PROCESSO Nº:

DEN-10/00728878

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de Bombinhas

RESPONSÁVEL:

 

INTERESSADO:

Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Bombinhas

ASSUNTO:

Irregularidades na Prefeitura referente à ausência de procedimento licitatório na contratação da empresa ORSEGUR, para a instalação de câmeras e disposição de vigias

RELATÓRIO DE REINSTRUÇÃO:

DLC - 188/2012

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Trata-se de processo de denúncia decorrente do desmembramento dos autos originais: processo n. DEN 08/00432835, o qual tem sua origem em uma denúncia encaminhada pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Bombinhas, cuja narrativa, dentre outras possíveis irregularidades, veicula a contratação da empresa ORSEGUPS – Org. Serv. Seg. Princesa da Serra Ltda., sem o devido processo licitatório, fls. 4 e 5 dos autos.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, em seu parecer às fls. 06 a 12, manifestou-se pelo conhecimento intergral da denúncia.

A denúncia teve sua admissibilidade cotejada e positivada nas fls. 86 e 87 do Processo n. DEN 08/00432835, conforme cópias reprográficas constantes nas fls. 13 e 14 destes autos.

Na análise pregressa, empreendida por ocasião do relatório n. DLC-266/11 (fls. 22/25), foi sugerido a remessa em audiência, o que foi acatado pelo Exmo. Sr. Relator (fl. 25).

O responsável, tempestivamente, acostou sua manifestação às fls. 35/43.

 

 

 

 

2. ANÁLISE

 

2.1. Síntese da justificativa ou manifestação de defesa apresentada pelo Sr. Julio Cesar Ribeiro

Em atenção aos termos do Ofício n. DLC-18928 (fl. 27), o Sr. Julio Cesar Ribeiro apresentou os argumentos ou ponderações que julgou devidas, diante do que, com o escopo de organizar e encaminhar a análise dos mesmos, faz-se uma síntese do núcleo da peça de defesa:

a) contextualização da alegada situação que ensejou o emprego do instituto:

a.1) que, no início de sua gestão (2005/2008), recebeu a Administração em situação de precária saúde financeira, razão pela qual chegou a “decretar estado de emergência” (fl. 36);

a.2) que após empreender estudos, a solução foi no sentido de buscar autorização legislativa para implementar o procedimento de dação em pagamento, prestando-se como instrumento para o “executivo fiscal” (fl. 37);

a.3) que a contratação da prestação de serviços realizados pela ORSEGUPS, foi requerido pela mesma, que estava com dificuldades de pagar os valores inscritos em dívida ativa; e decorreu de um procedimento administrativo de dação em pagamento (processo de dação em pagamento n. 02/08, fl. 16), em conformidade com o disposto na Lei Complementar n. 056/07 (regulamentada pelo Decreto n. 1013/07) (fls. 37/38);

a.4) que devido à inúmeras ocorrências de furtos nos estabelecimentos de saúde e educação do município, havia a necessidade de contratação de serviços afetos ao nicho de mercado em que atua a ORSEGUPS (fl. 38);

a.5) que algumas secretarias e a própria sede da Prefeitura necessitavam de vigilância e controle de acesso, afim de resguardar o patrimônio público e segurança dos servidores, tendo havido manifestação positiva no sentido de conveniência e oportunidade da contratação (fl. 38).

 

b) acerca do procedimento propriamente dito:

b.1) que não havendo empeço legal à regulamentação de outros modos de extinção do dever de pagar tributos por meio de legislação municipal, a Administração lançou mão das Leis Complementares n. 28/05 e 56/07;

b.2) que as Leis Complementares n. 28/05 e 56/07 são plenamente aplicáveis;

 

 

 

 

 

 

 

 

2.2. Confronto entre os possíveis termos do processo administrativo de dação em pagamento e a legislação vigente.

A questão da contextualização da situação em que fora adotado o instituto da dação em pagamento, deve ser levado em conta de consideração, contudo, o sistema jurídico em que nos encontramos ainda prima pelo princípio da legalidade estrita.

Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade da forma como foram arguidos, acredita-se que não logrem êxito na tentativa de sensibilizar o Exmo. Sr. Relator, forte nas razões abaixo expendidas.

Preliminarmente, faz-se referência à decisão exarada nos autos da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI/MC n. 2405/RS, em que em linhas gerais, alterando o entendimento anterior contido na ADI/MC n. 1917/DF, ou seja, admitindo a possibilidade do “Estado” ampliar o rol de modalidades de extinção do crédito tributário:

 

I - Extinção de crédito tributário criação de nova modalidade (dação em pagamento) por lei estadual: possibilidade do Estado-membro estabelecer regras específicas de quitação de seus próprios créditos tributários. Alteração do entendimento firmado na ADInMC 1917-DF, 18.12.98, Marco Aurélio, DJ 19.09.2003: conseqüente ausência de plausibilidade da alegação de ofensa ao art. 146, III, b, da Constituição Federal, que reserva à lei complementar o estabelecimento de normas gerais reguladoras dos modos de extinção e suspensão da exigibilidade de crédito tributário.[1]

 

Ao que tudo indica, com lastro nesta decisão é que o responsável argumentou inexistir razão que impeça a adoção do instituto da dação em pagamento para extinção do crédito tributário municipal. Pois bem, impende esclarecer que mesmo que se supere aos termos do disposto na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional, dando ênfase, satisfação e força ao princípio sensível da autonomia municipal, ainda assim, ter-se-ia que dação em pagamento, no caso concreto veiculado nos autos, é ilegal.

