PROCESSO Nº:

REP-11/00508357

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de Água Doce

RESPONSÁVEL:

Nelci Fátima Trento Bortolini

INTERESSADO:

Odilon Sganzerla

ASSUNTO:

Irregularidades concernentes à concessão de incentivos econômicos a empresas

RELATÓRIO DE REINSTRUÇÃO:

DLC - 210/2012

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Trata-se de representação, protocolada em 13 de setembro de 2010, juntada às folhas 02 a 09, subscrita pelo Sr. Odilon Sganzerla - Vereador do Município de Água Doce/SC, comunicando supostas irregularidades concernentes à concessão de incentivos econômicos a empresas realizadas pelo Poder Executivo do Município de Água Doce através das seguintes Leis Municipais:

- Lei Municipal n° 1.757/2009 de 19 de maio de 2009;

- Lei Municipal n° 1.758/2009 de 26 de maio de 2009; e

- Lei Municipal n° 1.967/2011 de 15 de fevereiro de 2011.

 

Em 20 de setembro de 2011, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC emitiu o Relatório DLC nº 638/2011, concluindo:

Considerando que a representação atende todos os requisitos para o seu conhecimento,

Considerando que a representação se restringe ao fato representado, conforme dispõe o §2° do artigo 65 da Lei Complementar Estadual n° 202/00; e

Diante do exposto, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações sugere ao Exmo. Sr. Relator:

3.1. Conhecer da Representação, nos termos do art. 66 da Lei Complementar Estadual n° 202/00, por preencher os requisitos e formalidades preconizados no art. 65, § 1°, do mesmo diploma legal, no tocante ao seguinte fato:

3.1.1. As doações realizadas pelas Leis municipais n°s 1.757/2009, 1.758/2009 e 1.967/2011, são irregulares em face da ausência de licitação, da ausência de termo de justificativa com a exposição da existência de interesse público e da ausência de avaliação prévia (no caso do bem da Lei n° 1.758/2009), contrariando o disposto no caput e no §4° do artigo 17 da Lei Federal n° 8.666/93 e ainda os princípios previstos da legalidade, da isonomia e da moralidade previstos no caput do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (item 2.2 do presente Relatório).

3.2. Determinar a audiência da Sra. Nelci Fátima Trento Bortolini - Prefeita Municipal de Água Doce, inscrita no CPF n° 517.949.269-68, com endereço na Praça João Macagnan, 322, Centro - Água Doce/SC, nos termos do art. 29, § 1°, da Lei Complementar Estadual n° 202, de 15 de dezembro de 2000, para, no prazo de 15 dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no art. 46, 1, b, do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (Resolução n° TC-06, de 28 de dezembro de 2001), apresentar alegações de defesa acerca da irregularidade apontada no item 3.1.1 da Conclusão deste Relatório, irregularidade esta, ensejadora de aplicação de multa prevista no art. 70 da Lei Complementar n° 202, de 15 de dezembro de 2000.

3.3. Dar ciência da Decisão, do Relatório Técnico ao Sr. Odilon Sganzerla, à Sra. Nelci Fátima Trento Bortolini (com cópia da inicial) e à Prefeitura Municipal de Água Doce, à Assessoria Jurídica e ao responsável pelo Controle Interno do Órgão.

 

 

Em 16 de dezembro de 2011, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas emitiu seu Parecer nº MPTC/7060/2011, manifestou-se pelo conhecimento da representação e pela realização de audiência.

 

 

Em 21 de dezembro de 2011, o Relator, às fls. 45 e 45/verso, exarou o seguinte Despacho nº 830/2011:

1. Conhecer da Representação em análise por preencher os requisitos e formalidades preconizadas no art. 65, §1º da Lei Complementar nº 202/2000. 

2. Determinar Audiência nos termos do art. 29, §1º, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000 e art. 7 da Resolução nº 07/2002 para que a Srª. Nelci Fátima Trento Bortolini – Prefeita Municipal à época, apresente justificativas em observância ao princípio do contraditório e da ampla defesa, a respeito da irregularidade constante na conclusão do Relatório da DLC nº 638/2011: 

2.1. As doações realizadas pelas Leis Municipais nº 1757/2009, 1758/2009 e 1967/2011, são irregulares em face da ausência de licitação, da ausência de termo de justificativa com a exposição da existência de interesse público e da ausência de avaliação prévia (no caso do bem da Lei nº 1758/2009), contrariando o disposto no caput e no §4º do artigo 17 da Lei Federal nº 8666/93 e ainda os princípios previstos da legalidade, da isonomia e da moralidade previstos no caput do artigo 37 da Constituição Federal, conforme item 2.2 do Relatório da DLC. 

(Publicação no DOTC-e nº 925 de 14/02/202)

 

 

Em 27 de fevereiro de 2012, a Srª. Nelci Fátima Trento Bortolini – Prefeita Municipal à época - foi notificada através do Ofício nº 1.419/11, às fls. 48 e AR, às fls. 49.

Em 13 de março de 2012, a Srª. Nelci Fátima Trento Bortolini – Prefeita Municipal protocolou sua resposta que foi juntada às fls. 50 a 62 e documentos, às fls. 64 a 874, que segue sua análise.

2. ANÁLISE

 

2.1. As doações realizadas pelas Leis Municipais nº 1757/2009, 1758/2009 e 1967/2011 são irregulares em face da ausência de licitação, da ausência de termo de justificativa com a exposição da existência de interesse público e da ausência de avaliação prévia (no caso do bem da Lei nº 1758/2009

 

Constou do item 2.2 do Relatório DLC nº 638/11:

O representante questionou as doações de equipamentos realizadas pelo Poder Executivo do Município de Água Doce através das Leis Municipais n°s 1.757/2009 (fls. 10/11), 1.758/2009 (fls. 12/13) e 1.967/2011 (fls. 14/15), alegando que não foi observado às regras de alienação previstas no §4° do artigo 17 da Lei Federal n° 8.666/93 e no princípio da isonomia.

