Recorrente ficou vencido, verifica-se que não lhe foi proporcionado tudo que
lhe era lícito esperar. Assim, do ponto de vista prático, em tese, o Recorrente
poderá obter uma situação mais vantajosa com o julgamento do recurso,
considerando-se a situação em que o colocou a decisão recorrida, de modo que o
recurso é útil e necessário.
Inexistência
de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer
Não há nos autos originários qualquer ato que importe em
renúncia ao direito de recorrer (não há manifestação de vontade de não interpor
o recurso de que poderia valer contra a decisão recorrida) ou em aceitação da
decisão, tal como a realização de pagamento da multa (preclusão lógica
consistente na perde de um direito ou de uma faculdade processual pelo
exercício de atividade incompatível com o seu exercício), tampouco nestes
autos, qualquer ato que importe na desistência do recurso interposto.
No que toca aos requisitos extrínsecos, tem-se a dizer:
Regularidade formal
Observa-se
que o recurso observou o preceito do art. 80 da Lei Complementar estadual n.
202/2000, pois foi interposto atendendo a forma escrita e contendo a
fundamentação do pedido de reforma da decisão recorrida na petição de
interposição.
Tempestividade
Verifica-se que o acórdão recorrido acima referenciado
foi publicado no DOTC n. 562 de 16/08/2010 e o presente recurso foi interposto
por e-mail em 15/09/2010 (fl. 26), e os documentos originais foram protocolizados
em 20/09/2010, portanto, atendido ao prazo legal (30 dias) estabelecido no art.
80 da Lei Complementar estadual n. 202/2000 e o fixado no art. 3º da Resolução
n. TC 09/2002 (dez dias contados do recebimento do e-mail).
Diante
do preenchimento dos requisitos do recurso de Reexame, opina-se pelo
conhecimento do recurso, razão pela qual se passa a análise do mérito do
recurso, nos seguintes termos:
A
Diretoria Técnica apontou que o Edital da Tomada de Preços n. 16/2009
apresentava como exigência prévia o cadastramento do licitante, situação que
contraria o disposto no § 2º c/c o § 9º do art. 22 da Lei (federal) n.
8.666/93, que assim reza, in verbis:
Art. 22. São
modalidades de licitação:
(...).
II - tomada
de preços;
(...).
§ 2o Tomada
de preços é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados
ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o
terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a
necessária qualificação.
(...).
§ 9o Na hipótese do parágrafo 2o deste artigo, a administração somente poderá exigir do licitante não cadastrado os documentos previstos nos arts. 27 a 31, que comprovem habilitação compatível com o objeto da licitação, nos termos do edital. (Incluído pela Lei nº 8.883, de 1994).
Eis
a redação do item 4.1.1, alínea “a” do Edital da Tomada de Preços n. 16/2009:
4.1. Poderão participar da presente licitação, quaisquer empresas do ramo, desde que apresentem os documentos a seguir descritos, em original, por qualquer processo de cópia previamente autenticada por cartório ou servidor designado pela Administração Municipal, ou ainda por publicação em Órgão da Imprensa Oficial (perfeitamente legíveis), em única via:
4.1.1. Habilitação Jurídica.
a) Certificado de Registro Cadastral – CRC, emitido pelo Departamento de Licitações da Prefeitura Municipal de Ilhota/SC, expedido com data até o dia anterior da data marcada para a realização da Sessão de Abertura dos Envelopes de Habilitação e com validade posterior à data marcada para a realização da Sessão de Abertura dos Envelopes de Habilitação.
Não se pode reputar que o interessado deve, obrigatoriamente, estar cadastrado até três dias antes da data prevista para entrega das propostas, inclusive pelo risco de a Administração determinar o universo dos licitantes e restabelecer uma tomada de preços nos moldes da legislação revogada: (...). Tanto mais porque a vontade legislativa é permitir que, após divulgado o edital, o maior número de interessado requeiram sua habilitação e venham a participar da licitação. Por isso, a melhor interpretação é a de que os interessados em participar deverão apresentar, até três dias antes da data prevista para entrega das propostas, toda a documentação necessária à obtenção do cadastramento[1].
