PROCESSO Nº:

@CON-12/00258760

UNIDADE GESTORA:

Câmara Municipal de Ponte Serrada

INTERESSADO:

Jurandir de Souza Bueno

ASSUNTO:

Prazo para o envio dos balancetes mensais do Poder Executivo ao Poder Legislativo

PARECER Nº:

COG - 889/2012

 

Município. Poder Executivo. Remessa de balancetes mensais e documentos ao Poder Legislativo. Exegese da Lei Orgânica à vista dos princípios constitucionais.

A prestação de contas dos Prefeitos deve ser anual e encaminhada ao Tribunal de Contas do Estado, órgão que auxilia o exercício do controle externo pela Câmara Municipal, até o dia 28 de fevereiro do exercício seguinte, a teor do art. 113 da Constituição do Estado e dos artigos 50 e 51 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000.

 

Sr. Consultor,

 

1. INTRODUÇÃO

 

Trata-se de consulta subscrita pelo Sr. Jurandir de Souza Bueno, Presidente da Câmara de Vereadores de Ponte Serrada, expressa, em síntese, nos seguintes termos:

 

[...]

Ocorre que conforme a Lei Orgânica do Município, em seus artigos 50 a 53 (cópia anexa), a Câmara entende que deve seguir o art. 53, § 1º, já o Poder Executivo, atualmente está se baseando no art. 50, § 1º, o que inviabiliza os vereadores de acompanharem mensalmente a prestação de contas, conforme vinha ocorrendo desde 1958.

Frente a esta situação, gostaríamos que nos fosse informado qual o prazo que o Poder Executivo deve encaminhar a esta Casa os balancetes mensais.

[...]

Este, o relatório.

 

2. PRELIMINARES

 

O consulente, na condição de Presidente da Câmara Municipal de Ponte Serrada, possui plena legitimidade para encaminhar consulta a este Tribunal a teor do art. 103, II, do Regimento Interno desta Corte (Resolução TC-06/2001).

Analisando a pertinência da matéria envolta no questionamento suscitado, a mesma encontra guarida no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Complementar nº 202/2000.

Observa-se ainda, que o expediente consultivo não veio instruído com parecer da assessoria jurídica da Câmara referenciada, conforme preceitua  o inciso V do art. 104, do Regimento Interno, contudo, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º do art. 105, Regimental, cabendo esse discernimento ao relator e aos demais julgadores.

 

3.  MÉRITO

 

Conforme já verificado na introdução deste parecer, a autoridade consulente deseja esclarecimentos acerca do prazo que o Poder Executivo deve encaminhar ao Legislativo, a respectiva prestação de contas acompanhadas de cópias das notas de empenhos, notas fiscais e dos balancetes mensais, fazendo citar os seguintes comandos da Lei Orgânica do Município:

 

Art. 50 – O controle externo da Câmara Municipal  será exercido com auxílio do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina através de parecer prévio sobre as contas que o Prefeito e a Mesa da Câmara deverão prestar anualmente.

§ 1º - As contas deverão ser apresentadas até noventa dias do encerramento do exercício financeiro.

[...]

Art. 53 – Os Poderes Legislativo e Executivo manterão de forma integrada, sistema de controle interno, com a finalidade de:

[...]

§1º - As prestações mensais do Executivo ao Legislativo serão acompanhadas de via dos empenhos e segunda via ou fotocópia da nota fiscal, ou comprovante de pagamento correspondente, das despesas efetuadas.

 

No que se refere aos Municípios e à sua fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, vejamos o que dispõe  a Constituição Federal:

 

Art. 29 – O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

[...]

Art. 31 – A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei;

§ 1º - O controle externo  da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunal de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.

 

Por seu turno, a Constituição do Estado de Santa Catarina estabelece:

 

Art. 111 – O Município rege-se por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição, e os seguintes preceitos:

[...]

Art. 113 – A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos ou entidades da administração pública municipal, quanto a legalidade, a legitimidade, a economicidade, a aplicação das subvenções e a renúncia de receitas, é exercida:

I  - pela Câmara Municipal, mediante controle externo;

II  - pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal.

§ 1º - O controle externo da Câmara Municipal é exercido com o auxílio do Tribunal de Contas, observado, no que couber e nos termos da lei complementar, o disposto nos arts. 58 a 62.