Quanto se trata de bens patrimoniais, a Lei Orgânica do Município de Água Doce prescreve o que segue:

Da Administração dos Bens Patrimoniais

Art. 145. Compete ao Prefeito Municipal à administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles empregados em seus serviços.

Art. 146. A alienação de bens municipais será feita de conformidade com a legislação pertinente, especialmente no que tange ao processo licitatório.

Art. 147. A afetação e desafetação de bens municipais dependerá de lei autorizativa.

Parágrafo Único - As áreas transferidas ao Município, em decorrência da aprovação de loteamentos, serão consideradas bens dominiais, enquanto não se efetivarem benfeitorias que lhes dêem outra destinação.

Art. 148. O uso de bens municipais por terceiros poderá ser feito mediante concessão, permissão ou autorização, conforme o interesse público o exigir.

Parágrafo Único - O Município poderá ceder seus bens a outros entes públicos, inclusive os da Administração indireta, desde que atendido o interesse ou a finalidade pública.

Art. 149. O Município poderá ceder a particulares, para serviços de caráter transitório, conforme regulamentação a ser expedida pelo Prefeito Municipal, máquinas com operadores da Prefeitura, desde que os serviços da Municipalidade não sofram prejuízo e o interessado recolha, previamente, a remuneração arbitrada e assine o termo de responsabilidade pela conservação e devolução dos bens cedidos.

Art. 150. A concessão administrativa dos bens municipais de uso especiais e dominais, dependerá de lei e de licitação e far-se-á mediante contrato por prazo determinado, sob pena de nulidade do ato.

§ 1.° A licitação poderá ser dispensada nos casos permitidos na legislação aplicável.

§ 2.° A permissão, que poderá incidir sobre qualquer bem público, será feita mediante licitação, a título precário e por decreto.

§ 3.° A autorização pode incidir sobre qualquer bem público e será feita por portaria, para atividades ou uso específicos e transitórios. Art. 151. Nenhum servidor será dispensado, transferido, exonerado ou terá aceito o seu pedido de exoneração ou rescisão, sem que o órgão responsável pelo controle dos bens patrimoniais da Prefeitura ou da Câmara, ateste que o mesmo devolveu os bens do Município que estavam sob sua guarda.

Art. 152. O órgão competente do Município será obrigado, independentemente de despacho de qualquer autoridade, a abrir inquérito administrativo e a propor, se for o caso, a competente ação civil e penal, contra qualquer servidor, sempre que forem apresentadas denúncias contra o extravio ou dano de bens municipais.

Art. 153. O Município, preferentemente para a venda ou a doação de bens imóveis, cederá direito real de uso, mediante concorrência. Parágrafo Único - A concorrência poderá ser dispensada quando o uso se destinar a concessionário de serviço público, a entidades assistenciais, ou se verificar relevante interesse público na concessão, devidamente justificado.

Assim, a Lei Orgânica do Município de Água Doce prescreve que para a venda ou a doação de bens deverá ser feita mediante concorrência. Mas quando se trata de incentivos, a Lei Orgânica do Município de Água Doce nada diz como segue:

Da Política Econômica

Art. 114. Na promoção do desenvolvimento econômico, o Município agirá, sem prejuízos de outras iniciativas, no sentido de:

[...]

c) estímulos fiscais e financeiros

[...] (grifou-se)

Nesse sentido, em 1996, a Lei Municipal n° 943/96 de Água Doce foi promulgada estabelecendo normas referentes às políticas de incentivos e estímulos para a expansão de empreendimentos e a geração de condições ocupacionais (fls. 16/23 dos autos).

Todavia, no caso representado, o Prefeito sancionou leis municipais que dispuseram sobre a concessão de incentivos econômicos como estímulo à expansão das instalações de indústrias e empresas já existentes, sem prejudicar os benefícios da Lei n° 943/2009 (art. 4° e 5°) acima citada que seguem:

QUADRO 1: LISTA DE LEIS MUNICIPAIS DE ÁGUA DOCE - CONCESSÃO DE INCENTIVOS ECONÔMICOS

 

Lei Municipal

Beneficiados

Valor

(R$)

 

1

Lei n° 1.757,

de 19 de maio de 2009

I - Oselame Grãos Ltda. Me, inscrita no CNPJ sob n. 10.618.43910001-36, com atuação no ramo de recebimento e armazenagem de cereais, localizada na SC 454, KM 39, Trevo Agua Doce/Catanduvas, neste Município, consistente na doação de equipamentos para expansão das instalações,

limitados ao valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);

II - Agropecuária e Cerealista Martendal Ltda., inscrita no CNPJ sob n. 10.618.415/0001-87, atuante no ramo de recebimento e armazenagem de cereais, localizada na SC 452 Km 50, Linha Santo Antonio, consistente na doação de equipamentos para expansão das instalações,

limitados ao valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

III - Mecânica         Schule    Ltda.,      inscrita   no CNPJ sob n. 06.134.82510001-85, com atuação no ramo de serviços de reparação e manutenção de veículos e equipamentos pesados, comércio de peças e acessórios, consistente na doação de máquinas de uso em mecânica e/ou reforma do barracão,

Até o valor máximo  de R$

21.000,00 (vinte

e um mil reais).

2

Lei n°

1.758,

de 26 de

maio de

2009       

- METALVI FUNILARIA Ltda., com atuação no ramo de

fabricação e comércio de estruturas metálicas, esquadrias e funilaria em geral através da doação de equipamentos

limitados ao valor de R$ 25.000,00

(vinte e cinco mil reais);

3

Lei n°

1.967,

De 15 de

fevereiro

de 2011

1 - Friana Frigorifico Ana Carolina Ltda., inscrito no CNPJ sob n. 02.016.32510001-98, com atuação no ramo de Frigorífico - abate de bovinos, localizado na Linha Nova Vicenza neste Município, consistente           na doação com encargos de uma Balança Rodoviária usada;

(*)

 

II – Agroindústria Embutidos Santo Antônio Ltda.                ME,

inscrita no CNPJ sob n. 12.526.85710001-29, com atuação no ramo de embutidos de carnes, localizado na Linha Santo Antônio, SC-452 KM 38, consistente na doação de equipamentos de uso Industrial, consubstanciados em: um picador de carne em inox; uma câmara frigorífica para resfriamento com dimensões de 2,00x1,00x2,00 e uma embaladora a vácuo com câmara,

até o valor global máximo  de R$

18.000,00

(dezoito               mil

reais).