Com o vezo de esclarecer, transcreve-se parte dos artigos 24, 30, 34 e 146, todos da Constituição Federal/88 e na ordem em que se acredita dar logicidade ao raciocínio desejado:

 

Art. 146. Cabe à lei complementar:

[...]

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

[...]

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

 

 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

[...]

§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

 

 

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

 

 

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

[...]

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

[...]

c) autonomia municipal;

 

Na mesma senda, traz-se o teor de alguns artigos do Código Tributário Nacional - CTN:

 

Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

[...]

XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.

 

 

Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.

Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.

 

Prosseguindo na análise, mesmo que se considere que o município disponha de competência para criar e regular a modalidade de dação em pagamento, entende-se que esta se circunscreveria a reger a forma e as condições em que se daria a dação em pagamento em bens imóveis (CTN, art. 156, XI).

Ora, após detido exame do texto da Lei Complementar Municipal n. 56/07 e do Decreto n. 1013/07 (fls. 45/52), parece que foi isso que ocorreu, ou seja, a legislação municipal tratou, exatamente, da forma e das condições em que se daria a dação em pagamento em bens imóveis, observando o disposto no CTN, art. 156, XI.

Assim, o que houve foi a utilização abusiva e ilegal do instituto em voga, em outras palavras, em vez de receber em pagamento um “bem imóvel”, a Administração recebeu um “serviço”, no caso, “prestação dos serviços de vigilância”, o que implica no arrepio da observância da necessária prévia autorização legislativa, bem como do descumprimento do devido processo legal, ou seja, não adoção do cabível procedimento administrativo licitatório.

No enfrentamento do tema, registra-se que o nicho de mercado afeto à prestação dos serviços de vigilância admite ampla competição, que acarreta a contratação a preços de mercado. Aqui, não é demais referir que, potencialmente, há impedimento legal á participação de licitantes em débito para com o Fisco Municipal, conforme preconiza a Lei n. 8666/93, art. 29:

 

Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em:

I - prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC);

II - prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual;

III - prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei;

IV - prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei.

V – prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.

 

Tanto a Lei Complementar Municipal n. 56/07, quanto o Decreto n. 1013/07 (fls. 45/52) são claros na admissão de recebimento de bens imóveis, não havendo nenhuma menção à possibilidade de recebimento de bens ou serviços, diante do que não há margens para discricionariedade, a qual, diga-se de passagem, poderá ensejar a incidência da sanção prevista no art. 20 da Lei Complementar Municipal n. 56/07 (fl. 49).

Ante todo o referido, entende-se rompida a isonomia e por via oblíqua a própria Lei de Licitações, opinião também defendida pela Consultoria da Editora Fórum [2]:

 

Pergunta

A PMMG, após o devido processo legal, em que foi garantida ao fornecedor a ampla defesa e o contraditório, aplicou à empresa a pena administrativa de multa, em decorrência de atrasos na entrega de material. A empresa concordou em efetuar o pagamento da multa, na forma de “dação em pagamento”. A Administração, como credora, tem interesse em receber o material proposto pela empresa. Pergunta-se: a Administração pode aceitar? Quais são as formalidades que deverão ser tomadas?

Resposta

Não obstante a aparente facilidade proporcionada por procedimento que permitisse a forma de dação em pagamento, para a quitação de débitos com a Fazenda Pública, tal modalidade encontra sérios obstáculos à sua utilização para a aquisição de bens e serviços pela Administração Pública.

O primeiro e intransponível desses obstáculos é o princípio isonômico, porquanto ao se admitir a dação em pagamento estar-se-ia permitindo que alguém fornecesse bens e serviços ao Poder Público sem que tivesse participado de procedimento em que todos os interessados em fazer o mesmo pudessem competir nas mesmas condições. Portanto, obstáculo de cunho principiológico.

Já o obstáculo seguinte encontra-se na própria Lei de Licitações e Contratos Administrativos, cujo art. 2º possui o seguinte teor:

Art. 2º. As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta lei.

Como não há previsão de hipótese em que se admita a dispensa de licitação motivada pela situação de dação em pagamento é inviável que se pretenda realizar contratação direta nestes termos.

Assim, o recebimento de débitos de particulares para com a Administração deverá ser realizado em dinheiro, ou quando muito pela adjudicação ocorrida em procedimento de execução fiscal no âmbito judicial, jamais por intermédio de contratação direta.