O
item 4.1.3, alínea “a” do Edital da Tomada de Preços n. 016/2009 previa que
somente poderia participar da licitação a empresa que comprovasse a sua
capacidade técnica “através de 1 (um) atestado emitido por órgãos públicos,
comprovando que a proponente implantou e que mantém um funcionamento todos os
sistemas solicitados no objeto do presente edital, atestando o seu efetivo
desempenho e qualificação dos serviços de conversão, implantação e treinamento,
com firma reconhecida, juntando cópia autenticada do contrato e/ou nota fiscal”
(fl. 57 do REP 09/00334266).
O
Recorrente argumentou (fls. 11-19) que a lei de licitações permite a exigência
de comprovação de capacidade técnica-operacional da empresa e capacidade
técnico-profissional, e que “negar que a lei admite a exigência de capacitação
técnica em relação à empresa (...) é tornar sem efeito os comandos do inc. II
do art. 30...”.
De
acordo com o Recorrente, o inc. II do art. 30 da Lei n. 8.666/93 permite a
exigência de comprovação de aptidão para o desempenho de atividade pertinente e
compatível em características, quantidades e prazos, e que a lei permite limitar
o quantitativo dos atestados, o que estaria de acordo com o princípio da
eficiência, notadamente no momento de se aferir a capacidade
técnico-operacional da empresa licitante. Por fim, destaca que a exigência de
comprovação da aptidão da empresa mediante apenas um único atestado visou
apenas prever requisitos pertinentes e relevantes ao atendimento do objeto
perseguido à luz do interesse público, o que teria fundamento no § 1º do art.
3º da Lei n. 8.666/93.
Ademais,
ressaltou ainda o Recorrente que o § 5º do art. 30 da Lei n. 8.666/93 limita a
exigência de comprovação de aptidão a tempo ou época ou outras não previstas na
lei que inibam a participação das licitantes no certame.
Para
Recorrente, a empresa interessada em participar do certame deveria comprovar
que já tinha prestado, pelo menos, um serviço igual ao que se estava licitando,
pois “ainda que a empresa tenha implantado, isoladamente, um ou outro programa,
essa experiência não induz à conclusão de que está apta a administrar a
implantação de 13 sistemas, todos integrados com acessos simultâneos de
usuários” (fl. 18), de modo que a exigência realizada no edital se apresentaria
como razoável e proporcional à necessidade do órgão licitante.
Em
resumo, pode-se concluir que para o entendimento do Recorrente é regular “a
exigência de capacitação técnico-operacional, de pelo menos um atestado, para
efeitos habilitatórios, quando esta tem por finalidade assegurar o interesse
público, do qual a Administração não pode se desviar” (fl. 19).
A
análise técnica desenvolvida pela Diretoria de origem partiu do pressuposto que
a cláusula 4.1.3, alínea “a” restringiu a competitividade ao exigir que os
interessados comprovassem a sua experiência anterior mendiante um único
atestado, emitido apenas e unicamente por órgão público e que abrange a
integralidade dos serviços que estava sendo licitado.
Em
primeiro lugar, cabe esclarecer que a cláusula mencionada busca aferir a
capacidade técnica-profissional e não a operacional da empresa que prestará os
serviços, pois a forma como ficou redigida a alínea “a” do item 4.1.3 do
Edital, buscava a Administração Pública Municipal verificar se a empresa já
havia implantado “todos os sistemas solicitados no objeto licitado” e, mais,
que comprovasse que ainda estava mantendo em funcionamento tais sistemas. Ou
seja, não pretendeu a exigência verificar se a empresa licitante possuía
condições tais como maquinários e equipamentos disponíveis para a execução dos
serviços na data da entrega da proposta, mas sim, que estava prestando serviço
igual ao que estava sendo licitado, situação esta que, à toda evidência,
restringe significativamente o universo de competidores, pois é pouco provável
que uma empresa esteja execução “os mesmos serviços” que o órgão licitante está
procurando contratar, notadamente quando se procura a implantação de 13 módulos
ao mesmo tempo.
Ademais,
o atestado solicitado restringiu-se apenas a órgãos públicos, exigindo-se ainda
firma reconhecida do gestor público (quando há presunção de legitimidade e
veracidade nas informações por este prestadas), fator que mais uma vez
restringe a participação dos licitantes, pois bastaria que o gestor se
recusasse a comparecer ao cartório para reconhecer sua firma, e estaria o
licitante alijado do certame.