 

Total

224.000,00

(*) Obs.: no item 3 - * - sem valor

As doações realizadas pelo Município através das três leis municipais, citadas acima, estão em desacordo com a Lei Municipal n° 943/96, de 19 de março de 1996, onde em seus artigos 5° e 6°, prescreve a forma de concessão de incentivos fiscais, como segue:

Art. 5°: Os incentivos fiscais serão concedidos mediante a comprovação de enquadramento nesta Lei e compreenderão:

I - redução de até 80% do Imposto Sobre Propriedade Urbana - IPTU pelo prazo de até 5 (cinco) anos, a contar do início das atividades específicas da empresa;

II - redução de até 80% do Imposto Sobre Serviço - ISS, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, a contar do início das atividades específicas da empresa;

III - redução da Contribuição de Melhoria, até o limite de 80% de seu custo apurado;

IV - exclusão ao pagamento de taxas Municipais nas condições definidas pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico do Município.

§ 1°: Na forma da Lei poderão ser concedidos outras reduções de tributos municipais, caracterizados no respectivo enquadramento.

§ 2°: Os benefícios previstos neste artigo, quando concedidos à empresa já existente, somente atingirão ao acréscimo das instalações efetivamente em concordância com o projeto especifico, nas condições desta Lei.

Art. 6°: Os estímulos materiais constituem-se pela ajuda ou participação do Município mediante:

I - alienação de área de terra em região compreendida como parque ou área industrial do município, mediante processo licitatório pelo valor estipulado pela Comissão de Avaliação;

II - serviços de preparo do solo a ser utilizado para a implantação ou ampliação da empresa;

III - construção ou pavimentação de acessos ao local destinado à implantação da empresa;

IV - co-participação nas linhas de transmissão de energia elétrica, da rede d' água e telefônica;

V - co-participação em programas de treinamento da mão-de-obra a ser utilizada pela empresa, desde que esta seja atividade pioneira no Município;

(VI) - outros estímulos materiais, na forma que estabelecer o Conselho de Desenvolvimento Econômico do Município.

Parágrafo Único: Os custos relativos aos benefícios especificados neste artigo, poderão ser financiados à empresa em até 5 (cinco) anos, ou isentados, a contar de seu efetivo recebimento. (grifou-se)

Como os incentivos não foram com base na Lei Municipal n° 943/96, de 19 de março de 1996 (já citada acima), e como se trata de doação pela Administração Pública, onerosa ou não, busca-se o fundamento na Lei Federal n° 8.666/93, em especial no seu artigo 17 que prescreveu:

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

[...]

Marçal Justen Filho comentou assim o artigo citado:

1)  A Péssima Técnica Legislativa

O art. 17 é eivado de sério defeito de técnica legislativa. O dispositivo cuida de dois temas diversos e inconfundíveis. Disciplina, conjuntamente, os requisitos para alienação de bens e direitos da Administração e as hipóteses de dispensa de licitação. Em algumas passagens, os dispositivos estabelecem limitações e exigências a propósito dos requisitos para alienação de bens públicos. Em outros tópicos, prevêem os pressupostos para a contratação direta. Em outras palavras, é necessário cautela para distinguir as hipóteses em que a exigência legal se dirige à validade da alienação daquelas em que a alienação é plenamente possível, mas dependerá de licitação. Para tornar mais simples a interpretação, pode-se dizer que as exigências sobre a alienação propriamente dita constam do capta do art. 17 e do texto propriamente dito dos finos. I e II. Já as alíneas desses dois incisos disciplinam as hipóteses de dispensa de licitação para alienação.

No entanto, há situações em que a identificação da exigência propicia sérias dúvidas. Um exemplo claro é o dispositivo do art. 17, inc. I, al. "b".

O inc. I do art. 17 estabelece exigências para a alienação de bens imóveis, estabelecendo a regra geral da obrigatoriedade da prévia licitação, a qual pode ser dispensada em algumas hipóteses, arroladas nas alíneas subseqüentes. Entre elas, encontra-se o caso da doação, previsto na al. "h". Mas a parte final do aludido dispositivo propõe uma séria dúvida para o intérprete. E problemático identificar que a condição imposta na lei ("permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade ...”) limita a possibilidade jurídica da doação ou delimita as hipóteses de dispensa de licitação. Ou seja, a determinação legal visava a proibir a doação de imóveis para terceiros ou a subordiná-la à prévia licitação? Essa dúvida essencial é que se encontrava na origem da ADIN n° 927-3, promovida pelo Estado do Rio Grande do Sul. A época que a liminar foi apreciada, a questão ainda não estava suficientemente maturada para permitir o adequado aprofundamento. O STF decidiu a matéria sem tomar em vista essa diferenciação, o que não impediu decisão razoavelmente satisfatória. Sobre o tema, voltar-se-á adiante.

2)  A Abrangência Objetiva do Dispositivo

Alienação é expressão de acepção ampla. O termo é utilizado para abranger todas as modalidades de transferência voluntária do domínio de um bem ou direito.

2.1) Manifestações típicas: contratos de venda e de doação

No direito privado, os instrumentos jurídicos mais utilizados para transferência de domínio são a compra e venda - contrato oneroso e bilateral - e a doação - contrato gratuito e unilateral. As alienações de bens públicos também se operam por meio desses institutos de direito privado. No entanto e corno adverte MARIA SYLVIA Z. Dl PIETRO, "... à semelhança do que ocorre com outros institutos de direito privado utilizados pela Administração, a sujeição ao direito privado nunca é integrai. Sob vários aspectos tais contratos se submetem ao direito público".'8'

As restrições e limites derivados do regime de direito público atingem os institutos privados. Ainda que se aperfeiçoe uma compra e venda, aplicar-se-ão os princípios de direito público sempre que o regime de direito privado for com eles incompatível. Significa que a alienação onerosa dos bens públicos faz-se pela via de uma compra e venda; a gratuita, pela via de uma doação. Mas nenhuma cláusula ou regra peculiar a esses contratos privados será aplicável quando contrariar os princípios de direito público.

