PROCESSO
Nº: |
REP-11/00508357 |
UNIDADE
GESTORA: |
Prefeitura Municipal de Água Doce |
RESPONSÁVEL: |
Nelci Fátima Trento Bortolini |
INTERESSADO: |
Odilon Sganzerla |
ASSUNTO:
|
Irregularidades concernentes à concessão de
incentivos econômicos a empresas |
RELATÓRIO
DE REINSTRUÇÃO: |
DLC - 210/2012 |
1. INTRODUÇÃO
Trata-se de
representação, protocolada em 13 de setembro de 2010, juntada às folhas 02 a
09, subscrita pelo Sr. Odilon Sganzerla - Vereador do Município de Água
Doce/SC, comunicando supostas irregularidades concernentes à concessão de
incentivos econômicos a empresas realizadas pelo Poder Executivo do Município
de Água Doce através das seguintes Leis Municipais:
- Lei Municipal n° 1.757/2009 de 19 de maio de 2009;
- Lei Municipal n°
1.758/2009 de 26 de maio de 2009; e
- Lei Municipal n°
1.967/2011 de 15 de fevereiro de 2011.
Em 20 de setembro de
2011, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC emitiu o
Relatório DLC nº 638/2011, concluindo:
Considerando que a representação atende todos
os requisitos para o seu conhecimento,
Considerando que a representação se
restringe ao fato representado, conforme dispõe o §2° do artigo 65 da Lei
Complementar Estadual n° 202/00; e
Diante do exposto, a Diretoria de
Controle de Licitações e Contratações sugere ao Exmo. Sr. Relator:
3.1. Conhecer da Representação, nos
termos do art. 66 da Lei Complementar Estadual n° 202/00, por preencher os
requisitos e formalidades preconizados no art. 65, § 1°, do mesmo diploma
legal, no tocante ao seguinte fato:
3.1.1. As doações realizadas pelas
Leis municipais n°s 1.757/2009, 1.758/2009 e 1.967/2011, são irregulares em
face da ausência de licitação, da ausência de termo de justificativa com a
exposição da existência de interesse público e da ausência de avaliação prévia
(no caso do bem da Lei n° 1.758/2009), contrariando o disposto no caput e no
§4° do artigo 17 da Lei Federal n° 8.666/93 e ainda os princípios previstos da
legalidade, da isonomia e da moralidade previstos no caput do artigo 37 da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (item 2.2 do presente
Relatório).
3.2. Determinar a audiência da Sra.
Nelci Fátima Trento Bortolini - Prefeita Municipal de Água Doce, inscrita no
CPF n° 517.949.269-68, com endereço na Praça João Macagnan, 322, Centro - Água
Doce/SC, nos termos do art. 29, § 1°, da Lei Complementar Estadual n° 202, de
15 de dezembro de 2000, para, no prazo de 15 dias, a contar do recebimento
desta deliberação, com fulcro no art. 46, 1, b, do mesmo diploma legal c/c o
art. 124 do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina
(Resolução n° TC-06, de 28 de dezembro de 2001), apresentar alegações de defesa
acerca da irregularidade apontada no item 3.1.1 da Conclusão deste Relatório,
irregularidade esta, ensejadora de aplicação de multa prevista no art. 70 da
Lei Complementar n° 202, de 15 de dezembro de 2000.
3.3. Dar ciência da Decisão, do
Relatório Técnico ao Sr. Odilon Sganzerla, à Sra. Nelci Fátima Trento Bortolini
(com cópia da inicial) e à Prefeitura Municipal de Água Doce, à Assessoria
Jurídica e ao responsável pelo Controle Interno do Órgão.
Em 16 de dezembro de 2011, o Ministério
Público junto ao Tribunal de Contas emitiu seu Parecer nº MPTC/7060/2011,
manifestou-se pelo conhecimento da representação e pela realização de
audiência.
Em 21 de dezembro de 2011, o Relator, às fls.
45 e 45/verso, exarou o seguinte Despacho nº 830/2011:
1. Conhecer da Representação em
análise por preencher os requisitos e formalidades preconizadas no art. 65, §1º
da Lei Complementar nº 202/2000.
2. Determinar Audiência
nos termos do art. 29, §1º, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de
2000 e art. 7 da Resolução nº 07/2002 para que a Srª. Nelci Fátima Trento
Bortolini – Prefeita Municipal à época, apresente justificativas em observância
ao princípio do contraditório e da ampla defesa, a respeito da irregularidade
constante na conclusão do Relatório da DLC nº 638/2011:
2.1. As doações realizadas
pelas Leis Municipais nº 1757/2009, 1758/2009 e 1967/2011, são irregulares em
face da ausência de licitação, da ausência de termo de justificativa com a
exposição da existência de interesse público e da ausência de avaliação prévia
(no caso do bem da Lei nº 1758/2009), contrariando o disposto no caput e no §4º
do artigo 17 da Lei Federal nº 8666/93 e ainda os princípios previstos da
legalidade, da isonomia e da moralidade previstos no caput do artigo 37 da
Constituição Federal, conforme item 2.2 do Relatório da DLC.
(Publicação no DOTC-e nº 925
de 14/02/202)
Em 27 de fevereiro de 2012, a Srª. Nelci
Fátima Trento Bortolini – Prefeita Municipal à época - foi notificada através
do Ofício nº 1.419/11, às fls. 48 e AR, às fls. 49.
Em 13 de março de 2012, a Srª. Nelci Fátima
Trento Bortolini – Prefeita Municipal protocolou sua resposta que foi juntada
às fls. 50 a 62 e documentos, às fls. 64 a 874, que segue sua análise.
2. ANÁLISE
2.1. As
doações realizadas pelas Leis Municipais nº 1757/2009, 1758/2009 e 1967/2011
são irregulares em face da ausência de licitação, da ausência de termo de
justificativa com a exposição da existência de interesse público e da ausência
de avaliação prévia (no caso do bem da Lei nº 1758/2009
Constou do item 2.2
do Relatório DLC nº 638/11:
O representante questionou as doações
de equipamentos realizadas pelo Poder Executivo do Município de Água Doce
através das Leis Municipais n°s 1.757/2009 (fls. 10/11), 1.758/2009 (fls. 12/13)
e 1.967/2011 (fls. 14/15), alegando que não foi observado às regras de
alienação previstas no §4° do artigo 17 da Lei Federal n° 8.666/93 e no
princípio da isonomia.
