PROCESSO Nº:

CON-11/00462187

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de São Bento do Sul

INTERESSADO:

Magno Bollmann

ASSUNTO:

Tomada de contas especial instaurada em desfavor de ex-agentes públicos com base em atos infracionais graves não lesivos ao erário

PARECER Nº:

COG - 761/2011

 

 

Consulta. Caso Concreto.

Não conhecer da consulta, por deixar de atender aos requisitos do inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como do inciso XV do art. 1º da Lei Estadual Complementar 202/2000 e art. 104, II, do Regimento Interno do Tribunal.

 

Sr. Consultor,

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Trata-se de consulta formulado pelo Sr. Magno Bollmann, Prefeito Municipal de São Bento do Sul acerca do tema Tomada de Contas Especial em desfavor de ex-agentes públicos municipais com base em atos infracionais graves não lesivos ao erário.

Formulou-se a consulta nos seguintes termos:

[...]

Deve o Município instaurar tomada de contas especial em desfavor de ex-agentes públicos municipais partindo-se de atos infracionais graves, todavia, não lesivos ao erário público, uma vez que a instauração tenha sido determinada pelo Tribunal de Contas? Ademais, deve ser instaurado o referido processo de tomada de contas especial mesmo que os atos ilícitos estejam sob o crivo do Poder Judiciário no bojo de ações judiciais por ato de improbidade? Em caso positivo, tal instauração não representaria bis in idem?

Assim, as dúvidas foram indicadas precisamente e versam sobre a interpretação da norma administrativa, mais precisamente sobre os termos do Regimento Interno do Tribunal de Contas de Santa Catarina, uma vez que considerando o caso hipotético acima e confrontando o mesmo com os dispositivos legais indicados, resta dúvida ao Consulente sobre como agir.

A dúvida de natureza interpretativa que enseja a resposta pelo Plenário do TCE/SC é quanto a direito em tese, certamente, todavia, obviamente que os casos narrados quase sempre são concretos, pois ninguém haverá de consultar o Tribunal de Contas para solver dúvidas em abstrato, que em nada aproveitam ao administrador público que tem dúvidas na aplicação da norma administrativa. As consultas, não obstante tenham de ser formuladas em tese e respondidas em tese, se prestam – como prejulgados que são – a regrar situações concretas, do contrário o administrador só poderia questionar o TCE com base em imaginação e conjectura, nunca fundado em caso concreto.

Assim, as dúvidas acima são formuladas em tese, mas, considerando o contido nos artigos 154 e ss., do RI/TCE-SC, requer-se, caso a consulta seja conhecida, que fundado no poder geral de cautela jurisdicional, sejam suspensas as decisões singulares GC-JG/2011-055 (REP 10/00794153) e GC-JG/2011-243 (REC 10/00824168), que ordenam a instauração de tomada de contas especial, até ulterior decisão na consulta que, na qualidade de prejulgado, indicará, em tese, o caminho a seguir pelo Consulente no tocante aos fatos narrados.

Seguem acostados documentos de interesse do presente feito (cópias de atos judiciais das ações por ato de improbidade recebidas e das representações criminais já protocolizadas), bem como do parecer jurídico indicado no art. 104, V, do RI/TCE-SC.

 

2. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE

2.1 Da legitimidade do Consulente

A consulta foi subscrita pelo Prefeito Municipal de São Bento do Sul que é autoridade legitimada à formulação de indagações por escrito ao Tribunal de Contas, consoante o disposto nos artigos 103, II, e 104, III, da Res. nº TC-06/01.

 

2.2 Da competência em razão da matéria

 

A matéria consultada é inerente a competência desta Corte de Contas, preenchendo, assim, a condicionante posta no inciso I do artigo 104 da Res. nº TC-06/01.

 

2.3 Do objeto

 

Da análise dos autos verificou-se que as questões apresentadas pelo consulente não possuem natureza interpretativa, pois tratam de situação concreta, visando a suspensão de outros procedimentos em andamento nesta Corte de Contas (processos REP 10/00794153 e REC 10/00824168) não cumprindo o disposto no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina e inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual 202/2000, razão pela qual não está preenchido o requisito previsto no art. 104, inciso II, do Regimento Interno.

Ressalta-se ainda a existência de representação feita pelo Município de São Bento do Sul ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina (fls. 10/27) e Ação de Improbidade Administrativa (fls. 37/40) as quais envolvem a matéria ventilada no presente processo.

Nesse diapasão, Jacoby Fernandes[1] ressalta que a consulta deve estar cercada das cautelas jurídicas, tanto para que não ocorra a banalização do instituto, como para evitar que ocorra o prejulgamento de caso concreto:

Exatamente para evitar o possível desvirtuamento da consulta é que é preciso efetivar os princípios da segregação das funções entre controle e administração, e do devido processo legal. A consulta deve versar sobre dúvida na aplicação de normas, e não no caso concreto. Afasta-se, com isso, o interesse de solucionar dúvidas sobre processos decisórios e sobre fatos. Preserva-se, desse modo, a relevância do controle. (Grifo nosso).

 

Complementariamente, colaciona-se recente artigo, formulado pelo Auditor Fiscal de Controle Externo que subscreve o presente parecer, intitulado “caso concreto em consultas”, a ser publicado no próximo exemplar da revista Controle Público, publicação do TCE/SC:

Um dos mecanismos de atuação do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina é o procedimento de Consulta, segundo o qual os legitimados (art. 103, do RI) formulam questionamentos de natureza interpretativa do direito em tese, suscitadas na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de competência do Tribunal.