Os
atestados fornecidos por pessoa jurídica de direito público ou privado, devem
ser levados a registro junto ao CREA, a quem cabe expedir a Certidão de Acervo
Técnico (CAT) em favor do profissional a qual figura como responsável pelos
serviços na respectiva ART – Anotação de Responsabilidade Técnica[2].
Os
atestados poderiam ser fornecidos pelas pessoas jurídicas ou privadas
registrados no CREA é que deveriam ter sido expedidos em favor do seu próprio
responsável técnico (daí impropriamente a cláusula se referir à empresa
proponente) ou a outro profissional contratado pela licitante.
O
problema mais grave, em nossa opinião, encontra-se no fato de a exigência não
se limitar às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da
licitação, as quais deveriam ter sido previstos no edital, mas sim a totalidade
do objeto licitado. E ao assim agir, acabou por ampliar as exigências de
habilitação dos interessados, e assim, reduzir o espectro de competição. Outra
coisa, é em relação à exigência de o interessado ter que comprovar que, à época
da licitação estava executando todos os sistemas que compõe os serviços
licitados, quando a lei limita que os serviços possam ser apenas equivalentes,
e não sendo necessário que sejam de igual complexidade, pois a lei se refere à
execução de serviço de características semelhantes, tem-se que o intérprete
deve analisar os fatos munindo-se de outros elementos disponíveis.
Não
se deve limitar à literalidade dos termos, principalmente quando esta
literalidade nos conduzir ao absurdo. E mais, sem sempre a palavra nos leva a
identificar com precisão o pensamento que se pretendia exprimir no momento em
que fora veiculado.
No
caso, soa desarrazoado que Municipalidade exija dos licitantes à comprovação de
que estejam prestando igual serviço ao que se estava licitando, com todas as
suas características operacionais, tecnológicas.
Ademais,
estamos tratando de complexidade tecnológica, de modo que bastaria que os
licitantes comprovassem que já tivesse executado serviço similar ao que se
buscava contratar, atendendo à complexidade tecnológica escolhida no edital,
daí a expressão “equivalente” prevista na lei. Ou seja, está a cobrar dos
licitantes que estes estejam prestando igual serviço. Para isso ocorrer, muito
provável que a municipalidade venha a utilizar edital de outra entidade pública
a qual se espelha para a contratação dos serviços, pois na prática, dada a
diversidade de opções no mercado de Tecnologia da Informação, é pouco provável
que existe dois sistemas de informática com igual solução. E mais, se esta for a opção adotada pela
municipalidade, muito provavelmente ocorrerá o direcionamento para licitação
mediante o privilegiamento de determinada empresa que possua o sistema igual ao
que o órgão público está pretendendo licitar.
A
Lei n. 8.666/93, no que concerne à qualificação técnica, deve ser feita em
estrita consonância com o art. 30, inc. II e seu § 3º da Lei nº 8.666/93, que
assim estabelecem:
Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:
(…).
II – comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos.
(…).
§ 3o Será sempre admitida a comprovação de aptidão através de certidões ou atestados de obras ou serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior.
Assim,
de acordo com esse dispositivo, a expressão “semelhantes ao objeto da
licitação” não pode significar serviços inferiores ao objeto da licitação, uma
vez que não poderia ser considerado como “pertinente e compatível em
características, quantidades e prazos com o objeto da licitação”, exigência
esta que decorre diretamente do art. 37, inc. XXI, da Constituição da
República. Contudo, não se quer dizer que os serviços tenham que ser idênticos
ao que se está licitando. Longe disso. Complexidade técnica tem a ver com
conhecimento, aptidão para executar um determinado serviço que se pretende
contratar para satisfazer um determinado interesse público. Assim, não dá para
afirmar de modo conclusivo que única empresa que atenda ao interesse público é
aquela que esteja mantendo em funcionamento todos os 13 sistemas solicitados na
licitação, deixando de fora todas as empresas que, apesar de possuírem
suficiente conhecimento técnico pertinente e compatível com o objeto licitado,
não estejam mantendo esta quantidade de módulos. É claro que a comparação feita
pelo Recorrente de que um licitante que tenha executado um único módulo possa
não ter o conhecimento suficiente para executar 13 módulos interligados, mas e
se a empresa estiver executando 9, 10, 11 ou 12 módulos? Ou se estiver
executando serviços de maior complexidade técnica ao do objeto licitado, mas
que não seja igual ao do objeto licitado seria aceito o atestado para os fins
de comprovação da capacidade técnica, à luz do disposto na alínea “a” do item
4.1.3 do edital da TP n. 16/2009? Certamente, a resposta seria negativa, o que
mais uma vez evidencia a restrição ao universo de competidores na licitação
promovida pela Prefeitura Municipal de Ilhota.