Quanto se trata de bens patrimoniais,
a Lei Orgânica do Município de Água Doce prescreve o que segue:
Da Administração dos Bens Patrimoniais
Art. 145. Compete ao Prefeito
Municipal à administração dos bens municipais, respeitada a competência da
Câmara quanto àqueles empregados em seus serviços.
Art. 146. A alienação de bens
municipais será feita de conformidade com a legislação pertinente,
especialmente no que tange ao processo licitatório.
Art. 147. A afetação e desafetação de
bens municipais dependerá de lei autorizativa.
Parágrafo Único - As áreas transferidas
ao Município, em decorrência da aprovação de loteamentos, serão consideradas
bens dominiais, enquanto não se efetivarem benfeitorias que lhes dêem outra
destinação.
Art. 148. O uso de bens municipais por
terceiros poderá ser feito mediante concessão, permissão ou autorização,
conforme o interesse público o exigir.
Parágrafo Único - O Município poderá
ceder seus bens a outros entes públicos, inclusive os da Administração
indireta, desde que atendido o interesse ou a finalidade pública.
Art. 149. O Município poderá ceder a
particulares, para serviços de caráter transitório, conforme regulamentação a
ser expedida pelo Prefeito Municipal, máquinas com operadores da Prefeitura,
desde que os serviços da Municipalidade não sofram prejuízo e o interessado recolha,
previamente, a remuneração arbitrada e assine o termo de responsabilidade pela
conservação e devolução dos bens cedidos.
Art. 150. A concessão administrativa
dos bens municipais de uso especiais e dominais, dependerá de lei e de
licitação e far-se-á mediante contrato por prazo determinado, sob pena de
nulidade do ato.
§ 1.° A licitação poderá ser
dispensada nos casos permitidos na legislação aplicável.
§ 2.° A permissão, que poderá incidir
sobre qualquer bem público, será feita mediante licitação, a título precário e
por decreto.
§ 3.° A autorização pode incidir sobre
qualquer bem público e será feita por portaria, para atividades ou uso
específicos e transitórios. Art. 151. Nenhum servidor será dispensado,
transferido, exonerado ou terá aceito o seu pedido de exoneração ou rescisão,
sem que o órgão responsável pelo controle dos bens patrimoniais da Prefeitura
ou da Câmara, ateste que o mesmo devolveu os bens do Município que estavam sob
sua guarda.
Art. 152. O órgão competente do
Município será obrigado, independentemente de despacho de qualquer autoridade,
a abrir inquérito administrativo e a propor, se for o caso, a competente ação
civil e penal, contra qualquer servidor, sempre que forem apresentadas
denúncias contra o extravio ou dano de bens municipais.
Art. 153. O Município, preferentemente
para a venda ou a doação de bens imóveis, cederá direito real de uso, mediante
concorrência. Parágrafo Único - A concorrência poderá ser dispensada quando o
uso se destinar a concessionário de serviço público, a entidades assistenciais,
ou se verificar relevante interesse público na concessão, devidamente
justificado.
Assim, a Lei Orgânica do Município de
Água Doce prescreve que para a venda ou a doação de bens deverá ser feita
mediante concorrência. Mas quando se trata de incentivos, a Lei Orgânica do
Município de Água Doce nada diz como segue:
Da Política Econômica
Art. 114. Na promoção do
desenvolvimento econômico, o Município agirá, sem prejuízos de outras
iniciativas, no sentido de:
[...]
c) estímulos fiscais e financeiros
[...] (grifou-se)
Nesse sentido, em 1996, a Lei
Municipal n° 943/96 de Água Doce foi promulgada estabelecendo normas referentes
às políticas de incentivos e estímulos para a expansão de empreendimentos e a
geração de condições ocupacionais (fls. 16/23 dos autos).
Todavia, no caso representado, o
Prefeito sancionou leis municipais que dispuseram sobre a concessão de
incentivos econômicos como estímulo à expansão das instalações de indústrias e
empresas já existentes, sem prejudicar os benefícios da Lei n° 943/2009 (art.
4° e 5°) acima citada que seguem:
QUADRO 1: LISTA DE LEIS MUNICIPAIS DE
ÁGUA DOCE - CONCESSÃO DE INCENTIVOS ECONÔMICOS
|
Lei Municipal |
Beneficiados |
Valor (R$) |
1 |
Lei n° 1.757, de 19 de maio de 2009 |
I - Oselame Grãos Ltda. Me, inscrita no
CNPJ sob n. 10.618.43910001-36, com atuação no ramo de recebimento e
armazenagem de cereais, localizada na SC 454, KM 39, Trevo Agua Doce/Catanduvas,
neste Município, consistente na doação de equipamentos para expansão das instalações,
|
limitados ao valor de R$ 80.000,00 (oitenta
mil reais); |
II - Agropecuária e Cerealista Martendal
Ltda., inscrita no CNPJ sob n. 10.618.415/0001-87, atuante no ramo de recebimento
e armazenagem de cereais, localizada na SC 452 Km 50, Linha Santo Antonio,
consistente na doação de equipamentos para expansão das instalações, |
limitados ao valor de R$ 80.000,00 (oitenta
mil reais). |
||
III - Mecânica Schule Ltda., inscrita no
CNPJ sob n. 06.134.82510001-85, com atuação no ramo de serviços de reparação
e manutenção de veículos e equipamentos pesados, comércio de peças e
acessórios, consistente na doação de máquinas de uso em mecânica e/ou reforma
do barracão, |
Até o valor máximo de R$ 21.000,00 (vinte e um mil reais). |
||
2 |
Lei n° 1.758, de 26 de maio de 2009 |
- METALVI FUNILARIA Ltda., com atuação no
ramo de fabricação e comércio de estruturas
metálicas, esquadrias e funilaria em geral através da doação de equipamentos |
limitados ao valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais); |
3 |
Lei n° 1.967, De 15 de fevereiro de 2011 |
1 - Friana Frigorifico Ana Carolina Ltda.,
inscrito no CNPJ sob n. 02.016.32510001-98, com atuação no ramo de Frigorífico
- abate de bovinos, localizado na Linha Nova Vicenza neste Município, consistente na doação com encargos de uma
Balança Rodoviária usada; |
(*) |
II – Agroindústria Embutidos Santo Antônio Ltda. ME, inscrita no CNPJ sob n. 12.526.85710001-29,
com atuação no ramo de embutidos de carnes, localizado na Linha Santo
Antônio, SC-452 KM 38, consistente na doação de equipamentos de uso
Industrial, consubstanciados em: um picador de carne em inox; uma câmara
frigorífica para resfriamento com dimensões de 2,00x1,00x2,00 e uma embaladora
a vácuo com câmara, |
até o valor global máximo de R$ 18.000,00 (dezoito mil reais). |
||
|
Total |
224.000,00 |
(*) Obs.: no item 3 - *
- sem valor
As doações realizadas pelo Município
através das três leis municipais, citadas acima, estão em desacordo com a Lei
Municipal n° 943/96, de 19 de março de 1996, onde em seus artigos 5° e 6°,
prescreve a forma de concessão de incentivos fiscais, como segue:
Art. 5°: Os incentivos fiscais serão
concedidos mediante a comprovação de enquadramento nesta Lei e compreenderão:
I - redução de até 80% do Imposto
Sobre Propriedade Urbana - IPTU pelo prazo de até 5 (cinco) anos, a contar do
início das atividades específicas da empresa;
II - redução de até 80% do Imposto
Sobre Serviço - ISS, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, a contar do início das
atividades específicas da empresa;
III - redução da Contribuição de
Melhoria, até o limite de 80% de seu custo apurado;
IV - exclusão ao pagamento de taxas
Municipais nas condições definidas pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico
do Município.