[...]

2.3) A doação com encargo

Uma hipótese específica, objeto de tratamento específico no § 4°, é a doação com encargo. A opção por essa alternativa dependerá da relevância do encargo para consecução dos interesses coletivos e supra-individuais. Em determinadas hipóteses, a doação com encargo apresentará regime jurídico próprio, inclusive com a obrigatoriedade da licitação.

O §5°, introduzido pela mesma Lei, disciplinou a hipótese de necessidade de oneração do imóvel objeto da doação com encargo, fornecendo solução cuja necessidade se impõe especialmente nos casos de recurso pelo particular a linhas de crédito agrícola. A inalienabilidade do imóvel doado representava obstáculo que acabava por frustrar a própria finalidade que orientara a doação.

2.1) Hipóteses excluídos

O art. 17 não dispõe sobre alienações relacionadas com o Programa Nacional de Privatização nem com operações relacionadas com o mercado de títulos de dívida pública, que se subordinam a regulação própria.

3) Âmbito de Abrangência Subjetiva do Dispositivo

Como visto, a interpretação do art. 17 propõe séria dificuldade hermenêutica, em virtude da cumulação da disciplina relativa aos requisitos de validade da alienação e dos pressupostos da dispensa de licitação. Essa complexidade normativa se traduz na própria amplitude de abrangência do dispositivo. Aliás, esse foi o núcleo da discussão levada à análise do STF, a propósito de alguns dos incisos do art. 17.

Rigorosamente, uma lei federal não poderia imiscuir-se na disciplina da alienação de bens públicos estaduais, municipais e distritais. Uma das características essenciais da Federação reside na autonomia para decidir o destino jurídico dos próprios bens. As normas gerais editadas pela União apenas podem tornar concretos princípios e regras inerentes à estruturação constitucional da Federação. Mas as normas gerais poderiam dispor sobre as hipóteses de dispensa de licitação para alienação - considerando-se especificamente o permissivo do art. 37, inc. XXI, da CF/88 (que remete à lei federal a especificação das hipóteses em que a licitação prévia obrigatória poderia ser dispensada).

Daí se extrai que as regras do art. 17 vinculam, sem margem de dúvida, à União, que pode dispor legislativamente sobre o destino dos próprios bens. Qualquer interferência sobre a autonomia dos outros entes federativos para gerir os próprios bens seria incompatível com a Constituição. Já no tocante aos pressupostos de dispensa de licitação, a competência legislativa da União é mais ampla.

Partindo de tais pressupostos, é possível produzir interpretação conforme, que evite a configuração de inconstitucionalidade e assegure a maior utilidade normativa para os dispositivos.

(JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11ª Ed. São Paulo: Dialética, 2005, pg. 169/171) (grifou-se)

Já Jessé Torres comentou assim o inciso citado:

2 - Caráter da norma

A norma é geral, importando ao cumprimento dos princípios da isonomia e da moralidade.

3 - Conteúdo da norma

A Lei n° 8.883/94 veio fixar a regra geral de ser devida a licitação no caso de doação com encargo, admitindo a dispensa se houver interesse público. Inverteu, pois, a orientação da Lei n° 8.666/93, que considerava facultativa a licitação. Superior a diretriz da norma retificadora, posto que respeita o dever geral estabelecido na Constituição. Mas o espaço outorgado à discrição administrativa é incompatível com a natureza das hipóteses de dispensa por determinação da lei, mais aproximando-se da categoria de dispensabilidade ao nuto da Administração. Mitiga-se a discrição pela motivação necessária do ato de dispensa, que haverá de evidenciar as razões de interesse público que a justificam, indispensável a publicação (v. comentários ao art. 26).

Aperfeiçoada, com ou sem licitação, a doação com encargo será deduzida por instrumento, público ou particular conforme a natureza do bem. Do instrumento constarão os encargos, o prazo para seu cumprimento e cláusula de reversão do bem ao doador na hipótese de inadimplemento dos encargos.

Será nula a doação com encargo que omita qualquer desses requisitos, como se o bem doado jamais houvesse deixado a esfera patrimonial do doador. E a sanção expressamente cominada para a violação do negócio jurídico, que se funda em norma cogente e de ordem pública, inafastável, pois, pela vontade de doador e donatário, ainda que ambos integrem a Administração Pública.

(PEREIRA JUNIOR. Jessé Torres. Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública. 5a. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pg. 210) (grifou-se)

Segundo o artigo 17 da Lei Federal n° 8.666/93 (já citado), na doação são necessários dos seguintes requisitos:

a) a existência de interesse público devidamente justificado; e

b) a avaliação prévia.

E o § 4° do artigo 17, coloca duas exigências na doação com encargos:

a) através de licitação; e

b) dispensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado.

Ainda, prescreve o § 4°, na doação com encargo, sob pena de nulidade do ato, em seu instrumento, constarão obrigatoriamente:

- os encargos,

- o prazo de seu cumprimento; e

- a cláusula de reversão.

O representante alegou ainda que "as doações realizadas ferem e muito o princípio constitucional da isonomia, pois o município doou bens públicos a particulares sem prévia licitação, beneficiando determinadas pessoas jurídicas em detrimento dos demais, o que nem de perto condiz com a atual sistemática do nosso ordenamento jurídico, em especial as regras do direito administrativo que não permitem a alienação patrimonial sem licitação".

Buscamos no comentário de Celso Ribeiro Bastos do princípio da igualdade quando da contratação que também serve para a doação:

O princípio da igualdade constitui um dos alicerces da licitação, na medida em que esta visa não apenas permitir à Administração a escolha da melhor proposta, como também assegurar à igualdade de direitos a todos os interessados diante da possibilidade de contratar com o Poder Público. Esse princípio, que hoje está expresso no art. 37, XXI do Texto Constitucional, veda o estabelecimento de condições que impliquem preferência em favor de determinado licitante em detrimento dos demais.