 

No âmbito da Lei Orgânica do Tribunal de Contas, temos:

 

Art. 50 – O Tribunal de Contas do Estado apreciará as contas prestadas anualmente pelo Prefeito, as quais serão anexadas às do Poder Legislativo, mediante parecer prévio a ser elaborado antes do encerramento do exercício em que foram prestadas.

Art. 51 – A prestação de contas de que trata o artigo anterior será encaminhada ao Tribunal de Contas até o dia 28 de fevereiro do exercício seguinte, e consistirá no Balanço Geral do Município e no relatório do órgão central do sistema de controle interno do Poder Executivo sobre a execução dos orçamentos de que trata o art. 120, 4º, da Constituição Estadual.

 

Dentre os dispositivos da Carta Estadual, o art. 59 estatui que o controle externo, a cargo da Assembléia Legislativa, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual tem entre uma das suas competências, apreciar as contas prestadas anualmente pelo Governador, as quais serão anexadas as dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento.

Maria Sylvia Zanella de Pietro [1] assim leciona:

 

O controle que o Poder Legislativo exerce sobre a Administração Pública tem que se limitar às hipóteses previstas na Constituição Federal, uma vez que implica interferência de um Poder nas atribuições dos outros dois.

 

É ainda de sua lição [2] que:

 

Não podem as legislações complementar ou ordinária e as Constituições estaduais prever outras modalidades de controle que não as constantes da Constituição Federal, sob pena de ofensa ao princípio da separação de Poderes; o controle constitui exceção a esse princípio, não podendo ser ampliado fora do âmbito constitucional.

 

A Constituição da República, em seus artigos 70 e seguintes [3], disciplina a fiscalização contábil, financeira e orçamentária no âmbito não apenas da União, mas também na esfera dos demais entes estatais, dentre os quais os Municípios, tendo em vista o disposto no art. 75 [4], que está diretamente associado ao princípio da simetria como o centro.

De outro lado, prevê o art. 29, inciso XI, da Carta Magna federal, que os Municípios reger-se-ão por lei orgânica, que tratará, dentre outras matérias, da organização das funções legislativas e fiscalizadoras da Câmara de Vereadores, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição.

Demonstra-se a lição do eminente professor municipalista José Nilo de Castro [5]:

 

Detém o Poder Legislativo Municipal a função fundamental de fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Município. Assim reza o art. 31 da Constituição da República: a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei, isto na forma da Lei Federal nº 4.320/64, cujos artigos 76 a 80 disciplinam, à saciedade, o controle interno da Administração Municipal.

 

A propósito, colaciona-se dispositivo da Lei nº 4.320/64:

 

Art. 82 – O Poder Executivo, anualmente, prestará contas ao Poder Legislativo, no prazo estabelecido nas Constituições ou nas Leis Orgânicas dos Municípios.

§ 1º - As contas do Poder Executivo serão submetidas ao Poder Legislativo, com Parecer prévio do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.

 

E prossegue o ilustre autor [6]:

 

Indiscutivelmente, quanto ao tempo, as prestações de contas ou tomadas de contas serão: a) anuais, as que se realizam por ocasião do encerramento do exercício financeiro; b) no fim de gestão, na transmissão de cargos de Prefeito; c) em outras épocas, desde que se julgue necessário, ocorrendo a tomada de contas, independentemente da prestação de contas, isto é, sem prejuízo dessas.

 

Vejamos a opinião do Prof. e Conselheiro do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, Helio Saul Mileski [7]:

 

O controle exercido pelo Poder Legislativo é essencialmente de natureza política, mas também ocorre no aspecto financeiro. De acordo com a clássica tripartição dos Poderes realizada por Montesquieu e adotada pelo Estado Brasileiro, a cada poder foi designada uma função – Executiva. Legislativa e Judiciária -, e eles devem conviver em harmonia, limitando-se reciprocamente, mas sem ser absolutamente separados e sem paralisar uns aos outros, no sentido de que a  unidade do poder do Estado não se rompa por tal circunstância.