§ 1°: Na forma da Lei poderão ser
concedidos outras reduções de tributos municipais, caracterizados no respectivo
enquadramento.
§ 2°: Os benefícios previstos neste
artigo, quando concedidos à empresa já existente, somente atingirão ao
acréscimo das instalações efetivamente em concordância com o projeto
especifico, nas condições desta Lei.
Art. 6°: Os estímulos materiais
constituem-se pela ajuda ou participação do Município mediante:
I - alienação de área de terra em
região compreendida como parque ou área industrial do município, mediante
processo licitatório pelo valor estipulado pela Comissão de Avaliação;
II - serviços de preparo do solo a ser
utilizado para a implantação ou ampliação da empresa;
III - construção ou pavimentação de
acessos ao local destinado à implantação da empresa;
IV - co-participação nas linhas de
transmissão de energia elétrica, da rede d' água e telefônica;
V - co-participação em programas de
treinamento da mão-de-obra a ser utilizada pela empresa, desde que esta seja
atividade pioneira no Município;
(VI) - outros estímulos materiais, na
forma que estabelecer o Conselho de Desenvolvimento Econômico do Município.
Parágrafo Único: Os custos relativos
aos benefícios especificados neste artigo, poderão ser financiados à empresa em
até 5 (cinco) anos, ou isentados, a contar de seu efetivo recebimento.
(grifou-se)
Como os incentivos não foram com base
na Lei Municipal n° 943/96, de 19 de março de 1996 (já citada acima), e como se
trata de doação pela Administração Pública, onerosa ou não, busca-se o
fundamento na Lei Federal n° 8.666/93, em especial no seu artigo 17 que
prescreveu:
Art. 17. A alienação de bens da
Administração Pública, subordinada à existência de interesse público
devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes
normas:
[...]
Marçal Justen Filho comentou assim o
artigo citado:
1) A
Péssima Técnica Legislativa
O art. 17 é eivado de sério defeito de
técnica legislativa. O dispositivo cuida de dois temas diversos e
inconfundíveis. Disciplina, conjuntamente, os requisitos para alienação de bens
e direitos da Administração e as hipóteses de dispensa de licitação. Em algumas
passagens, os dispositivos estabelecem limitações e exigências a propósito dos
requisitos para alienação de bens públicos. Em outros tópicos, prevêem os
pressupostos para a contratação direta. Em outras palavras, é necessário
cautela para distinguir as hipóteses em que a exigência legal se dirige à
validade da alienação daquelas em que a alienação é plenamente possível, mas
dependerá de licitação. Para tornar mais simples a interpretação, pode-se dizer
que as exigências sobre a alienação propriamente dita constam do capta do art.
17 e do texto propriamente dito dos finos. I e II. Já as alíneas desses dois
incisos disciplinam as hipóteses de dispensa de licitação para alienação.
No entanto, há situações em que a
identificação da exigência propicia sérias dúvidas. Um exemplo claro é o
dispositivo do art. 17, inc. I, al. "b".
O inc. I do art. 17 estabelece
exigências para a alienação de bens imóveis, estabelecendo a regra geral da
obrigatoriedade da prévia licitação, a qual pode ser dispensada em algumas
hipóteses, arroladas nas alíneas subseqüentes. Entre elas, encontra-se o caso
da doação, previsto na al. "h". Mas a parte final do aludido
dispositivo propõe uma séria dúvida para o intérprete. E problemático
identificar que a condição imposta na lei ("permitida exclusivamente para
outro órgão ou entidade ...”) limita a possibilidade jurídica da doação ou
delimita as hipóteses de dispensa de licitação. Ou seja, a determinação legal
visava a proibir a doação de imóveis para terceiros ou a subordiná-la à prévia
licitação? Essa dúvida essencial é que se encontrava na origem da ADIN n°
927-3, promovida pelo Estado do Rio Grande do Sul. A época que a liminar foi
apreciada, a questão ainda não estava suficientemente maturada para permitir o
adequado aprofundamento. O STF decidiu a matéria sem tomar em vista essa
diferenciação, o que não impediu decisão razoavelmente satisfatória. Sobre o
tema, voltar-se-á adiante.
2) A
Abrangência Objetiva do Dispositivo
Alienação é expressão de acepção
ampla. O termo é utilizado para abranger todas as modalidades de transferência
voluntária do domínio de um bem ou direito.
2.1) Manifestações típicas: contratos
de venda e de doação
No direito privado, os instrumentos
jurídicos mais utilizados para transferência de domínio são a compra e venda -
contrato oneroso e bilateral - e a doação - contrato gratuito e unilateral. As
alienações de bens públicos também se operam por meio desses institutos de
direito privado. No entanto e corno adverte MARIA SYLVIA Z. Dl PIETRO,
"... à semelhança do que ocorre com outros institutos de direito privado
utilizados pela Administração, a sujeição ao direito privado nunca é integrai.
