PROCESSO
Nº: |
@CON-12/00249930 |
UNIDADE
GESTORA: |
Câmara Municipal de Formosa do Sul |
INTERESSADO: |
Vildomar Venturin |
ASSUNTO:
|
Criação de CNPJ próprio para a Câmara Municipal.
Consequências para as compras e para a contabilidade |
PARECER
Nº: |
COG - 852/2012 |
Câmara de Vereadores.
Inscrição no CNPJ.
Em sendo a Câmara de Vereadores uma unidade orçamentária
e não sendo executora do orçamento do Município, na hipótese de ser criado o
CNPJ do Poder Legislativo, não há a necessidade de desvinculação da
contabilidade da Prefeitura.
Sr. Consultor,
1. INTRODUÇÃO
Trata-se de consulta
formulada pelo Sr. Vildomar Venturin, Presidente da Câmara de Vereadores de
Formosa do Sul, expressa, em síntese, nos seguintes termos:
Na hipótese de
ser solicitado à Câmara a criação de CNPJ
próprio, para atender uma possível solicitação junto ao SISTN (Sistema de
Informações do Tesouro Nacional), uma vez que a Câmara ainda é vinculada à Prefeitura
Municipal, pairam dúvidas sobre as futuras compras, em qual CNPJ irão ficar
essas compras?
E na hipótese de ser
criado o CNPJ, há necessidade de desvinculação da contadoria da Prefeitura, a
qual realiza todo o serviço contábil da Câmara, e ser contratado pela Câmara de Vereadores um
contador para os novos procedimentos?
Este, o sucinto
relatório.
2. PRELIMINARES
O consulente, na
condição de Presidente de Câmara Municipal, possui legitimidade para encaminhar
consultas a este Tribunal, for força do que dispõe o artigo 103, II, c/c o
artigo 104, III, ambos do Regimento Interno desta Casa. (Resolução TC-06/2001).
A Constituição
Estadual permite que esta Corte de Contas responda a consultas sobre
interpretação de lei ou formuladas em tese, desde que a matéria esteja sujeita
à fiscalização do Tribunal. Portanto, o pressuposto fundamental para que o
consulente obtenha uma resposta do Tribunal de Contas é adequar o questionamento ao que estabelece o
Texto Constitucional estadual, formulando em tese seus questionamentos ou
requerendo uma interpretação de determinada lei.
A Lei Complementar nº
202/00 em seu art. 1º, XV, dispôs os mesmos termos da Constituição do Estado;
por seu turno o Regimento Interno desta Casa (Resolução TC-06/2001) veio
regulamentar o processo de consulta, dispondo nos arts. 103 e 104:
Art. 103 – O Plenário
decidirá sobre consultas quanto a dúvidas de natureza interpretativa do direito
em tese, suscitadas, na aplicação de dispositivos legais e regulamentares
concernentes à matéria de competência do Tribunal, formuladas:
[...]
Art. 104 – A consulta
deverá revestir-se das seguintes formalidades:
I – referir-se à
matéria de competência do Tribunal;
II – versar sobre
interpretação de lei ou questão
formulada em tese;
III – ser subscrita
por autoridade competente;
IV – conter indicação
precisa da dúvida ou controvérsia suscitada;
V – ser instruída com
parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, se existente.
A consulta não se faz
acompanhada do parecer jurídico da Câmara em destaque, deixando de atender o
pressuposto estabelecido no inciso V do indigitado preceptivo, todavia,
forçoso lembrar que o § 2º do art. 105
da Resolução nº TC-06/2001 possibilita o conhecimento de consulta que deixe de
atender tal formalidade.
No § 1º do mesmo art.
105, Regimental, tem-se a disposição de que “o
Tribunal de Contas não responderá as consultas que não se revestirem das
formalidades previstas nos incisos I, II e III do artigo anterior”. Portanto,
tem-se que os incisos I (matéria), II (interpretação da lei ou questão em tese)
e III (autoridade competente) são requisitos obrigatórios da consulta, sem os
quais não há possibilidade para que o Pleno examine o mérito do questionamento.
Tais requisitos estão
fundamentados na forma de controle externo exercido atualmente pelos Tribunais
de Contas, no qual prevalece a posteriori,
ou seja, os Tribunais de Contas ao atuarem na fiscalização contábil,
orçamentária, operacional e patrimonial da Administração (latu sensu), quanto à legalidade, à legitimidade, à economicidade
e à aplicação das subvenções e renúncia de receitas, fazem sua atuação de forma
posterior à prática do ato. Logo, o Administrador pratica o ato e o Tribunal de
Contas exerce a sua fiscalização. Eis, portanto, uma das razões dos requisitos
obrigatórios à formulação da consulta.