Para que o TCE se pronuncie, necessário o cumprimento de determinados requisitos: deverá se referir à matéria de competência do Tribunal; versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese; ser subscrita por autoridade competente; conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada; ser instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente.

Especificamente sobre o requisito “interpretação de lei ou questão formulada em tese” é que nos deteremos no presente ensaio. Tal requisito serve para que a Consulta demonstre o posicionamento do Tribunal sobre determinado tema e, com isso, sirva de parâmetro aos jurisdicionados em sua atuação.

Para tanto, questionamentos que se afigurem casos específicos não devem ser respondidos, sob pena de ocorrer o desvirtuamento do procedimento, ou, nas palavras do Auditor Gerson Sicca “poderia fazer com que esta Corte se tornasse um verdadeiro setor de emissão de pareceres para a Administração Pública. Nesse cenário, o administrador, ao invés de aparelhar seu setor jurídico, tomaria o fácil caminho de enviar todas as suas dúvidas para o Tribunal, que passaria, assim, a lhe prestar atividade de assessoramento jurídico”.

Nesse sentido, antes de se responder a uma Consulta, a Consultoria Geral (COG) – órgão encarregado da elaboração do parecer em Consulta – deve buscar todas as cautelas necessárias para verificar que efetivamente se trata de questionamento em tese e não de caso concreto.

Em tal análise, busca-se analisar as indagações formuladas pelo consulente, bem como análise do parecer jurídico que o deve acompanhar. Nesse sentido, cabe trazer alguns exemplos mais polêmicos em que a consulta não tem sido conhecida por tal requisito.

1) Caso em decisão Plenária a consulta não seja conhecida por haver no parecer jurídico a configuração de que se trata de caso concreto, a reiteração da consulta sem o parecer jurídico, da mesma forma, não deverá ser conhecida, pois já se afigura possível o conhecimento do caso concreto a ser analisado.

2) Caso uma consulta seja formulada citando a entidade ou pessoa envolvida; também não será conhecida se o Consulente reingressar com a consulta sobre o mesmo caso, mas sem citar as pessoas envolvidas. Tal hipótese se verificou no processo CON-10/00457904.

3) Outra situação é no sentido de se buscar informações extra-autos, em outros procedimentos que estão em andamento no Tribunal para a configuração do caso concreto. Tal hipótese se justifica no sentido em que pode o gestor formular consulta para tentar se eximir de auditorias em andamento no órgão, visando posicionamentos contraditórios entre as diferentes diretorias que irão analisar os fatos, mas por procedimentos com ritos diversos. Tal hipótese se verificou nos processos CON-10/00070660; CON 10/00070660 e CON 10/00585902.

Diante de tal contexto é que se justifica o rigor na análise das consultas formuladas pelos legitimados, notadamente pelo fato de tal análise se constituir, pela aprovação de 2/3 dos membros do Plenário, em prejulgado, possuindo caráter normativo e que será aplicado sempre que invocado no exame processual.

Ademais, nos termos do artigo 59, XII, da Constituição Estadual, o Plenário somente possui competência para decidir sobre consultas quanto a dúvidas de natureza interpretativa de lei ou questões formuladas em tese. Na hipótese de responder consultas formuladas com base em casos concretos, estaria a Corte avocando atribuições que não lhe foram conferidas constitucionalmente.

Buscou-se com este breve ensaio tecer algumas considerações sobre o procedimento de Consulta, especialmente sobre seu cabimento, focando-se nos aspectos mais relevantes para, em poucas palavras e sem ter a pretensão de esgotar o assunto, fortalecer a discussão sobre esse importante procedimento.

Do teor do inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como do inciso XV do art. 1º da Lei Estadual Complementar 202/2000 e art. 104, II, do Regimento Interno do Tribunal, extrai-se que as consultas endereçadas ao Tribunal de Contas devem versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese, o que se não se verifica na peça em apreço.

Desta forma, sugere-se o não conhecimento da Consulta.

 

2.4 Da indicação precisa da dúvida

A dúvida da Consulente na resolução da questão está precisamente evidenciada, o que faz com que o requisito previsto no art. 104, inciso IV, do Regimento Interno, esteja preenchido.

2.5 Do parecer da Assessoria Jurídica

A consulta está acompanhada do parecer jurídico do ente consulente, cumprindo o pressuposto estabelecido no inciso V do artigo 104 da Res. nº 06/01.

2.6 Do exame dos pressupostos de admissibilidade

Da análise dos pressupostos de admissibilidade, constatou-se que o requisito previsto no art. 104, II (não se tratar de questão formulada em tese ou interpretação de lei) não restou preenchido, razão pela qual sugere-se o não conhecimento da presente consulta, nos termos do artigo 105, § 1º, da Resolução TC- 06/2001.

 

 

2. CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, a Consultoria Geral emite o presente Parecer no sentido de que o Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Junior proponha ao Egrégio Tribunal Pleno decidir por:

 

3.1. Não conhecer da presente Consulta por deixar de preencher os requisitos de admissibilidade previstos no art. 104, II, do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001) do Tribunal de Contas.

 

3.2. Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator e do Parecer da Consultoria Geral ao Sr. Magno Bollmann e à Prefeitura Municipal de São Bento do Sul.  

 

 

Consultoria Geral, em 25 de novembro de 2011.

 

 

 GEORGE BRASIL PASCHOAL PÍTSICA

AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

De acordo:

 

 VALERIA ROCHA LACERDA GRUENFELD

COORDENADORA

 

Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator CONSELHEIRO ADIRCÉLIO DE MORAES FERREIRA JUNIOR, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 

 HAMILTON HOBUS HOEMKE

CONSULTOR GERAL



[1] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 305.