No
que toca ao quantitativo de apenas um único atestado[3],
deve-se considerar que a licitação visa selecionar os mais bem preparados para
atenderem as diversas necessidades da sociedade, manifestados pelos diversos
órgãos que compõe a estrutura da Administração Pública. Logo, há que existir
requisitos mínimos, indispensáveis e razoáveis dos interessados de modo a que
não haja, ou pelo menos, que seja minimizado, os riscos de uma má contratação,
o que o poderia acarretar em sérios danos às pessoas e ao patrimônio público,
conforme o caso. Mas veja bem, requisitos mínimos, indispensáveis e razoáveis.
Isso,
por que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, inc. XXI expressa que o
processo de licitação pública deve assegurar a igualdade de condições a todos
os concorrentes, sendo admitidas somente exigências de qualificação técnica e
econômica que se repute indispensáveis à garantia do cumprimento das
obrigações. Logo, a margem de atuação do gestor público encontra limite.
Assim,
a Lei n. 8.666/93 veio para regulamentar o inc. XXI do art. 37 da Carta
Constitucional Cidadã, e em seus artigos 27 a 32 tratou desses requisitos acima
mencionados e em seu art. 30, inc. II dispõe que a documentação relativa à
qualificação técnica limitar-se-á a comprovação de aptidão para desempenho de atividade
pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto
da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal
técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem
como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se
responsabilizará pelos trabalhos.
Por
sua vez, os §§ 1º e 3º do art. 30 da Lei n. 8.666/93 definem como deverá se dar
a comprovação técnica, ao aludirem que:
Art. 30.
(...).
§ 1º A comprovação de aptidão referida no inciso II do "caput" deste artigo, no caso das licitações pertinentes a obras e serviços, será feita por atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente registrados nas entidades profissionais competentes, limitadas as exigências a: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994).
(...).
§ 3º Será sempre admitida a comprovação de aptidão através de certidões ou atestados de obras ou serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior.
Como
visto acima, a Lei n. 8.666/93 quando trata da documentação relativa à
qualificação técnica expressamente menciona que esta deverá limitar-se a
comprovação de aptidão para o desempenho de atividade pertinente e compatível
em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação (art. 30,
inc. II), e que esta comprovação “será feita por atestados fornecidos por
pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente registrados nas
entidades profissionais competentes” (§ 1º do art. 30), e ainda, que “será
sempre admitida a comprovação de aptidão através de certidões ou atestados de obras ou serviços
similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior” (§
3º do art. 30).
Assim,
pode-se concluir que o texto legal não está limitando a comprovação da aptidão
a um único atestado, pois este restringirá consideravelmente a participação dos
licitantes. A definição do número mínimo de atestados é primordial para o
cerceamento da competitividade, pois é certo que os §§ 1º e 3º do artigo 30 da
Lei 8.666/93, quando mencionam acerca da forma de comprovação da capacitação
técnico-operacional expressamente determinam que "será feita por atestados
fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado...". Ademais, representa uma restrição direta ao
caráter competitivo inerente ao certame licitatório.
Se
não pode o órgão licitante exigir do particular a apresentação de comprovação
de aptidão para o desempenho de serviço anterior idêntico ao que se está
licitando mediante a apresentação de um único atestado, uma vez que os
atestados de capacidade técnica devem ater-se às parcelas de maior relevância
técnica, necessárias para garantir ao órgão licitante maior confiabilidade e
expectativa de que o futuro contratado executará os serviços pretendidos.