O princípio da igualdade é, sem dúvida nenhuma, basilar ao instituto licitatório. Pode se afirmar que, de longe, ultrapassa os limites desse instituto para altear-se, na verdade, a uma das vigas mestras de todo o nosso sistema jurídico. Leia-se o art. 5° da Constituição que trata dos direitos fundamentais, cujo capuz enuncia expressamente a igualdade, não como um entre os múltiplos princípios, mas, como o princípio que capitaneia todos os demais, tanto é assim que pertence ao caput do artigo, além de constar do próprio preâmbulo da Constituição como valor supremo da formação do Estado brasileiro.

O princípio da igualdade permeia todo o procedimento licitatório, na exata medida em que este tem que assegurar igualdade de condições a todos os participantes, estando vedado qualquer favorecimento a um dos concorrentes, sob pena de nulidade de todo o certame. Todas as exigências feitas aos participantes devem constar expressamente do edital, não podendo a Administração Pública alterá-las no curso do procedimento, de modo a favorecer ou prejudicar qualquer dos participantes. E bom lembrar que o procedimento licitatório é escrupulosamente definido em lei que descreve as exigências que podem ser feitas aos licitantes através do edital, para que possam ser habilitados. (BASTOS. Celso Ribeiro, Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, pág. 178/179).

Há no município de Água Doce, outras empresas que também poderiam receber a doação, como aquelas das Leis n° 1.757 e 1.758/2009 e 1.967/2011. Em atendimento ao princípio da isonomia, que assegura à igualdade de direitos a todos os interessados, diante da possibilidade de receber também os mesmos benefícios, é necessário que a Administração faça a doação através da licitação, onde estabelece os critérios para a seleção de possíveis interessados.

Em caso semelhante, o Relatar acolheu a representação nos autos do processo RPA-00105813131, como segue:

Tratam os autos de expediente formulado a esta Corte de Contas, a qual relata a possível ocorrência de irregularidades na gestão administrativa do Executivo de Campos Novos, no tocante à doação de área de terras à empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda., através da Lei Municipal ri. 1.697190, posteriormente prorrogado pelo Decreto n. 4.182100, para implantação de uma indústria de papel, cartolina e papelão, assim como possível aporte de recursos financeiros na ordem de R$ 32.585,73, conforme Projeto de Lei n. 1.914/96, sem que nenhuma construção tenha sido feita na área doada.

VOTO DO RELATOR:

ESTE RELATOR, diante das razões apresentadas pelo órgão de instrução e com fulcro no que dispõem os arts. 96 e 102 da Resolução TC-0612001, alterados pelos arts. 4° e 5° da Resolução TC-05/2005, respectivamente, decide:

6.1. Em preliminar, conhecer da Representação acerca de supostas irregularidades praticadas no âmbito da Prefeitura Municipal de Campos Novos, por preencher os requisitos necessários previstos no art. 96, caput, da Resolução n. TC-0612001 e 65, § 1°, c/c o art. 66 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.2. Determinar à Diretoria de Denúncias e Representações - DDR que sejam adotadas providências, inclusive auditoria, inspeção ou diligência, que se fizerem necessárias junto à Prefeitura Municipal de Campos Novos, com vistas à apuração dos fatos apontados como irregulares e transcritos na inicial deste.

(fonte: disponível na Siproc)

Portanto, a representação deve ser acolhida, tendo em vista que as doações realizadas pelas Leis municipais n°s 1.757/2009, 1.758/2009 e 1.967/2011, são irregulares em face da ausência de licitação, da ausência de termo de justificativa, com a exposição da existência de interesse público e da ausência de avaliação prévia (no caso do bem correspondente a Lei n° 1.758/2009). O fato, contraria o disposto no caput e no §4º do artigo 17 da Lei Federal n° 8.666/93 e ainda os princípios da legalidade, da isonomia e da moralidade, previstos no caput do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que prescreveu:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional n° 19, de 1998)

[...]

 

A Srª. Nelci Fátima Trento Bortolini – Prefeita Municipal - encaminhou sua resposta, às fls. 50 a 62, nos seguintes termos:

II - DA CONCESSÃO DOS INCENTIVOS:

Ao contrário do constante nos autos, a concessão dos incentivos econômicos em questão seguiu o rito previsto na Lei n. 943/96. Não há nos autos indicação de qual dispositivo teria sido descumprido.

Com efeito, a Lei 943/96 estabelece em seu artigo 6º:

Art. 6°. Os estímulos materiais constituem-se pela ajuda ou participação do Município, mediante:

...

VI - outros estímulos materiais, na forma que estabelecer o Conselho de Desenvolvimento Econômico do Município.

No caso, todos os pedidos de concessão de incentivos foram recebidos e geraram processo específico que foi autuado perante o Conselho de Desenvolvimento Econômico e seguiu a tramitação estabelecida no artigo 9º da Lei 943/96, a saber:

Art. 9°. A solicitação da empresa ou entidade interessada nos benefícios da presente Lei, se fará mediante requerimento dirigido ao Prefeito Municipal, instruído de formulário específico, fornecido pelo Município.

§ 1º. Constatada a viabilidade do empreendimento, em se tratando de alienação de bens imóveis, se dará início ao processo licitatório e, nos demais casos, a empresa será notificada para no prazo de 60 (sessenta) dias, contados do recebimento da mesma, apresentar os seguintes documentos:

I - fotocópia autenticada dos atos constitutivos e posteriores alterações;

II - certidão negativa de concordata ou falência;

III - certidão negativa de protestos de títulos, da empresa e de seus diretores, e, seus últimos domicílios nos últimos 5 anos;

IV - certidão negativa de tributos municipais, estaduais e federais da empresa e seus diretores;

V - projeto de viabilidade econômica-financeira do plano, assinado por economista ou administrador de empresas, registrado no seu respectivo conselho regional;

VI - planta, memorial descritivo, orçamento e cronograma físico-financeiro das edificações a serem feitas e plano de expansão;

VII - balanço patrimonial dos últimos dois exercícios.