Outra razão da
exigência da consulta vir formulada em tese ou versar sobre interpretação de
lei ou norma regulamentar, dá-se em razão
do disposto no art. 106, do Regimento Interno, que apregoa que a decisão
em consulta constitui prejulgado se a decisão for tomada por dois terços dos
Conselheiros. No art. 155, do mesmo Regimento, tem-se a disposição de que o
prejulgado tem caráter normativo. Ora, se a decisão em consulta constitui
prejulgado e se este instrumento tem caráter normativo, não há possibilidade
para que o Pleno se pronuncie sobre casos concretos, haja vista que, assim
fazendo, além de atropelar o curso natural de fiscalização que se dá
posteriormente à prática do ato, não mais poderá se manifestar sobre a decisão
do Administrador, tomada com base na decisão prévia do Tribunal. Enfatiza-se, tendo o prejulgado caráter
normativo, a decisão em consulta legitimará o ato do Administrador.
O processo de
consulta não tem por objetivo resolver casos concretos ou servir de
consultoria jurídica direta do
Administrador, para tanto ele tem a procuradoria jurídica ou o assessor
devidamente habilitado. O processo de consulta visa, acima de tudo, trazer
segurança jurídica ao Administrador, sobretudo quando há divergência na
interpretação ou aplicação da lei. É por isso, também, que ela deve ser
formulada em tese, pois a interpretação de determinada lei ou norma
regulamentar, através de decisão que possui caráter normativo, irá servir para
todos os Administradores sujeitos à atuação do Tribunal e não tão somente para
quem suscitou o questionamento.
Fazendo o devido
exame dos requisitos de admissibilidade com a consulta em apreço, percebe-se
que a primeira dúvida suscitada, qual seja, no caso de inscrição da edilidade no CNPJ, como ficarão as futuras
compras, percebe-se que a mesma não foi formulada em tese, nem requer
interpretação de lei ou norma regulamentar. Na verdade, tal dúvida trata-se de procedimentos
da Câmara de Vereadores, de ato interna
corporis, que deve ser enfrentado pela própria instituição, sem a
intervenção prévia do órgão de controle externo, mas, quando de sua atribuição
de fiscalização. Portanto, entendemos que
tal questão não deverá ser
conhecida.
Quanto à segunda
pergunta, entendemos que os procedimentos relativos à criação do CNPJ e as
conseqüências que irão advir, são matéria regrada pela Receita Federal do
Brasil por meio da Instrução Normativa nº 1183, de 19 de agosto de 2011,
modificada pela IN 1210, de 16/11/2011, contudo, tratando-se de procedimentos
contábeis, entendemos que a mesma pode ser conhecida pelo Tribunal Pleno.
3. MÉRITO
No
sistema jurídico pátrio, o princípio da separação dos Poderes foi posto no
patamar mais elevado, sendo ainda consolidado pela cláusula de serem
independentes e harmônicos entre si, a teor do art. 2º, da Constituição da
República [1].
Por
simetria, esse princípio deve ser observado tanto na esfera estadual quanto na
municipal, conforme está disposto no caput
dos arts. 25 e 29, também da Carta Política Federal.
No
âmbito dos Municípios, como é sabido, o Governo Municipal é constituído somente
do Poder Executivo, chefiado pelo Prefeito, e de Poder Legislativo, exercido
pela Câmara de Vereadores.
Em
se tratando de direito financeiro e orçamentário, a Carta Magna, em seu art.
165, em homenagem aos princípios da unidade e da universalidade, prescreve que
a lei orçamentária anual conterá o orçamento fiscal referente aos Poderes do
ente político, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e
indireta, até mesmo fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público.
Alfredo
Nasser [2],
ao discorrer sobre o princípio da unidade, sustenta que “unidade orçamentária não significa que a lei orçamentária não se
subdivida em muitos orçamentos que nela se entrosem, e, sim, que dois
orçamentos diferentes não podem coexistir em relação a um idêntico programa de
trabalho”.
Verifica-se
que a doutrina tem dado novo conceito ao princípio da unidade de forma a
abranger novas situações, seguindo, assim, o chamado princípio da totalidade,
que possibilita a coexistência de múltiplos orçamentos que devem sofrer consolidação
de forma que o governo tenha uma visão geral do conjunto das finanças públicas.
Isso
equivale a dizer, numa interpretação conforme a Constituição da República, que
o orçamento do ente político é aprovado por uma só lei orçamentária anual. Na esfera
municipal, isso afasta a idéia da existência de uma lei orçamentária da Câmara
e outra do Executivo, pois a peça formal é uma só, qual seja, a lei
orçamentária anual do Município.