Portanto, no regime constitucional da separação dos Poderes há o controle do poder pelo poder, mas com o dever de ser salvaguardada e respeitada a independência de cada um, tendo-se em conta a harmonia que deve existir na atuação funcional dos Poderes do Estado.

De acordo com o exercício dessas funções, guardando a independência e a harmonia entre os Poderes, é que o Legislativo procede ao seu controle sobre a Administração Pública, com o mesmo sendo exercido nos termos do delimitado pela Constituição Federal, uma vez que o mesmo resulta em interferência de um Poder nas atribuições de outro.

São exemplos de controle político e financeiro exercido pelo Poder Legislativo: proceder à sustação de atos e contratos do Executivo; realizar convocação de Ministros e requerimentos de informações, queixas e representações dos administrados e convocação de qualquer autoridade ou pessoa para depor; instalar Comissões Parlamentares de Inquérito para apurar irregularidades; proceder ao julgamento das contas do Chefe do Poder Executivo; substituir ou destituir (impeachment) o Presidente ou os Ministros; exercer o controle externo da Administração Pública direta e indireta, com o auxílio do Tribunal de Contas.

 

Salientadas a legislação e a doutrina, importante citar orientação judiciária e, para o caso, fazemos constar entendimento da Corte Superior de Minas Gerais, por ocasião de apreciação de ações envolvendo Leis Orgânicas de alguns municípios mineiros:

 

ADI 172670-2/00

Relator: Des. Hugo Bengstsson

Comarca de Bambuí

Representante: Prefeito Municipal de Bom Repouso

Representada; Câmara Municipal de Bom Repouso

Julgamento: 09/03/2001

EMENTA: Inconstitucionalidade – Ação Direta – Lei Orgânica Municipal – Convênios – Aprovação de contas pelo decurso de prazo – Balancetes mensais – Violação aos princípios da harmonia e independência dos poderes – Procedência do pedido

 

Em seu voto, o ilustre Relator, Des. Hugo Bengtsson, fez uma amplo arrazoado sobre o tópico em debate:

 

Por outro lado, não resta dúvida de que, pelo que dispõem os arts. 172 e 173, da Carta Mineira, a Lei Orgânica Municipal deverá observar os princípios norteadores contidos nas Constituição Federal e Estadual, sendo que os poderes se manterão independentes e harmônicos entre si. (grifamos)

Já por imposição das determinações contidas no art. 176:

“Compete, privativamente, à Câmara Municipal, no que couber, o exercício das atribuições enumeradas no art. 62”.

Assim é que:

“Art. 62 – Compete privativamente à Assembléia Legislativa:

XIX – proceder à tomada de contas do Governador do Estado não apresentadas dentro de sessenta dias da abertura da sessão legislativa.

XX – Julgar, anualmente, as contas prestadas pelo Governador do Estado, e apreciar os relatórios sobre execução de planos de governo”.

E o controle externo, de competência da Câmara Municipal, será exercido, como cediço, com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado (art. 31, § 1º da CR).

[...]

Assim, a fiscalização da Câmara Municipal sobre as contas do Prefeito é exercida após parecer prévio do Tribunal de Contas, nos termos do art. 180 da Constituição Estadual.

Deste modo, também não podem subsistir as disposições legais que exigem contas mensais dos Prefeitos, muito menos aquelas outras que permitem sua aprovação ou rejeição por mero decurso de prazo, de acordo com a conclusão do parecer do Tribunal de Contas do Estado, haja vista que as contas, por força do preceito da Lei Maior, a tempo e modo, devem ser efetivamente julgadas pela Câmara Municipal.

Em conclusão, pelo que ressai dos autos, no caso, o legislador municipal, realmente ultrapassou os limites de sua competência, quer ditando regras para a prática de atos típicos da Administração Municipal, quer criando procedimentos incompatíveis com os preceitos constitucionais elencados na peça de ingresso.

Com estas razões de decidir, julgo procedente o pedido, para declarar a inconstitucionalidade de todos os trechos transcritos e destacados, ao se acolher, em substância, o lúcido parecer da Procuradora de Justiça, Dra. Hilda Maria Porto de Paula Teixeira da Costa.