§ 2º. Decorrido o prazo estipulado no parágrafo anterior, sem que ocorra manifestação da interessada, sua solicitação será desconsiderada.

§ 3°. A documentação descrita no § 1°, será a mesma exigida das empresas para habilitação ao processo licitatório.

O Conselho de Desenvolvimento Econômico foi regularmente criado pela Lei n. 930/95 e ao mesmo incumbe analisar as solicitações das empresas interessadas nos incentivos e estímulos previstos na própria lei 943/96, estabelecer outros estímulos materiais a ser concedidos as empresas, bem como acompanhar e fiscalizar o cumprimento do Projeto, conforme consta no artigo 6º, inciso VI, combinado com artigo 8º, ambos da Lei n. 943/96.

 

 

Por esta razão, todos os pedidos de concessão de incentivos econômicos apresentados pelas empresas são encaminhados ao referido Conselho, que faz a autuação e prossegue com os andamentos de estilo. Em anexo, seguem cópias integrais dos processos de concessão de incentivos, objeto desta Representação, que tramitaram perante o referido Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico, assim enumerados e identificados:

Processo número

Empresa requerente

01/2009

Oselame Grãos Ltda. Me

02/2009

Agropecuária e Cerealista Martendal Ltda.

03/2009

Mecânica Schule Ltda

04/2009

Metalvi Funilaria Ltda.

07/2010

Friana Frigorífico Ana Carolina Ltda*.

10/2010

Agroindústria Embutidos Santo Antônio Ltda. Me.

* A requerente desistiu do pedido, motivo pelo qual o processo não está sendo encaminhado

Em cada um destes processos o Conselho de Desenvolvimento Econômico analisou os requerimentos e emitiu o parecer favorável a concessão dos estímulos materiais, em forma de doação de máquinas ou equipamentos, conforme solicitado pelas empresas e de acordo com as possibilidades orçamentárias e financeiras do Município em cada oportunidade.

Ainda, por questão de cautela e em atendimento aos demais princípios da despesa pública, após a longa tramitação destes processos perante o Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico, a administração municipal houve por bem encaminhar Projeto de Lei específico à Câmara de Vereadores, buscando a autorização legislativa para contrair a despesa objeto do incentivo a ser concedido.

Veja-se que a Lei n. 943/93 não exige outra lei específica, de forma que, após constatada a viabilidade do empreendimento perante o Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico, o incentivo poderia ser concedido por decreto do Poder Executivo. Mas a administração municipal, visando a participação e o envolvimento do Poder Legislativo na concessão dos incentivos econômicos, em medida de total transparência e boa-fé, ainda teve a preocupação de encaminhar Projetos de Lei próprios, justificando na Mensagem de encaminhamento que as empresas em questão já haviam percorrido todo o caminho previsto na Lei 943/96 e que por isso eram merecedoras do incentivo objetivado.

Portanto, é preciso ficar bem esclarecido que, ao contrário do constante nos autos, os incentivos foram concedidos com base na Lei n. 943/96 e ainda mediante lei autorizativa específica, no caso as Leis números 1757/2009; 1.758/2009 e Lei n. 1.967/2011, motivos pelos quais não se aplicaria o artigo 17 da Lei Federal n. 8666/93 que exigiria o processo licitatório na escolha da empresa a ser incentivada.

Partindo-se desta premissa, e restando comprovado através da documentação que agora se anexa aos autos, de que a concessão dos incentivos impugnados não traiu o rito estabelecido na Lei n. 943/96, e que a despesa resultante dos estímulos materiais estabelecidos pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico em cada Ata onde o pedido foi analisado e aprovado, mereceu autorização legislativa específica, afastadas ficam as teses constantes na representação, que deverá ser julgada improcedente.

A lei geral dos incentivos (Lei 943/96) prevê em seu artigo 6º, inciso VI que poderão ser concedidos estímulos materiais na forma que estabelecer o Conselho de Desenvolvimento Econômico. Este, por sua vez, analisou cada um dos pedidos, em processo próprio devidamente autuado, que não quebrou o rito previsto no artigo 9º da referida Lei e, ao final, emitiu parecer recomendando a concessão de cada um dos incentivos concedidos. A administração municipal, ao receber os processos do Conselho, ainda teve a precaução de enviar projetos de lei específicos autorizando a concessão dos incentivos. Portanto, não há que se falar em irregularidade nos atos administrativos em questão.

De acordo com artigo 30, inciso I, da Constituição Federal, o Município tem autonomia para legislar sobre assuntos de interesse local. A Lei 943/96 fora editada dentro desta competência e sua aplicação afasta a aplicação da Lei Federal n. 8666/93, porquanto esta trata de normas gerais sobre licitações e contratos, pertinentes a aquisição de bens e serviços para a administração e alienação de bens quando se mostrarem inserviveis. Portanto, esta Lei Federal não trata da política de incentivos econômicos do município, matéria reservada à lei local, regularmente editada em Água Doce ainda nos idos de 1996, cujo rito fora observado pela administração na concessão destes incentivos.

Portanto, não tem aplicação ao caso concreto o artigo 17 da Lei Federal n. 8666/93, já que o Município de Água Doce não estava se desfazendo de seus bens e, sim, estava concedendo incentivos econômicos dentro do rito estabelecido pela lei local.

Inclusive, os bens objeto dos incentivos sequer compunham o patrimônio público municipal antes da aprovação das leis específicas que autorizaram os incentivos, porque totalmente incompatíveis com a finalidade pública. Foram adquiridos mediante processo licitatório específico somente após a aprovação das leis em referência e com a única finalidade de atendimento aos pedidos de concessão de incentivos econômicos já analisados e deferidos pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico. Portanto, o caso não pode ser considerado como alienação do patrimônio público municipal mediante processo licitatório, já que não se trata de alienação de bens móveis inservíveis e, sim, tratou-se de concessão de incentivos econômicos.