À
sua vez, pelo princípio da universalidade, o orçamento deve abranger as
receitas e as despesas, evidenciando, assim, a política econômico-financeira e
o programa de trabalho do Governo. Por este princípio, a expressão programa de
trabalho de Governo abrange o que é executado pela Administração direta, pelo
Legislativo e pelas entidades da Administração indireta.
Ressalta-se,
por oportuno, que a Câmara de Vereadores, usualmente, não faz previsão de
receitas anuais em seu ‘orçamento’, pois é mantida exclusivamente com os
recursos financeiros arrecadados pelo Executivo municipal.
Em
verdade, a Câmara fixa tão-somente as suas despesas de capital, como também de
custeio necessárias ao desempenho de suas atividades, tais como, subsídios dos
Vereadores, remuneração de servidores, material de expediente, energia
elétrica, água, telefone, etc..., obedecidos, por imperativo, os limites de
gastos fixados sobretudo no art. 29-A da Lei Maior, dispositivo acrescido ao
texto constitucional pela Emenda nº 25, de 14 de fevereiro de 2000.
Infere-se
do exposto que, no contexto orçamentário, em realidade, embora o Poder
Legislativo detenha autonomia e possa gerir os recursos financeiros que lhe são
garantidos, a Câmara de Vereadores é unidade orçamentária, podendo também ser
unidade gestora da Administração Pública municipal.
Explica-se
tal terminologia, extraindo do sítio da STN [3],
que contém um glossário que ajuda a entender alguns desses termos:
Unidade
orçamentária – é qualquer unidade, autônoma ou não, que possua sob sua
responsabilidade uma parcela do Orçamento do Governo.
Unidade
Administrativa – é aquela que possui tais características, pessoal e
competências próprias. Não é critério necessário ter orçamento para se dizer
que uma unidade é administrativa.
Unidade
Gestora – é a nomenclatura para definir as unidades cadastradas no SIAFI, e que
terão a sua disposição orçamento próprio. Poderíamos dizer que a Unidade
Gestora tem acumuladas as características da unidade orçamentária e da
administrativa, mas, detalhe, precisam estar cadastradas no SIAFI.
Vistos
tais conceitos, vejamos o que diz a Instrução Normativa RFB nº 1183, de 19 de
agosto de 2011, localizada no site http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislativo/Ins/:
Art.
5º - São também obrigados a se inscrever no CNPJ:
I –
órgãos públicos de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal ou dos Municípios, desde que se constituam em unidades gestoras de orçamento;
[...]
§ 1º
- Para fins do disposto no inciso I, considera-se unidade gestora de orçamento aquela autorizada a executar parcela do
orçamento da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. [4](grifamos)
Desta
forma, de acordo com a citada Instrução Normativa, a Câmara Municipal somente é obrigada a se inscrever no CNPJ se
for constituída em unidade gestora de orçamento.
Contudo,
na hipótese da Câmara Municipal não ser unidade gestora do orçamento e ainda
assim se inscrever no CNPJ [5],
esta nova situação não implica em constituição de estrutura própria de contadores
para execução de seus trabalhos, desde que sua contabilidade esteja integrada à
da Prefeitura, a qual deverá realizar as demonstrações contábeis de acordo com
o estabelecido no art. 50, inciso III, da LRF[6].
A
hipótese da Câmara Municipal como não sendo unidade gestora do orçamento e
inscrita no CNPJ se assemelha aos Fundos de Saúde, os quais devem ser inscritos
no CNPJ e continuam com a sua contabilidade vinculada ao Ente instituidor.
Nesse
sentido, vale citar o estudo [7]
produzido pela Secretaria do Tesouro Nacional sobre a Instrução Normativa RFB
nº 1.005:
11.
Assim, os fundos públicos, sejam
os inscritos no CNPJ como matriz ou como filial dos entes da Federação, não
necessitam constituir uma estrutura própria de pessoal para a execução de suas
atividades, devendo utilizar a estrutura administrativa que o ente possui.
Como acontece nos órgãos da administração
direta, os servidores contratados
pelo ente podem ser
lotados para trabalhar
nos fundos, não
havendo necessidade de
que o fundo contrate pessoal próprio.
12.
Essa nova natureza jurídica dos fundos também não implica alteração na
execução orçamentária e financeira.
Independentemente de a inscrição no CNPJ ser como matriz ou filial, as
licitações, as contratações e a emissão de notas fiscais podem ser feitas pelo
órgão a que o fundo estiver subordinado.