 

ADI nº 000.246.576-3/00, ajuizada pelo Prefeito do Município de Alpinópolis – Des. Relator: Isalino Lisboa

EMENTA: Lei Orgânica Municipal. Aprovação de Contas pelo decurso de prazo. Exigência de envio de balancetes mensais pelo Prefeito à Câmara Municipal. Violação aos princípios da harmonia e independência dos Poderes. Procedência do pedido.

 

Foi esse o entendimento do Exmo. Des. Relator Isalino Lisboa da ADI acima referida:

 

O artigo 172, do mesmo Diploma Constitucional, é cristalino ao consignar que a Lei Orgânica observará os princípios da Constituição da República e os da Carta Mineira, revelando-se incabível àquela legislação municipal considerar julgadas as contas, se não houver deliberação dentro do prazo.

(...)

Inadmissível, pois, o julgamento das contas pela expiração do prazo, na medida em que impede a efetiva fiscalização do Executivo Municipal pelo Poder Legislativo.

Lado outro, também não podem subsistir as disposições legais que exigem contas mensais do Prefeito e estabelecem sanções pelo descumprimento de tal exigência, sob pena de flagrante violação ao princípio da harmonia e independência dos poderes, insculpido no artigo 173, da Carta Mineira. (grifamos)

 

ADI Nº 1.0000.00.341871-2/000 – Requerente: Prefeito Municipal de Conceição da Aparecida. Requerido: Câmara Municipal de Conceição da Aparecida. Relator: Desembargador Corrêa de Marins

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Município de Conceição da Aparecida. Aprovação de lei complementar. Câmara Municipal. Controle externo.

É inconstitucional o dispositivo da Lei Orgânica do Município que exige para o voto favorável de 2/3 dos membros da Câmara Municipal para aprovação de lei complementar, quando a Constituição Estadual determina que tal aprovação se dê pelo voto favorável da maioria dos membros. Ofende ao princípio da harmonia e independência dos poderes o dispositivo da LOM que amplia o poder de fiscalização da Câmara, ao exigir o envio dos balancetes contábeis e orçamentários no prazo ali estipulado, bem como aquele que considera julgadas as contas nos termos das conclusões do parecer prévio do Tribunal de Contas, caso não haja deliberação no prazo de 60 dias. Procedência da representação. (grifamos)

 

É do voto do Sr. Relator, que se extrai a seguinte lição:

 

Resultam igualmente inconstitucionais aqueles dispositivos da Lei Municipal que suprimem atividade fiscalizadora da Câmara, como faz o § 2º do art. 75, ora impugnado, ou o amplia demasiadamente, a exemplo do que acontece com o art. 88, XII, da Lei Orgânica do Município de Conceição da Aparecida, porque ofendem ao princípio da harmonia e independência dos poderes, consagrados pelo constituinte estadual nos artigos 6º e 173, § 1º.

É que a Câmara Municipal exerce a função fiscalizadora através do controle externo, com o auxílio do Tribunal de Contas. Desta forma não lhe é lícito abrir mão de sua incumbência constitucional de julgar as contas anualmente prestadas pelo Prefeito, após o parecer do Tribunal de Contas, como igualmente ilícito é ultrapassar tais limites, por meio de controle prévio, exigindo o envio, pelo Prefeito, de balancetes contábeis e orçamentários, acompanhados de cópias de documentos em prazo estipulado. (grifamos)

 

ADI Nº 1.0000.05.419913-8/000 – Requerente: Prefeito do Município de Carmo do Rio Claro – Requerido: Presidente da Câmara Municipal – Relator: Des. Gudesteu Biber

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade – lei municipal que obriga o Prefeito a prestar contas mensalmente à Câmara de Vereadores e trata de infrações político-administrativas do Prefeito – Presença do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora” ensejadores da concessão da liminar – Liminar concedida para suspender, em caráter provisório, a eficácia do art. 81, § 5º, do art. 88, inciso XLVII, e do art. 99, da Lei Orgânica do Município de Carmo do Rio Claro e da Lei 1.656/03 daquele mesmo Município, prejudicado o agravo regimental.

 

O Desembargador Relator da ADI, trilhou na mesma linha de pensamento dos relatores anteriores já citados. Confira-se:

 

Entende presente, em tese, o requisito do “fumus boni iuris”, posto que a Câmara de Vereadores, ao promulgar a Lei Orgânica Municipal, impôs ao Chefe do Poder Executivo obrigação de prestar contas, mensalmente ao Poder Legislativo, quando se sabe que a prestação de contas é sempre anual e após parecer técnico do Tribunal de Contas, para onde elas são inicialmente remetidas.