Sob vários aspectos tais contratos se submetem ao direito público".'8'
As restrições e limites derivados do
regime de direito público atingem os institutos privados. Ainda que se
aperfeiçoe uma compra e venda, aplicar-se-ão os princípios de direito público
sempre que o regime de direito privado for com eles incompatível. Significa que
a alienação onerosa dos bens públicos faz-se pela via de uma compra e venda; a gratuita,
pela via de uma doação. Mas nenhuma cláusula ou regra peculiar a esses
contratos privados será aplicável quando contrariar os princípios de direito
público.
[...]
2.3) A doação com encargo
Uma hipótese específica, objeto de
tratamento específico no § 4°, é a doação com encargo. A opção por essa
alternativa dependerá da relevância do encargo para consecução dos interesses
coletivos e supra-individuais. Em determinadas hipóteses, a doação com encargo
apresentará regime jurídico próprio, inclusive com a obrigatoriedade da
licitação.
O §5°, introduzido pela mesma Lei,
disciplinou a hipótese de necessidade de oneração do imóvel objeto da doação
com encargo, fornecendo solução cuja necessidade se impõe especialmente nos
casos de recurso pelo particular a linhas de crédito agrícola. A
inalienabilidade do imóvel doado representava obstáculo que acabava por
frustrar a própria finalidade que orientara a doação.
2.1) Hipóteses excluídos
O art. 17 não dispõe sobre alienações
relacionadas com o Programa Nacional de Privatização nem com operações
relacionadas com o mercado de títulos de dívida pública, que se subordinam a
regulação própria.
3) Âmbito de Abrangência Subjetiva do
Dispositivo
Como visto, a interpretação do art. 17
propõe séria dificuldade hermenêutica, em virtude da cumulação da disciplina
relativa aos requisitos de validade da alienação e dos pressupostos da dispensa
de licitação. Essa complexidade normativa se traduz na própria amplitude de
abrangência do dispositivo. Aliás, esse foi o núcleo da discussão levada à
análise do STF, a propósito de alguns dos incisos do art. 17.
Rigorosamente, uma lei federal não
poderia imiscuir-se na disciplina da alienação de bens públicos estaduais,
municipais e distritais. Uma das características essenciais da Federação reside
na autonomia para decidir o destino jurídico dos próprios bens. As normas
gerais editadas pela União apenas podem tornar concretos princípios e regras
inerentes à estruturação constitucional da Federação. Mas as normas gerais
poderiam dispor sobre as hipóteses de dispensa de licitação para alienação -
considerando-se especificamente o permissivo do art. 37, inc. XXI, da CF/88 (que
remete à lei federal a especificação das hipóteses em que a licitação prévia
obrigatória poderia ser dispensada).
Daí se extrai que as regras do art. 17
vinculam, sem margem de dúvida, à União, que pode dispor legislativamente sobre
o destino dos próprios bens. Qualquer interferência sobre a autonomia dos
outros entes federativos para gerir os próprios bens seria incompatível com a
Constituição. Já no tocante aos pressupostos de dispensa de licitação, a
competência legislativa da União é mais ampla.
Partindo de tais pressupostos, é
possível produzir interpretação conforme, que evite a configuração de
inconstitucionalidade e assegure a maior utilidade normativa para os
dispositivos.
(JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à
Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11ª Ed. São Paulo: Dialética,
2005, pg. 169/171) (grifou-se)
Já Jessé Torres comentou assim o
inciso citado:
2 - Caráter da norma
A norma é geral, importando ao
cumprimento dos princípios da isonomia e da moralidade.
3 - Conteúdo da norma
A Lei n° 8.883/94 veio fixar a regra
geral de ser devida a licitação no caso de doação com encargo, admitindo a
dispensa se houver interesse público. Inverteu, pois, a orientação da Lei n° 8.666/93,
que considerava facultativa a licitação. Superior a diretriz da norma
retificadora, posto que respeita o dever geral estabelecido na Constituição.
Mas o espaço outorgado à discrição administrativa é incompatível com a natureza
das hipóteses de dispensa por determinação da lei, mais aproximando-se da
categoria de dispensabilidade ao nuto da Administração. Mitiga-se a discrição
pela motivação necessária do ato de dispensa, que haverá de evidenciar as
razões de interesse público que a justificam, indispensável a publicação (v.
comentários ao art. 26).
Aperfeiçoada, com ou sem licitação, a
doação com encargo será deduzida por instrumento, público ou particular
conforme a natureza do bem. Do instrumento constarão os encargos, o prazo para
seu cumprimento e cláusula de reversão do bem ao doador na hipótese de
inadimplemento dos encargos.
Será nula a doação com encargo que
omita qualquer desses requisitos, como se o bem doado jamais houvesse deixado a
esfera patrimonial do doador. E a sanção expressamente cominada para a violação
do negócio jurídico, que se funda em norma cogente e de ordem pública,
inafastável, pois, pela vontade de doador e donatário, ainda que ambos integrem
a Administração Pública.
(PEREIRA JUNIOR. Jessé Torres.
Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública. 5a.
Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pg. 210) (grifou-se)
Segundo o artigo 17 da Lei Federal n°
8.666/93 (já citado), na doação são necessários dos seguintes requisitos:
a) a existência de interesse público
devidamente justificado; e
b) a avaliação prévia.
E o § 4° do artigo 17, coloca duas
exigências na doação com encargos:
a) através de licitação; e
b) dispensada a licitação no caso de
interesse público devidamente justificado.
Ainda, prescreve o § 4°, na doação com
encargo, sob pena de nulidade do ato, em seu instrumento, constarão
obrigatoriamente:
- os encargos,
- o prazo de seu cumprimento; e
- a cláusula de reversão.
O representante alegou ainda que
"as doações realizadas ferem e muito o princípio constitucional da
isonomia, pois o município doou bens públicos a particulares sem prévia
licitação, beneficiando determinadas pessoas jurídicas em detrimento dos
demais, o que nem de perto condiz com a atual sistemática do nosso ordenamento
jurídico, em especial as regras do direito administrativo que não permitem a
alienação patrimonial sem licitação".