 

Enfatiza-se que nem a Lei Complementar Municipal, nem o Decreto estipulam ou prevêem, mesmo que abstratamente, a hipótese de dação em pagamento de “serviços”, razão pela qual importa verificar o conteúdo do processo de dação em pagamento n. 02/08, citado no corpo das notas de empenho da fl. 16.

De posse do processo de dação em pagamento n. 02/08, a própria autoridade municipal poderá instaurar procedimento administrativo de sindicância, com o objetivo de apurar as responsabilidades (civil, penal e administrativa) de todos os envolvidos, encaminhando os resultados a quem couber processar e aplicar cada sanção.

Encaminhando o desfecho do presente, opina-se pelo improvimento dos argumentos arrolados pelo responsável, forte nas razões acima explicitadas, não olvidando de que incumbirá ao Exmo. Sr. Relator sopesar a proporção em que aplicará a sanção correspondente à restrição abaixo transcrita:

Contratação da empresa ORSEGUPS – Org. Serv. Seg. Princesa da Serra Ltda., mediante procedimento administrativo que não atendeu aos termos do disposto na Constituição Federal/88, art. 37, inc. XXI, na Lei Federal n. 8666/93, art. 2º c/c arts. 24 a 26.

 

3. CONCLUSÃO

 

          Considerando a afirmação contida na fl. 09 dos autos;

          Considerando o despacho nas fls. 02 e 03 destes autos, no sentido de formar autos apartados para apurar possível irregularidade na contratação de empresa para prestação de serviços à unidade Gestora;

          Considerando as informações colhidas no campo histórico das notas de empenho ns. 3057 e 3058, com fulcro na pesquisa no sistema “e-Sfinge”, fls. 17 e 18;

          Considerando a análise pregressa, empreendida por ocasião do relatório n. DLC-266/11 (fls. 22/25);

          Considerando que os termos da Lei Complementar Municipal n. 56/07 e do Decreto n. 1013/07, foram infringidos e dita inobservância não fora analisada na outra oportunidade (fls. 22/25), sua inclusão nesta oportunidade, poderia representar, mesmo que remotamente (o imputado defende-se do fato e não do enquadramento legal), inovação na restrição, razão pela qual não se agregará o descumprimento da citada legislação nesta oportunidade (fls. 45/52);

          Considerando que o responsável atendeu à audiência determinada pelo Exmo. Sr. Relator, acostando sua manifestação, tempestivamente,  às fls. 35/43.

          Considerando que os argumentos arrolados não foram suficientes para justificar ou elidir a irregularidade verificada.

 

Diante do exposto, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações sugere ao Exmo. Sr. Relator:

 

          3.1. Considerar irregular, com fundamento no art. 36, § 2º, “a”, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, o ato de contratação da empresa ORSEGUPS – Org. Serv. Seg. Princesa da Serra Ltda., mediante procedimento administrativo que não atendeu aos termos do disposto na Constituição Federal/88, art. 37, inc. XXI, na Lei Federal n. 8666/93, art. 2º c/c arts. 24 a 26 (item 2.2 deste Relatório).

          3.2. Aplicar multa ao Sr. Julio Cesar Ribeiro, ex-prefeito, inscrito no CPF/MF sob o n. 377.928.499-53, com endereço sito na Rua Quati, 12 - Zé Amandio – CEP.: 88215-000 - Bombinhas – SC, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, c/c o art. 109, II do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), em face da contratação da empresa ORSEGUPS – Org. Serv. Seg. Princesa da Serra Ltda., mediante procedimento administrativo que não atendeu aos termos do disposto na Constituição Federal/88, art. 37, inc. XXI, na Lei Federal n. 8666/93, art. 2º c/c arts. 24 a 26 (item 2.2 deste Relatório), fixando-lhe o prazo de 30 dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico - DOTC-e, para comprovar ao Tribunal de Contas o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da citada Lei Complementar.

          3.3. Dar ciência do Acórdão, ao(à) Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Bombinhas, ao Sr. Julio Cesar Ribeiro, à Prefeitura Municipal de Bombinhas e à Câmara Municipal de Bombinhas.

 

É o Relatório.

Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, em 14 de março de 2012.

 

 

 JULIO CESAR COSTA SILVA

AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

De acordo:

 

 CARLOS EDUARDO DA SILVA

CHEFE DA DIVISÃO

 

 

FLAVIA LETICIA FERNANDES BAESSO MARTINS

COORDENADORA

 

Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator Cleber Muniz Gavi, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 

 MARCELO BROGNOLI DA COSTA

DIRETOR



[1] Supremo Tribunal Federal - STF, ADI/MC n. 2405/RS, Rel. Min. Carlos Brito, 06/11/2002;

[2] PAGAMENTO de multa e dação em pagamento. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, Belo Horizonte, ano 7, n. 83, nov. 2008. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=55649>. Acesso em: 15 março 2012;