Com relação ao disposto no inciso XII, do art. 88, contendo infração político-administrativa do Prefeito, tem-se que o colendo STF, desde os idos de 1989, já firmava que a nova Carta Magna recepcionou o disposto do Dec. Lei 201/67, inclusive o ser art. 4º e seguintes.

[...]

Por essa razão, concedo a liminar pleiteada para, “ad referendum” da egrégia Corte Superior, suspender, em caráter provisório, a eficácia dos arts. 81, § 5º, 88, XII, 99, XLVI, todos da Lei Orgânica do Município de Carmo do Rio Claro, bem como o disposto na Lei 1.656/03, daquele mesmo município.

[...]

Não vejo como prosperar o recurso, aliás, desnecessário, porque dirigido ao mesmo órgão que, reapreciando a matéria decidida, poderá ou não ratificar a liminar.

Se esta Corte Superior ratificar a liminar, ‘tollitur quaestio”, perdendo o recurso seu objeto, e ficando prejudicado. Se a Corte Superior negar ratificação, faltará sucumbência à recorrente e seu recurso também ficará sem objeto, prejudicado, portanto.

Se a decisão monocrática, concessiva de liminar, necessita ratificação do colegiado, ela só produzirá efeitos definitivos após a ratificação. Antes, só produzirá efeitos em caráter provisório, como aliás, dela consta.

Cumpre salientar que os dispositivos aqui atacados de inconstitucionalidade já foram examinados centenas de vezes nesta Corte, em processos de outras comarcas, e todos foram julgados inconstitucionais. Não explicitei tal circunstância no despacho para se evitar prejulgamento da causa em discussão.

Assim, meu voto é no sentido de se ratificar a liminar, ficando prejudicado o recurso de agravo regimental. (grifo do original)

 

Efetivamente, observa-se que, a matéria então constante das Leis Orgânicas de alguns municípios do Estado de Minas Gerais, foi julgada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça mineiro e, daí em diante, os Prefeitos deixaram de remeter os balancetes mensais e a documentação já referida às Câmaras Municipais.

No caso em exame, a Lei Orgânica do Município de Ponte Serrada, ao determinar, em seu art. 53, § 1º, a remessa mensal à Edilidade de prestação de contas, notas de empenho, cópias de notas fiscais ou comprovante de pagamento das despesas efetuadas, extrapolou os limites constitucionais, pois passou a impor ao Executivo local uma verdadeira obrigação de prestação de contas mensal, ao passo que tal prestação, que se dá para fins de controle externo, é feita com o auxílio do Tribunal de Contas, anualmente,  a teor do art. 31 da CF [8] e art. 113, da Constituição Estadual, anteriormente citado.

Portanto, não é admissível, como função fiscalizadora legítima do Poder Legislativo Municipal, a criação de mecanismos outros de controle, não admitidos pela Ordem Constitucional.

De outro norte, poderia ser questionado que diante da Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009, que alterou os artigos 48 e 73 a Lei Complementar nº 101/2000 (LRF), bem como a Lei Federal nº 12.527/2011, em vigor desde 16 de maio de 2012, conhecida como Lei de Acesso à Informação, o Poder Executivo deveria divulgar os documentos de que tratam o art. 53 § 1º, da Lei Orgânica do Município ou até mesmo abrangeria a obrigatoriedade da prestação de contas mensal ao Poder Legislativo prevista no mencionado dispositivo da lei municipal.

Diante disto, a seguir será realizada uma breve análise sobre as mencionadas legislações.

Segundo o art. 48 da LRF, os órgãos públicos deverão dar ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos[9], dentre outros instrumentos qualificados como de “transparência de gestão fiscal”, das prestações de contas e o respectivo parecer prévio, nos seguintes termos:

 

   Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

Parágrafo único.  A transparência ser assegurada também mediante: (Redação dada pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

        I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

        II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

        III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A. ((Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

 

Ainda de acordo com a LRF, precisamente o art. 48-A, com a redação dada pela LC 131/09, os Entes da Federação estão obrigados a publicar nos meios eletrônicos de acesso público[10], a respectiva execução orçamentária e financeira, o que compreende, no que tange  à despesa, a publicação de “todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado”[11].