São as características próprias de cada Fundo, de acordo com a lei de
criação, que definem se ele será uma unidade gestora ou orçamentária. Os Fundos
de Saúde não serão unidades gestoras e a execução orçamentária e financeiras
será efetuada pelo órgão da saúde do ente.
13. A
exigência de inscrição no CNPJ como matriz também não altera o fato de os
fundos terem de emitir demonstrativos contábeis e fiscais individualizados,
conforme art. 50, III da LRF. Esclarece-se, porém, que os fundos não necessitam
de uma estrutura de contabilidade própria, nem de contadores próprios, desde
que sua contabilidade esteja integrada à do ente e lhe permita extrair todas as
informações de forma individualizada. (g.n.)
Sobre
a matéria colaciona-se o prejulgado 2099, segundo o qual:
1. A inscrição do Fundo Municipal de Saúde no
CNPJ, tanto na condição de matriz como na condição de filial, não confere
personalidade jurídica ao fundo, seja pelo conjunto normativo constitucional e
infraconstitucional no qual está inserido o fundo, seja pelo que se depreende
do art. 41 do Código Civil, segundo o qual a criação de pessoa jurídica de
direito público interno deve se dar mediante lei;
2. Tendo em vista que a exigência de inscrição dos fundos no CNPJ não lhes
confere personalidade jurídica, o Fundo Municipal de Saúde pode utilizar a
estrutura administrativa do ente ao qual é subordinado tanto no que se refere
ao quadro de pessoal como no concernente a licitações e contratações;
3. A execução orçamentária e financeira do Fundo Municipal de Saúde não será
alterada por conta de sua inscrição no CNPJ;
4. As despesas do Fundo Municipal de Saúde devem ser realizadas pelo ordenador
de despesa, que deve ser aquele indicado pela lei instituidora do fundo
Nesses
termos, responde-se objetivamente à questão suscitada que, em sendo a Câmara de
Vereadores uma unidade orçamentária e
não sendo executora do orçamento do Município, na hipótese de ser criado o CNPJ
do Poder Legislativo, não há a necessidade de desvinculação da contabilidade da
Prefeitura.
4. CONCLUSÃO
Ante o exposto e considerando que a consulta preenche
apenas em parte os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno
do TCE/SC, esta Consultoria Geral emite o presente opinativo no sentido de
sugerir ao Exmo. Sr. Relator que proponha ao Tribunal Pleno decidir por:
1. Conhecer
parcialmente da consulta à vista dos pressupostos e formalidades preconizados
nos arts. 103 e 104, Regimentais, desta Corte de Contas.
2. Responder
à consulta acrescentando item ao prejulgado 2099 nos seguintes termos:
2.1.
Em sendo a Câmara de
Vereadores uma unidade orçamentária e não sendo executora do orçamento do
Município, na hipótese de ser criado o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ
do Poder Legislativo, não há a necessidade de desvinculação da contabilidade da
Prefeitura.
3. Dar ciência desta decisão, do relatório e voto
do relator, bem como deste parecer ao Sr. Vildomar Venturini, Presidente da
Câmara de Vereadores de Formosa do Sul.
É o parecer, S.M.J.
Consultoria Geral, em 20 de junho de
2012.
EVALDO RAMOS MORITZ
AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO
De acordo:
VALERIA ROCHA LACERDA
GRUENFELD
COORDENADORA
Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo.
Sr. Relator Wilson Rogério Wan-Dall, ouvido preliminarmente o Ministério
Público junto ao Tribunal de Contas.
HAMILTON HOBUS HOEMKE
CONSULTOR GERAL
[1] Art. 2º - São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário
[2] O Planejamento na Teoria Administrativa de Fayol, in Taylor e Fayol, por Benedicto Silva, Caderno nº 44, EBAP, FGV, p. 199
[3] Acessado em 23/05/2012
[4] No mesmo sentido vide http://www.receita.fazenda.gov.br/TextConcat/Default.asp?Pos=2&Div=GuiaContribuinte/CNPJ/. Acesso em 19/06/2012.
[5] Ressalva-se que esta possibilidade
não será examinada neste parecer tendo em vista que foge à competência deste
Tribunal de Contas.
[6]
Art. 50. Além de
obedecer às demais normas de contabilidade pública, a escrituração das contas
públicas observará as seguintes:[...]
III - as demonstrações contábeis compreenderão, isolada e conjuntamente, as transações e operações de cada órgão, fundo ou entidade da administração direta, autárquica e fundacional, inclusive empresa estatal dependente;
[7] Extraído do Parecer COG 592/2010
exarado do processo CON-10/00112761, o qual originou o prejulgado 2099.