Buscamos no comentário de Celso
Ribeiro Bastos do princípio da igualdade quando da contratação que também serve
para a doação:
O princípio da igualdade constitui um
dos alicerces da licitação, na medida em que esta visa não apenas permitir à
Administração a escolha da melhor proposta, como também assegurar à igualdade
de direitos a todos os interessados diante da possibilidade de contratar com o
Poder Público. Esse princípio, que hoje está expresso no art. 37, XXI do Texto
Constitucional, veda o estabelecimento de condições que impliquem preferência
em favor de determinado licitante em detrimento dos demais.
O princípio da igualdade é, sem dúvida
nenhuma, basilar ao instituto licitatório. Pode se afirmar que, de longe,
ultrapassa os limites desse instituto para altear-se, na verdade, a uma das
vigas mestras de todo o nosso sistema jurídico. Leia-se o art. 5° da
Constituição que trata dos direitos fundamentais, cujo capuz enuncia
expressamente a igualdade, não como um entre os múltiplos princípios, mas, como
o princípio que capitaneia todos os demais, tanto é assim que pertence ao caput
do artigo, além de constar do próprio preâmbulo da Constituição como valor
supremo da formação do Estado brasileiro.
O princípio da igualdade permeia todo
o procedimento licitatório, na exata medida em que este tem que assegurar
igualdade de condições a todos os participantes, estando vedado qualquer
favorecimento a um dos concorrentes, sob pena de nulidade de todo o certame.
Todas as exigências feitas aos participantes devem constar expressamente do
edital, não podendo a Administração Pública alterá-las no curso do
procedimento, de modo a favorecer ou prejudicar qualquer dos participantes. E
bom lembrar que o procedimento licitatório é escrupulosamente definido em lei
que descreve as exigências que podem ser feitas aos licitantes através do
edital, para que possam ser habilitados. (BASTOS. Celso Ribeiro, Curso de
Direito Administrativo, São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, pág. 178/179).
Há no município de Água Doce, outras
empresas que também poderiam receber a doação, como aquelas das Leis n° 1.757 e
1.758/2009 e 1.967/2011. Em atendimento ao princípio da isonomia, que assegura
à igualdade de direitos a todos os interessados, diante da possibilidade de receber
também os mesmos benefícios, é necessário que a Administração faça a doação
através da licitação, onde estabelece os critérios para a seleção de possíveis
interessados.
Em caso semelhante, o Relatar acolheu
a representação nos autos do processo RPA-00105813131, como segue:
Tratam os autos de expediente
formulado a esta Corte de Contas, a qual relata a possível ocorrência de
irregularidades na gestão administrativa do Executivo de Campos Novos, no
tocante à doação de área de terras à empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda.,
através da Lei Municipal ri. 1.697190, posteriormente prorrogado pelo Decreto
n. 4.182100, para implantação de uma indústria de papel, cartolina e papelão,
assim como possível aporte de recursos financeiros na ordem de R$ 32.585,73,
conforme Projeto de Lei n. 1.914/96, sem que nenhuma construção tenha sido
feita na área doada.
VOTO DO RELATOR:
ESTE RELATOR, diante das razões
apresentadas pelo órgão de instrução e com fulcro no que dispõem os arts. 96 e
102 da Resolução TC-0612001, alterados pelos arts. 4° e 5° da Resolução
TC-05/2005, respectivamente, decide:
6.1. Em preliminar, conhecer da
Representação acerca de supostas irregularidades praticadas no âmbito da
Prefeitura Municipal de Campos Novos, por preencher os requisitos necessários
previstos no art. 96, caput, da Resolução n. TC-0612001 e 65, § 1°, c/c o art.
66 da Lei Complementar n. 202/2000.
6.2. Determinar à Diretoria de
Denúncias e Representações - DDR que sejam adotadas providências, inclusive
auditoria, inspeção ou diligência, que se fizerem necessárias junto à
Prefeitura Municipal de Campos Novos, com vistas à apuração dos fatos apontados
como irregulares e transcritos na inicial deste.
(fonte: disponível na Siproc)
Portanto, a representação deve ser
acolhida, tendo em vista que as doações realizadas pelas Leis municipais n°s
1.757/2009, 1.758/2009 e 1.967/2011, são irregulares em face da ausência de
licitação, da ausência de termo de justificativa, com a exposição da existência
de interesse público e da ausência de avaliação prévia (no caso do bem
correspondente a Lei n° 1.758/2009). O fato, contraria o disposto no caput e no
§4º do artigo 17 da Lei Federal n° 8.666/93 e ainda os princípios da
legalidade, da isonomia e da moralidade, previstos no caput do artigo 37 da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988 que prescreveu:
Art. 37. A administração pública
direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela
Emenda Constitucional n° 19, de 1998)
[...]
A Srª. Nelci Fátima Trento Bortolini –
Prefeita Municipal - encaminhou sua resposta, às fls. 50 a 62, nos seguintes
termos:
II - DA CONCESSÃO DOS INCENTIVOS:
Ao contrário do constante nos autos, a
concessão dos incentivos econômicos em questão seguiu o rito previsto na Lei n.
943/96. Não há nos autos indicação de qual dispositivo teria sido descumprido.
Com efeito, a Lei 943/96 estabelece em
seu artigo 6º:
Art.
6°. Os estímulos materiais constituem-se pela ajuda ou participação do
Município, mediante:
...
VI
- outros estímulos materiais, na forma que estabelecer o Conselho de
Desenvolvimento Econômico do Município.
No caso, todos os pedidos de concessão
de incentivos foram recebidos e geraram processo específico que foi autuado
perante o Conselho de Desenvolvimento Econômico e seguiu a tramitação
estabelecida no artigo 9º da Lei 943/96, a saber:
Art.
9°. A solicitação da empresa ou entidade interessada nos benefícios da presente
Lei, se fará mediante requerimento dirigido ao Prefeito Municipal, instruído de
formulário específico, fornecido pelo Município.
§
1º. Constatada a viabilidade do empreendimento, em se tratando de alienação de
bens imóveis, se dará início ao processo licitatório e, nos demais casos, a
empresa será notificada para no prazo de 60 (sessenta) dias, contados do
recebimento da mesma, apresentar os seguintes documentos:
I
- fotocópia autenticada dos atos constitutivos e posteriores alterações;
II
- certidão negativa de concordata ou falência;
III
- certidão negativa de protestos de títulos, da empresa e de seus diretores, e,
seus últimos domicílios nos últimos 5 anos;
IV
- certidão negativa de tributos municipais, estaduais e federais da empresa e
seus diretores;
V
- projeto de viabilidade econômica-financeira do plano, assinado por economista
ou administrador de empresas, registrado no seu respectivo conselho regional;
VI
- planta, memorial descritivo, orçamento e cronograma físico-financeiro das
edificações a serem feitas e plano de expansão;
VII
- balanço patrimonial dos últimos dois exercícios.