Destaca-se que a obrigatoriedade de publicação na internet dos instrumentos de transparência da gestão fiscal contemplados nos artigos 48 (incisos II e III do parágrafo único) e 48-A  da LRF, abrangerá todos os  municípios a partir do mês de maio de 2013, pois o art. 73-B[12] conferiu prazo aos municípios para adequação às mencionadas determinações, sendo o maior prazo concedido aos municípios com população até 50.000 habitantes de 4 anos, o qual expirará na citada data[13].

No que se refere à Lei Federal nº 12.527/2011, ela inovou o ordenamento jurídico regulamentando, em suma, o direito fundamental de todos previsto no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal (CF) de solicitar aos órgãos públicos informações de seu interesse particular, coletivo ou geral, o direito inserto no art. 37, § 3º, II, da CF de acesso dos usuários da Administração Pública aos registros administrativos e informações sobre atos do governo, bem como regula o art. 216 § 2º, da CF, o qual dispõe sobre a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessite.

Especificamente sobre o tema em debate, a Lei Federal 12.527/2011 dispôs que o registro das despesas dos órgãos públicos deve estar publicado em local de fácil acesso independentemente de solicitação, devendo constar nos sites oficiais dos Municípios com população superior a dez  mil habitantes.

No seu art. 7º, a Lei Federal nº 12.527/2011 esclarece, por meio de rol exemplificativo, quais as  informações que devem ser fornecidas pelos órgãos públicos, conforme segue:

Art. 7o  O acesso à informação de que trata esta Lei compreende, entre outros, os direitos de obter: 

I - orientação sobre os procedimentos para a consecução de acesso, bem como sobre o local onde poderá ser encontrada ou obtida a informação almejada; 

II - informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos; 

III - informação produzida ou custodiada por pessoa física ou entidade privada decorrente de qualquer vínculo com seus órgãos ou entidades, mesmo que esse vínculo já tenha cessado; 

IV - informação primária, íntegra, autêntica e atualizada; 

V - informação sobre atividades exercidas pelos órgãos e entidades, inclusive as relativas à sua política, organização e serviços; 

VI - informação pertinente à administração do patrimônio público, utilização de recursos públicos, licitação, contratos administrativos; e 

[...]

 

Desta forma, os documentos previstos no art. 53, § 1º da Lei Orgânica  Municipal, quais sejam, os “empenhos” e as correspondentes “notas fiscais”  ou o “comprovante de pagamento” das despesas efetuadas, devem ser disponibilizados independentemente de requerimento não apenas pelo Poder Executivo mas como também por todos os Entes da Federação, conforme determinam as legislações federais acima citadas.

Da mesma maneira, a prestação de contas, bem como os pareceres prévios, também deverão ser  disponibilizados na internet pelo Entes.

 

 

Contudo, a obrigatoriedade de divulgação da prestação de contas pelos órgãos públicos  espontaneamente pela internet não confere legitimidade à obrigatoriedade da prestação de contas mensal do Poder Executivo ao Poder Legislativo, pelas razões expostas neste parecer.

Ou seja, os municípios deverão encaminhar as respectivas prestações de contas ao Tribunal de Contas  até o dia 28 de fevereiro do exercício seguinte, a teor do artigo 113 da Constituição do Estado e artigos 50 e 51 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000 e publicá-las[14] também na internet, para que seja dado cumprimento à LRF e à Lei de Acesso à Informação.

Por fim, saliente-se que, em Sessão Plenária de 01/08/1990, o Plenário desta Corte de Contas, ao apreciar o estudo efetuado pela Diretoria de Controle dos Municípios no Parecer nº DMU 12/90, nos autos do processo de consulta nº 15637/00, originário da Câmara Municipal de Salete, proferiu a seguinte decisão:

 

A organização das funções de fiscalização a serem exercidas pelo Legislativo (controle externo) e pelo Executivo (controle interno) devem ser normatizadas em legislação local obedecidos os princípios e preceitos constitucionais.