Ao
exigir o órgão licitante um único atestado de capacidade, estará a incidir em
afronta ao princípio da competitividade, agasalhado indiretamente na redação do
art. 30, inc. II, da Lei n. 8.666/93, principalmente se este não se limitar aos
aspectos de maior relevância técnica exigidos para a execução do contrato
Para
atestar a presença atual dessa espécie de irregularidade em editais,
verifica-se que o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina publicou no
Diário Oficial Eletrônico nº 622, de 17/11/2010 (pág. 3), a decisão cautelar
exarada nos autos do processo REP 10/00759919, para, com fulcro no art. 13 c/c
art. 3º, § 3º, da Instrução Normativa n. TC 05/2008, determinar ao gestor para
que promova a sustação do procedimento licitatório, por considerar que a
exigência de um único atestado de capacidade técnica caracteriza grave ameaça
de lesão a direito de licitante, tendo a decisão definitiva confirmado esta
irregularidade nos seguintes termos:
1. Processo nº: REP-10/00759919
2. Assunto: Representação (art. 113, § 1º, da Lei n. 8.666/93) acerca de irregularidades no Edital de Concorrência n. 0025/2010 (Objeto: Execução de terraplenagem, pavimentação, drenagem, obras de arte correntes, sinalização e obras complementares na Rodovia ITG 070, com extensão de 27.538,62m)
3. Interessado: Lenoir José de Oliveira (Construtora Oliveira Ltda.)
4. Unidade Gestora: Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional de Itapiranga
5. Unidade Técnica: DLC
6. Decisão nº: 1037/2011
O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, decide:
6.1. Considerar procedente a Representação em análise, para declarar ilegal o Edita de Concorrência n. 0025/2010, em razão da exigência, em um único atestado, de comprovação de habilitação técnica dos proponentes, contrariando os arts. 37, XXI, da Constituição Federal e 3º, §1°, da Lei (federal) n. 8.666/93.
Por
tudo isso, tem-se o entendimento de que a alínea “a” do item 4.1.3 do Edital da
Tomada de Preços n. 16/2009 feriu o princípio da competitividade. Ainda que a
Administração Pública não esteja obrigada a se aventurar a contratar uma
empresa que ainda não tenha o suficiente know-how, não se apresenta
justificável que a sua experiência, não só anterior, mas a atual, dado que se
exigiu a comprovação de que empresa mantinha em funcionamento todos os sistemas
solicitados no objeto do edital, seja exigida do licitante, muito mesmos que a
experiência passada ou presente seja demonstrada mediante a apresentação de
apenas um único atestado emitido por órgão público mediante firma reconhecida
do gestor público, desprezando-se outras formas de se comprovar a aptidão da
proponente admitidas em lei. Nesse
sentido, opina-se pela manutenção da restrição e penalidade aplicada no item
6.2.2 do acórdão recorrido.
A
Diretoria Técnica apontou que não houve a expedição do decreto legislativo
adotando a modalidade (sic) – menor preço - para a contratação de bens e serviços
de informática, contrariando o disposto no § 4° do art. 45 da Lei (federal) n.
8.666/93.
Dispõe
a norma destaca o seguinte:
Art. 45. O
julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o
responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação,
os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os
fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição
pelos licitantes e pelos órgãos de controle.
(...).
§ 4o Para
contratação de bens e serviços de informática, a administração observará o
disposto no art. 3o da
Lei no 8.248, de 23 de
outubro de 1991, levando em conta os fatores especificados em seu parágrafo 2o e adotando
obrigatoriamente o tipo de licitação "técnica e preço", permitido o
emprego de outro tipo de licitação nos casos indicados em decreto do Poder
Executivo. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
O
Recorrente argumentou (fls. 05-10) expôs que sistema de gestão pública é um
software que automatiza os processos de um ente público, integrando informações
gerenciais.
No
que se refere a modalidade adotada, aduziu o Recorrente que “entende-se que é
cabível o tipo de licitação ‘menor preço’, pois o objeto, ainda que se
complexo, e ainda que necessite de adaptações das soluções já existentes, não
trata de serviços em que a arte e racionalidade humanas são essenciais para sua
execução satisfatória” (fl. 07). Para justificar sua posição, colecionou a
posição do Professor Marçal Justen Filho quando este destaca que:
A licitação do tipo técnica será aplicada sempre que a necessidade administrativa envolver alguma característica especial ou peculiar, que não possa ser satisfeita por meio dos produtos padronizados. Para ser mais preciso, até se pode admitir que a Administração possa adquirir produtos sob encomenda, não disponíveis no mercado, valendo-se de licitação de menor preço quando sua necessidade não exigir variações técnicas, qualidades especiais ou atributos diferenciados por parte dos bens e serviços que pretende adquirir (fl. 08).