§
2º. Decorrido o prazo estipulado no parágrafo anterior, sem que ocorra
manifestação da interessada, sua solicitação será desconsiderada.
§
3°. A documentação descrita no § 1°, será a mesma exigida das empresas para
habilitação ao processo licitatório.
O Conselho de Desenvolvimento
Econômico foi regularmente criado pela Lei n. 930/95 e ao mesmo incumbe
analisar as solicitações das empresas interessadas nos incentivos e estímulos
previstos na própria lei 943/96, estabelecer outros estímulos materiais a ser concedidos
as empresas, bem como acompanhar e fiscalizar o cumprimento do Projeto,
conforme consta no artigo 6º, inciso VI, combinado com artigo 8º, ambos da Lei
n. 943/96.
Por esta razão, todos os pedidos de
concessão de incentivos econômicos apresentados pelas empresas são encaminhados
ao referido Conselho, que faz a autuação e prossegue com os andamentos de
estilo. Em anexo, seguem cópias integrais dos processos de concessão de
incentivos, objeto desta Representação, que tramitaram perante o referido Conselho
Municipal de Desenvolvimento Econômico, assim enumerados e identificados:
Processo
número |
Empresa
requerente |
01/2009 |
Oselame
Grãos Ltda. Me |
02/2009 |
Agropecuária
e Cerealista Martendal Ltda. |
03/2009 |
Mecânica
Schule Ltda |
04/2009 |
Metalvi
Funilaria Ltda. |
07/2010 |
Friana
Frigorífico Ana Carolina Ltda*. |
10/2010 |
Agroindústria
Embutidos Santo Antônio Ltda. Me. |
* A requerente desistiu do pedido,
motivo pelo qual o processo não está sendo encaminhado
Em cada um destes processos o Conselho
de Desenvolvimento Econômico analisou os requerimentos e emitiu o parecer
favorável a concessão dos estímulos materiais, em forma de doação de máquinas
ou equipamentos, conforme solicitado pelas empresas e de acordo com as
possibilidades orçamentárias e financeiras do Município em cada oportunidade.
Ainda, por questão de cautela e em
atendimento aos demais princípios da despesa pública, após a longa tramitação
destes processos perante o Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico, a
administração municipal houve por bem encaminhar Projeto de Lei específico à
Câmara de Vereadores, buscando a autorização legislativa para contrair a
despesa objeto do incentivo a ser concedido.
Veja-se que a Lei n. 943/93 não exige
outra lei específica, de forma que, após constatada a viabilidade do
empreendimento perante o Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico, o
incentivo poderia ser concedido por decreto do Poder Executivo. Mas a
administração municipal, visando a participação e o envolvimento do Poder
Legislativo na concessão dos incentivos econômicos, em medida de total
transparência e boa-fé, ainda teve a preocupação de encaminhar Projetos de Lei
próprios, justificando na Mensagem de encaminhamento que as empresas em questão
já haviam percorrido todo o caminho previsto na Lei 943/96 e que por isso eram
merecedoras do incentivo objetivado.
Portanto, é preciso ficar bem
esclarecido que, ao contrário do constante nos autos, os incentivos foram concedidos com base na Lei n. 943/96 e ainda
mediante lei autorizativa específica, no caso as Leis números 1757/2009;
1.758/2009 e Lei n. 1.967/2011, motivos pelos quais não se aplicaria o artigo
17 da Lei Federal n. 8666/93 que exigiria o processo licitatório na escolha da
empresa a ser incentivada.
Partindo-se desta premissa, e restando
comprovado através da documentação que agora se anexa aos autos, de que a
concessão dos incentivos impugnados não
traiu o rito estabelecido na Lei n. 943/96, e que a despesa resultante dos
estímulos materiais estabelecidos pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico em
cada Ata onde o pedido foi analisado e aprovado, mereceu autorização
legislativa específica, afastadas ficam as teses constantes na representação,
que deverá ser julgada improcedente.
A lei geral dos incentivos (Lei
943/96) prevê em seu artigo 6º, inciso VI que poderão ser concedidos estímulos
materiais na forma que estabelecer o Conselho de Desenvolvimento Econômico.
Este, por sua vez, analisou cada um dos pedidos, em processo próprio
devidamente autuado, que não quebrou o rito previsto no artigo 9º da referida
Lei e, ao final, emitiu parecer recomendando a concessão de cada um dos
incentivos concedidos. A administração municipal, ao receber os processos do
Conselho, ainda teve a precaução de enviar projetos de lei específicos autorizando
a concessão dos incentivos. Portanto, não há que se falar em irregularidade nos
atos administrativos em questão.
De acordo com artigo 30, inciso I, da
Constituição Federal, o Município tem autonomia para legislar sobre assuntos de
interesse local. A Lei 943/96 fora editada dentro desta competência e sua
aplicação afasta a aplicação da Lei Federal n. 8666/93, porquanto esta trata de
normas gerais sobre licitações e contratos, pertinentes a aquisição de bens e
serviços para a administração e alienação de bens quando se mostrarem
inserviveis. Portanto, esta Lei Federal não trata da política de incentivos
econômicos do município, matéria reservada à lei local, regularmente editada em
Água Doce ainda nos idos de 1996, cujo rito fora observado pela administração
na concessão destes incentivos.
Portanto, não tem aplicação ao caso
concreto o artigo 17 da Lei Federal n. 8666/93, já que o Município de Água Doce
não estava se desfazendo de seus bens e, sim, estava concedendo incentivos
econômicos dentro do rito estabelecido pela lei local.
Inclusive, os bens objeto dos
incentivos sequer compunham o patrimônio público municipal antes da aprovação
das leis específicas que autorizaram os incentivos, porque totalmente
incompatíveis com a finalidade pública. Foram adquiridos mediante processo
licitatório específico somente após a aprovação das leis em referência e com a
única finalidade de atendimento aos pedidos de concessão de incentivos
econômicos já analisados e deferidos pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico.