Por amor ao debate e na defesa do interesse público, ainda que fosse aplicável a Lei Federal n. 8666/93 - o que se admite apenas em argumentação - a licitação perseguida seria absolutamente dispensada, ou seja, ainda assim não estaríamos diante de uma irregularidade na concessão dos incentivos em questão.

Com efeito, o § 4" do artigo 17 da Lei 8666/93 diz que é dispensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado. Não há dizer que após toda a tramitação dos processos perante do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico o interesse público não restou suficientemente justificado. Ora, não se tratou de uma doação pura e simples; a concessão decorreu de uma tramitação especial, perante um Conselho legítimo, legalmente constituído e com competência plena sobre a matéria, cuja decisão final ainda foi chancelada pelo Poder Legislativo que aprovou os projetos de lei específicos que foram encaminhados para esta finalidade. Portanto, aí reside o interesse público que dispensou a licitação reclamada. Obviamente que o processo licitatório, após a tramitação normal perante o Conselho de Desenvolvimento Econômico, negaria vigência a lei municipal que tratou da política de incentivos econômicos, retirando-lhe completamente a eficácia. Aliás, o artigo 9º desta lei municipal é taxativo ao indicar que:

em se tratando de alienação de bens imóveis, se dará início ao processo licitatório e, nos demais casos, a empresa será notificada para no prazo de 60 (sessenta) dias, contados do recebimento da mesma, apresentar os seguintes documentos:

Quando o incentivo envolve a concessão de direito real de uso de imóveis a administração procede ao processo licitatório próprio, na modalidade de concorrência. Contudo, quando se trata de estímulos materiais (demais casos) na forma que estabeleceu o Conselho de Desenvolvimento Econômico nos respectivos processos, a licitação está dispensada e segue-se o rito da lei 943/96, enviando-se finalmente, projeto de lei específico, à Câmara de Vereadores; aprovado o projeto de lei, é dado início ao processo licitatório para aquisição dos equipamentos ou máquinas definidos para doação a título de incentivo econômico, seguindo-se com a entrega dos bens mediante Termo de Adesão firmado pela empresa e posterior verificação quanto ao cumprimento dos encargos então fixados.

Portanto, estamos diante de concessão de estímulos materiais consistentes na doação de máquinas e equipamentos a empresas, dentro da política de incentivos econômicos travada na lei local 943/96, mediante encargos aos quais se submete a empresa beneficiada, em atendimento ao interesse público. Neste contexto, não é por se tratar de doação com encargo que a licitação era obrigatória, eis que, tratam-se todos de bens móveis, cuja idéia de alienação mediante processo licitatório induz à busca da proposta mais vantajosa em processo de leilão, implicando na necessidade da obtenção de preço, de sorte que seria possível a licitação, mas já não mais para a concessão de incentivo econômico e, sim, para venda ou locação daqueles equipamentos e máquinas, o que não era o objetivo primordial do caso concreto.

Também por esta razão é que a doação onerosa mediante licitação, prevista no § 4" do artigo 17 da Lei nº 8666/93, mais se coaduna quando se tratar de bens imóveis, cujos encargos ficam assegurados por hipoteca em segundo grau em favor do Município no caso de o donatário oferecer o imóvel em garantia de financiamento, como explica o § 5º do mesmo artigo 17 desta Lei. Inclusive a decisão citada no corpo do Relatório, que serviu de fundamento ao recebimento da representação objeto destes autos, é relativa a um processo de doação de bem imóvel sem licitação, ocorrido no município de Campos Novos. (REP 00/05813131 - Representação de Agente Público acerca de supostas irregularidades envolvendo a doação de imóvel de propriedade do Município com área de 121.000m²).

Feitas estas considerações, verifica-se que estando os incentivos em conformidade com a Lei Municipal de incentivos e estímulos para a expansão de empreendimentos industriais, comerciais e profissionais para a geração de empregos e incremento na arrecadação, disciplinados por Lei Municipal própria, bem como submetidos ao Conselho de Desenvolvimento Econômico que, após tramitação regular perante o mesmo ainda foi objeto de autorização legislativa específica, presente o interesse público exigido para a concessão, dispensada a licitação quer pela não aplicação da Lei n. 8666/93, quer pela última parte do § 4º do artigo 17, ante a presença do interesse público, amplamente demonstrado nos processos que seguem em anexo.

Por fim, importante ressaltar que as empresas beneficiadas com os estímulos materiais em questão, são constantemente fiscalizadas pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico, que atesta o cumprimento dos encargos assumidos no momento do recebimento do bem e constantes no Termo de Adesão.

Como provam os documentos existentes em cada um dos processos anexados, verifica-se que o interesse público maior foi alcançado, porquanto as empresas atingiram os objetivos aos quais se propuseram e estão cumprimento integralmente os encargos, gerando os empregos propostos, aumentando o índice de movimento econômico, contribuindo com o fortalecimento da economia local.

No que se refere ao incentivo que seria concedido a empresa FRIANA Frigorífico Ana Carolina Ltda., consistente na doação de uma balança rodoviária usada, o processo restou infrutífero diante da desistência da mesma, como se verifica do comunicado que segue em anexo. (grifos no original)

 

A Instrução apontou que as doações realizadas pelas Leis Municipais nº 1757/2009, 1758/2009 e 1967/2011, são irregulares em face da:

a) ausência de licitação;

b) ausência de termo de justificativa com a exposição da existência de interesse público; e

c) ausência de avaliação prévia (no caso do bem da Lei nº 1758/2009).

 

A responsável contestou a irregularidade levantada alegando que “os incentivos foram concedidos com base na Lei n. 943/96 e ainda mediante lei autorizativa específica, no caso as Leis números 1757/2009; 1.758/2009 e Lei n. 1.967/2011, motivos pelos quais não se aplicaria o artigo 17 da Lei Federal n. 8666/93 que exigiria o processo licitatório na escolha da empresa a ser incentivada”.