No
mesmo sentido, trouxe excertos do Tribunal de Contas da União onde já se
decidiu que “o § 4º, que obriga a Administração Pública a adotar licitação tipo
‘técnica e preço’ para a contratação de serviços de informática, tornou-se superado
devido à classificação de muitos desses bens e serviços como ‘comuns’, de
acordo com os entendimentos exarados nos Acórdãos 2.478/2008, 1.172/2008 e
2.138/2005, todos do Plenário” do TCU (fl. 10).
Para
o Recorrente, “a utilização de licitação tipo menor preço é própria para a
contratação de Sistemas de Gestão Pública, pois os bens e serviços previstos no
referido edital são comuns” (fl. 09).
Há
uma aparente contradição entre as afirmações apresentadas pelo Recorrente para
justificar a adoção do tipo de julgamento “menor preço” e as apresentadas para
justificar a exigência de um atestado de capacidade técnica, pois naquela
oportunidade, justificou a exigência restritiva ao argumento de que havia
“complexidade do objeto envolvido”, de forma que “não poderia ser tida como
excessiva a exigência, quando a complexidade do objeto assim o reclama, face às
suas especificidades” (fl. 17).
Agora,
para justificar a escolha do tipo de julgamento “menor preço” afirma o
Recorrente justamente o contrário, ou seja, que o objeto não possui tanta
complexidade, e que os serviços de informática envolvidos poderiam ser
considerados comuns. Ora, se os serviços licitados eram comuns, não havia
justificativa para a exigência de apenas um único atestado de forma a abranger
a integralidade dos módulos exigidos no edital, ou, caso contrário, se estes
serviços são de tamanha complexidade tal como afirmado pelo Recorrente à fl.
17, não poderia o tipo de julgamento prever apenas o “menor preço”, salvo se
houvesse um decreto do Poder Executivo prevendo esta situação, a excepcionar a
regra geral contida no § 4º do art. 45 da Lei n. 8.666/93.
De
qualquer forma, para que restasse afastada a modalidade “técnica e preço” o
mencionado dispositivo legal exige que formalmente o Chefe do Poder Executivo
indicasse expressamente os casos em que a contratação de bens e serviços de
informática, levando em conta os fatores especificados no parágrafo
2º do art. 3º da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991, isto é, dever-se-ia levar em conta condições equivalentes
de prazo de entrega, suporte de serviços, qualidade, padronização,
compatibilidade e especificação de desempenho e preço onde seria
permitido o emprego de outro tipo de licitação que não o de “técnica e
preço”. Não havendo tal procedimento prévio à licitação, importa
reconhecer a violação ao disposto no § 4º do art. 45 da Lei n. 8.666/93, e a
manutenção da restrição e penalidade aplicada ao Recorrente.
3. CONCLUSÃO
Diante
do exposto, a Consultoria Geral emite o presente Parecer no sentido de que o
Conselheiro Herneus De Nadal proponha ao
Egrégio Tribunal Pleno decidir por:
3.1. Conhecer
do Recurso de Reexame, interposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar nº
202, de 15 de dezembro de 2000, contra o Acórdão nº 0526/2010, exarado na
Sessão Ordinária de 02/08/2010, nos autos do Processo nº REP 09/00334266, e no
mérito negar provimento, ratificando na íntegra a Deliberação Recorrida.
3.2. Dar
ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator e do Parecer da Consultoria
Geral à Prefeitura Municipal de Ilhota.
Consultoria Geral, em 19 de outubro de
2011.
SANDRO LUIZ NUNES
AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO
De acordo:
JULIANA FRITZEN
COORDENADORA
Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo.
Sr. Relator Conselheiro Herneus De
Nadal, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
HAMILTON HOBUS HOEMKE
CONSULTOR GERAL
[1] Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11ª Ed., São Paulo: Dialética, 2005, p. 196-197.
[2] Nesse sentido, a Resolução CONFEA n. 51/08 estabelece que o “acerco técnico é o conjunto das atividades desenvolvidas ao longo da vida do profissional compatíveis com suas atribuições e registradas no CREA por meio de anotações de responsabilidade técnica”.
[3] O signatário do presente parecer já se manifestou sobre o tema no artigo publicado no site http://licitarjuridico.files.wordpress.com/2010/11/o-quantitativo-de-atestados-de-capacidade-tecnica.pdf. Para melhor compreensão da matéria, será reproduzido no corpo do presente parecer.