Portanto, o caso não pode ser considerado como alienação do patrimônio público
municipal mediante processo licitatório, já que não se trata de alienação de
bens móveis inservíveis e, sim, tratou-se de concessão de incentivos
econômicos.
Por amor ao debate e na defesa do
interesse público, ainda que fosse aplicável a Lei Federal n. 8666/93 - o que
se admite apenas em argumentação - a licitação perseguida seria absolutamente
dispensada, ou seja, ainda assim não estaríamos diante de uma irregularidade na
concessão dos incentivos em questão.
Com efeito, o § 4" do artigo 17
da Lei 8666/93 diz que é dispensada a licitação no caso de interesse público
devidamente justificado. Não há dizer que após toda a tramitação dos processos
perante do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico o interesse público
não restou suficientemente justificado. Ora, não se tratou de uma doação pura e
simples; a concessão decorreu de uma tramitação especial, perante um Conselho
legítimo, legalmente constituído e com competência plena sobre a matéria, cuja
decisão final ainda foi chancelada pelo Poder Legislativo que aprovou os
projetos de lei específicos que foram encaminhados para esta finalidade.
Portanto, aí reside o interesse público que dispensou a licitação reclamada.
Obviamente que o processo licitatório, após a tramitação normal perante o
Conselho de Desenvolvimento Econômico, negaria vigência a lei municipal que
tratou da política de incentivos econômicos, retirando-lhe completamente a
eficácia. Aliás, o artigo 9º desta lei municipal é taxativo ao indicar que:
em se tratando de alienação de bens
imóveis, se dará início ao processo licitatório e, nos demais casos, a empresa
será notificada para no prazo de 60 (sessenta) dias, contados do recebimento da
mesma, apresentar os seguintes documentos:
Quando o incentivo envolve a concessão
de direito real de uso de imóveis a administração procede ao processo
licitatório próprio, na modalidade de concorrência. Contudo, quando se trata de
estímulos materiais (demais casos) na
forma que estabeleceu o Conselho de Desenvolvimento Econômico nos respectivos
processos, a licitação está dispensada e segue-se o rito da lei 943/96,
enviando-se finalmente, projeto de lei específico, à Câmara de Vereadores;
aprovado o projeto de lei, é dado início ao processo licitatório para aquisição
dos equipamentos ou máquinas definidos para doação a título de incentivo
econômico, seguindo-se com a entrega dos bens mediante Termo de Adesão firmado
pela empresa e posterior verificação quanto ao cumprimento dos encargos então
fixados.
Portanto, estamos diante de concessão
de estímulos materiais consistentes na doação de máquinas e equipamentos a
empresas, dentro da política de incentivos econômicos travada na lei local
943/96, mediante encargos aos quais se submete a empresa beneficiada, em
atendimento ao interesse público. Neste contexto, não é por se tratar de doação
com encargo que a licitação era obrigatória, eis que, tratam-se todos de bens
móveis, cuja idéia de alienação mediante processo licitatório induz à busca da
proposta mais vantajosa em processo de leilão, implicando na necessidade da
obtenção de preço, de sorte que seria possível a licitação, mas já não mais
para a concessão de incentivo econômico e, sim, para venda ou locação daqueles
equipamentos e máquinas, o que não era o objetivo primordial do caso concreto.
Também por esta razão é que a doação
onerosa mediante licitação, prevista no § 4" do artigo 17 da Lei nº
8666/93, mais se coaduna quando se tratar de bens imóveis, cujos encargos ficam
assegurados por hipoteca em segundo grau em favor do Município no caso de o
donatário oferecer o imóvel em garantia de financiamento, como explica o § 5º
do mesmo artigo 17 desta Lei. Inclusive a decisão citada no corpo do Relatório,
que serviu de fundamento ao recebimento da representação objeto destes autos, é
relativa a um processo de doação de bem imóvel sem licitação, ocorrido no
município de Campos Novos. (REP 00/05813131 - Representação de Agente Público
acerca de supostas irregularidades envolvendo a doação de imóvel de propriedade
do Município com área de 121.000m²).
Feitas estas considerações,
verifica-se que estando os incentivos em conformidade com a Lei Municipal de
incentivos e estímulos para a expansão de empreendimentos industriais,
comerciais e profissionais para a geração de empregos e incremento na
arrecadação, disciplinados por Lei Municipal própria, bem como submetidos ao
Conselho de Desenvolvimento Econômico que, após tramitação regular perante o
mesmo ainda foi objeto de autorização legislativa específica, presente o
interesse público exigido para a concessão, dispensada a licitação quer pela
não aplicação da Lei n. 8666/93, quer pela última parte do § 4º do artigo 17,
ante a presença do interesse público, amplamente demonstrado nos processos que
seguem em anexo.
Por fim, importante ressaltar que as
empresas beneficiadas com os estímulos materiais em questão, são constantemente
fiscalizadas pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico, que atesta o
cumprimento dos encargos assumidos no momento do recebimento do bem e
constantes no Termo de Adesão.
Como provam os documentos existentes
em cada um dos processos anexados, verifica-se que o interesse público maior
foi alcançado, porquanto as empresas atingiram os objetivos aos quais se propuseram
e estão cumprimento integralmente os encargos, gerando os empregos propostos,
aumentando o índice de movimento econômico, contribuindo com o fortalecimento
da economia local.
No que se refere ao incentivo que
seria concedido a empresa FRIANA Frigorífico Ana Carolina Ltda., consistente na
doação de uma balança rodoviária usada, o processo restou infrutífero diante da
desistência da mesma, como se verifica do comunicado que segue em anexo.
(grifos no original)
A Instrução apontou
que as doações realizadas pelas Leis Municipais nº 1757/2009, 1758/2009 e
1967/2011, são irregulares em face da:
a) ausência de
licitação;
b) ausência de termo
de justificativa com a exposição da existência de interesse público; e
c) ausência de
avaliação prévia (no caso do bem da Lei nº 1758/2009).
A responsável
contestou a irregularidade levantada alegando que “os incentivos foram
concedidos com base na Lei n. 943/96 e ainda mediante lei autorizativa
específica, no caso as Leis números 1757/2009; 1.758/2009 e Lei n. 1.967/2011,
motivos pelos quais não se aplicaria o artigo 17 da Lei Federal n. 8666/93 que
exigiria o processo licitatório na escolha da empresa a ser incentivada”.