 

Alegou ainda que “de acordo com artigo 30, inciso I, da Constituição Federal, o Município tem autonomia para legislar sobre assuntos de interesse local. A Lei 943/96 fora editada dentro desta competência e sua aplicação afasta a aplicação da Lei Federal nº 8666/93, porquanto esta trata de normas gerais sobre licitações e contratos, pertinentes a aquisição de bens e serviços para a administração e alienação de bens quando se mostrarem inservíveis”.

 

Quanto ao interesse público, a responsável alegou que o § 4º do artigo 17 da Lei Federal nº 8.666/93 dispensa a licitação no caso de interesse público devidamente justificado.

 

Ainda afirmou que “não há dizer que após toda a tramitação dos processos perante do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico o interesse público não restou suficientemente justificado. Ora, não se tratou de uma doação pura e simples; a concessão decorreu de uma tramitação especial, perante um Conselho legítimo, legalmente constituído e com competência plena sobre a matéria, cuja decisão final ainda foi chancelada pelo Poder Legislativo que aprovou os projetos de lei específicos que foram encaminhados para esta finalidade. Portanto, aí reside o interesse público que dispensou a licitação reclamada”.

 

Também alegou que “como provam os documentos existentes em cada um dos processos anexados, verifica-se que o interesse público maior foi alcançado, porquanto as empresas atingiram os objetivos aos quais se propuseram e estão cumprimento integralmente os encargos, gerando os empregos propostos, aumentando o índice de movimento econômico, contribuindo com o fortalecimento da economia local”.

 

Foram três irregularidades apontadas pela Instrução.

 

Quanto à ausência de avaliação prévia no caso do bem autorizado pela Lei nº 1758/2009, a responsável informou que “a requerente desistiu do pedido, motivo pelo qual o processo não está sendo encaminhado”.

 

Restou a ausência do processo licitatório na escolha da empresa a ser incentivada e ausência de interesse público.

 

 Quanto à ausência do processo licitatório, neste caso não se aplicaria, tendo em vista que qualquer empresa poderia solicitar os incentivos com base na Lei Municipal n° 943/96.

 

Quanto ao interesse público, a Lei Municipal n° 943/96, de 19 de março de 1996, que estabeleceu normas à política de incentivos e estímulo, em seu artigo 1º fixou as seguintes finalidades:

- para a expansão de empreendimentos industriais, comerciais e profissionais;

- para a geração de mão-de-obra; e

- para a geração de empregos.

 

Ao estabelecer as finalidades dos incentivos na lei municipal, ficou caracterizado o interesse público, isto é, que será dado incentivo econômico às empresas que têm como objetivo a sua expansão como empreendimentos industriais, comerciais e profissionais, a geração de mão-de-obra e geração de empregos. Esta é a contrapartida das empresas que serão beneficiadas com os incentivos.

 

Consta às fls. 156/157 dos autos, do Parecer do Conselho de Desenvolvimento Econômico, que a empresa Oselame Grãos Ltda. Me, comprovou o aumento de vagas de empregos.

 

Consta às fls. 447/448 dos autos, do Parecer do Conselho de Desenvolvimento Econômico, que a empresa Agropecuária e Cerealista Martendal Ltda. comprovou o aumento de vagas de empregos.

 

Consta às fls. 699/670 dos autos, do Parecer do Conselho de Desenvolvimento Econômico, que a empresa Mecânica Schule Ltda. comprovou o aumento de vagas de empregos.

 

Consta às fls. 795/796 dos autos, do Parecer do Conselho de Desenvolvimento Econômico, que a empresa Metalvi Funilaria Ltda. comprovou o aumento de vagas de empregos.

 

Quanto à empresa Agroindústria Embutidos Santo Antônio Ltda. Me., não se encontrou qualquer parecer do Conselho, nos documentos juntados pelo responsável, às fls. 840 a 873. A entrega dos equipamentos se deu em 02 de maio de 2011, conforme consta às fls. 873, e a empresa se compromete a gerar 8 empregos diretos em 5 (cinco) anos de funcionamento, e 15 a 20 empregos indiretos (fls. 844). Porém, consta ainda, às fls. 873, que a empresa deverá entrar em operação somente no primeiro semestre de 2012.

 

Assim, diante dos documentos juntados pela responsável as doações realizadas pelas Leis Municipais nº 1757/2009, 1758/2009 e 1967/2011, estão regulares e atenderam as finalidades da Lei Municipal n° 943/96 do município de Água Doce.

 

 

3. CONCLUSÃO

 

 Considerando que foi efetuada a audiência da responsável, conforme consta nas fls. 49 dos presentes autos;

Considerando que as alegações de defesa e documentos apresentados são suficientes para elidir irregularidades apontadas, constantes do Relatório 638/2011;

 

Considerando a competência do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Água Doce; e

 

Diante do exposto, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações sugere ao Exmo. Sr. Relator:

 

3.1. Considerar improcedente a Representação, nos termos do art. 66 da Lei Complementar Estadual nº 202, de 15 de dezembro de 2000, quanto ao seguinte fato:

3.1.1. As doações realizadas pelas Leis Municipais nº 1757/2009, 1758/2009 e 1967/2011, estão regulares e atenderam as finalidades da Lei Municipal n° 943/96, de 19 de março de 1996 do Município de Água Doce (item 2.1 do presente Relatório).

 

3.2. Determinar o arquivamento do Processo.

 

3.3. Dar ciência da Decisão, do Relatório Técnico ao Sr. Odilon Sganzerla, à Sra. Nelci Fátima Trento Bortolini e ao responsável pelo Controle Interno da Prefeitura Municipal de Água Doce.

É o Relatório.

Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, em 22 de abril de 2012.

 

 LUIZ CARLOS ULIANO BERTOLDI

AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

De acordo:

 

 NADYA ELIANE ZIMMERMANN VENTURA

CHEFE DA DIVISÃO

 

DENISE REGINA STRUECKER

COORDENADORA

 

Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator Wilson Rogério Wan-Dall, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 MARCELO BROGNOLI DA COSTA

DIRETOR