A legislação local que instituir as normas de controle externo poderá determinar a remessa do balancete mensal à Câmara Municipal, pelo Poder Executivo.

Na existência de legislação local que determine a remessa de balancete mensal, compete ao Presidente adotar as medidas cabíveis para o seu cumprimento.

 

Tal decisum está consubstanciado no Prejulgado 017 e, em função do apresentado neste opinativo, sugerimos a revogação do mesmo.

Portanto, em resposta à consulta em apreço, afirma-se que a prestação de contas dos Prefeitos deve ser anual e encaminhada ao Tribunal de Contas do Estado, órgão que auxilia o exercício do controle externo pela Câmara Municipal, até o dia 28 de fevereiro do exercício seguinte, a teor do artigo 113 da Constituição do Estado e artigos 50 e 51 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000.

 

4. CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, a Consultoria Geral emite o presente Parecer no sentido de que o Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall proponha ao Egrégio Tribunal Pleno decidir por:

1.  Conhecer do expediente consultivo por preencher os requisitos de admissibilidade previstos regimentalmente.

2.  Responder a consulta nos seguintes termos:

2.1.  A prestação de contas dos Prefeitos deve ser anual e encaminhada ao Tribunal de Contas do Estado, órgão que auxilia o exercício do controle externo pela Câmara Municipal, até o dia 28 de fevereiro do exercício seguinte, a teor do artigo 113 da Constituição do Estado e dos artigos 50 e 51 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000.

3. Revogar, com fundamento no art. 156 do Regimento Interno,  o  prejulgado 17.

4. Dar ciência desta decisão, do relatório e voto do Relator, bem como deste parecer ao Sr. Jurandir de Souza Bueno, Presidente da Câmara de Vereadores de Ponte Serrada.

 

É o parecer, S.M.J.

Consultoria Geral, em 09 de agosto de 2012.

 

 EVALDO RAMOS MORITZ

AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO

 

De acordo:

 

 VALERIA ROCHA LACERDA GRUENFELD

COORDENADORA

 

Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo. Sr. Relator Wilson Rogério Wan-Dall, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

 HAMILTON HOBUS HOEMKE

CONSULTOR GERAL



[1] Direito Administrativo, Atlas, 7ª Ed., 1996,  p.488

[2] Ob. Cit., p. 488

[3] Art. 70 – A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

[...]

Art. 71 – O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

[...]

 

[4] Art. 75 – As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

Parágrafo único – As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.

[5] Direito Municipal Positivo, 3ª ed. , Del Rey, 1996, pg. 304/306

[6] Ob cit. pg. 306

[7] O Controle da Gestão Pública. São Paulo.: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 143

[8] Art. 31 – A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

§ 1º - O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver;

§ 2º - O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.

[9] O Decreto 7.185/2010, ao regulamentar o art. 48 da LRF, definiu como meio eletrônico a "Internet, sem exigências de cadastramento de usuários ou utilização de senhas para acesso".

[10] A LC 135/2009 estipulou o prazo de 2 a 4 anos para cumprimento de suas determinações pelos Municípios, conforme o número de habitantes.

[11] Texto extraído do art. 48-A, inciso I, da LRF.

[12] Art. 73-B.  Ficam estabelecidos os seguintes prazos para o cumprimento das determinações dispostas nos incisos II e III do parágrafo único do art. 48 e do art. 48-A: (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

        I – 1 (um) ano para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios com mais de 100.000 (cem mil) habitantes; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

        II – 2 (dois) anos para os Municípios que tenham entre 50.000 (cinquenta mil) e 100.000 (cem mil) habitantes; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

        III – 4 (quatro) anos para os Municípios que tenham até 50.000 (cinquenta mil) habitantes.  (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

        Parágrafo único.  Os prazos estabelecidos neste artigo serão contados a partir da data de publicação da lei complementar que introduziu os dispositivos referidos no caput deste artigo. (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

 

[13] Os 4 anos são contados da publicação no DOU da Lei Complementar 131/2009, o que ocorreu em 28/05/2009 (a Lei Complementar 131/2009 alterou dispositivos da LRF).

[14] Esta obrigatoriedade abrangerá inclusive os municípios com até 50.000 habitantes a partir de maio de 2013.