Alegou ainda que “de
acordo com artigo 30, inciso I, da Constituição Federal, o Município tem
autonomia para legislar sobre assuntos de interesse local. A Lei 943/96 fora
editada dentro desta competência e sua aplicação afasta a aplicação da Lei
Federal nº 8666/93, porquanto esta trata de normas gerais sobre licitações e
contratos, pertinentes a aquisição de bens e serviços para a administração e
alienação de bens quando se mostrarem inservíveis”.
Quanto ao interesse
público, a responsável alegou que o § 4º do artigo 17 da Lei Federal nº 8.666/93
dispensa a licitação no caso de interesse público devidamente justificado.
Ainda afirmou que “não
há dizer que após toda a tramitação dos processos perante do Conselho Municipal
de Desenvolvimento Econômico o interesse público não restou suficientemente
justificado. Ora, não se tratou de uma doação pura e simples; a concessão
decorreu de uma tramitação especial, perante um Conselho legítimo, legalmente
constituído e com competência plena sobre a matéria, cuja decisão final ainda
foi chancelada pelo Poder Legislativo que aprovou os projetos de lei específicos
que foram encaminhados para esta finalidade. Portanto, aí reside o interesse
público que dispensou a licitação reclamada”.
Também alegou que “como
provam os documentos existentes em cada um dos processos anexados, verifica-se
que o interesse público maior foi alcançado, porquanto as empresas atingiram os
objetivos aos quais se propuseram e estão cumprimento integralmente os
encargos, gerando os empregos propostos, aumentando o índice de movimento
econômico, contribuindo com o fortalecimento da economia local”.
Foram três
irregularidades apontadas pela Instrução.
Quanto à ausência de
avaliação prévia no caso do bem autorizado pela Lei nº 1758/2009, a responsável
informou que “a requerente desistiu do pedido, motivo pelo qual o processo não
está sendo encaminhado”.
Restou a ausência do
processo licitatório na escolha da empresa a ser incentivada e ausência de
interesse público.
Quanto à ausência do processo licitatório,
neste caso não se aplicaria, tendo em vista que qualquer empresa poderia
solicitar os incentivos com base na Lei Municipal n° 943/96.
Quanto ao interesse
público, a Lei Municipal n° 943/96, de 19 de março de 1996, que estabeleceu
normas à política de incentivos e estímulo, em seu artigo 1º fixou as seguintes
finalidades:
- para
a expansão de empreendimentos industriais, comerciais e profissionais;
- para
a geração de mão-de-obra; e
- para
a geração de empregos.
Ao estabelecer as
finalidades dos incentivos na lei municipal, ficou caracterizado o interesse
público, isto é, que será dado incentivo econômico às empresas que têm como
objetivo a sua expansão como empreendimentos industriais, comerciais e
profissionais, a geração de mão-de-obra e geração de empregos. Esta é a
contrapartida das empresas que serão beneficiadas com os incentivos.
Consta às fls.
156/157 dos autos, do Parecer do Conselho de Desenvolvimento Econômico, que a
empresa Oselame Grãos Ltda. Me, comprovou o aumento de vagas de empregos.
Consta às fls.
447/448 dos autos, do Parecer do Conselho de Desenvolvimento Econômico, que a
empresa Agropecuária e Cerealista Martendal Ltda. comprovou o aumento de vagas
de empregos.
Consta às fls.
699/670 dos autos, do Parecer do Conselho de Desenvolvimento Econômico, que a
empresa Mecânica Schule Ltda. comprovou o aumento de vagas de empregos.
Consta às fls.
795/796 dos autos, do Parecer do Conselho de Desenvolvimento Econômico, que a
empresa Metalvi Funilaria Ltda. comprovou o aumento de vagas de empregos.
Quanto à empresa Agroindústria
Embutidos Santo Antônio Ltda. Me., não se encontrou qualquer parecer do
Conselho, nos documentos juntados pelo responsável, às fls. 840 a 873. A
entrega dos equipamentos se deu em 02 de maio de 2011, conforme consta às fls.
873, e a empresa se compromete a gerar 8 empregos diretos em 5 (cinco) anos de
funcionamento, e 15 a 20 empregos indiretos (fls. 844). Porém, consta ainda, às
fls. 873, que a empresa deverá entrar em operação somente no primeiro semestre
de 2012.
Assim, diante dos
documentos juntados pela responsável as doações realizadas pelas Leis
Municipais nº 1757/2009, 1758/2009 e 1967/2011, estão regulares e atenderam as
finalidades da Lei Municipal n° 943/96 do município de Água Doce.
3. CONCLUSÃO
Considerando que
foi efetuada a audiência da responsável, conforme consta nas fls. 49 dos
presentes autos;
Considerando que as alegações de defesa e documentos
apresentados são suficientes para elidir irregularidades apontadas, constantes
do Relatório 638/2011;
Considerando a competência do Conselho de
Desenvolvimento Econômico de Água Doce; e
Diante
do exposto, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações sugere ao Exmo.
Sr. Relator:
3.1.
Considerar
improcedente a Representação, nos termos do art. 66 da Lei Complementar
Estadual nº 202, de 15 de dezembro de 2000, quanto ao seguinte fato:
3.1.1.
As
doações realizadas pelas Leis Municipais nº 1757/2009, 1758/2009 e 1967/2011,
estão regulares e atenderam as finalidades da Lei Municipal n° 943/96, de 19
de março de 1996 do Município de Água Doce (item 2.1 do presente Relatório).
3.2.
Determinar
o arquivamento do Processo.
3.3.
Dar
ciência da Decisão, do Relatório Técnico ao Sr. Odilon Sganzerla, à Sra. Nelci
Fátima Trento Bortolini e ao responsável pelo Controle Interno da Prefeitura
Municipal de Água Doce.
É o Relatório.
Diretoria de Controle de Licitações e
Contratações, em 22 de abril de 2012.
LUIZ CARLOS ULIANO
BERTOLDI
AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO
De acordo:
NADYA ELIANE
ZIMMERMANN VENTURA
CHEFE DA DIVISÃO
DENISE
REGINA STRUECKER
COORDENADORA
Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo.
Sr. Relator Wilson Rogério Wan-Dall, ouvido preliminarmente o Ministério
Público junto ao Tribunal de Contas.
MARCELO BROGNOLI DA
COSTA
DIRETOR