PROCESSO
Nº: |
CON-12/00218547 |
UNIDADE
GESTORA: |
Câmara Municipal de Ilhota |
INTERESSADO: |
Luiz Peixe |
ASSUNTO:
|
Município que estabelece em Lei Orgânica
limite mínimo superior ao limite de 25%, constante da Constituição, para
manutenção e desenvolvimento da educação anualmente - prevalência do limite
constante da Lei Orgânica ou da Constituição Federal |
PARECER
Nº: |
COG - 796/2012 |
Município. Manutenção e
desenvolvimento do ensino. Limite mínimo superior ao limite previsto na
Constituição Federal. Emenda à Lei Orgânica.
É possível o Município estabelecer percentual para a
manutenção e desenvolvimento acima do mínimo estabelecido pelo art. 212 da
Constituiçção Federal, desde que respeitada a iniciativa de lei do Poder
Executivo prevista no art. 165 da Carta da República, por se tratar de matéria
de natureza orçamentária.
Sr. Consultor,
1. INTRODUÇÃO
Trata-se de consulta
subscrita pelo Sr. Luiz Peixe, Presidente da Câmara de Vereadores do Município de
Ilhota, expressa, em síntese, nos seguintes termos:
“(...)
De
acordo com o caput do art. 212 da
CF/88, os municípios restam obrigados a aplicarem anualmente 25% no mínimo de
sua receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências,
na manutenção e desenvolvimento do ensino, assim consulta-se:
1. Pode o município, em face da autonomia
concebida pela Constituição Federativa do Brasil, estipular mediante emenda à
LOM percentual superior ao
percentual de 25% constante no caput
do art. 212 da CF/88, como percentual mínimo a ser aplicado pelo município
anualmente na manutenção e desenvolvimento do ensino?
2. Em havendo na LOM percentual mínimo superior
ao percentual de 25% constante no caput
do art. 212 da CF/88 a ser aplicado anualmente na manutenção e desenvolvimento
do ensino pelo município, pergunta-se: qual
será o percentual a ser considerado pelo TCE quando na análise da Prestação de
Contas Anual do Prefeito Municipal em relação a gastos com educação, será
considerado o percentual de 25% constantes da CF/88 ou o percentual constante
da LOM?”
É o relatório
2. PRELIMINARES
O consulente, na
condição de Presidente da Câmara Municipal de Ilhota, possui legitimidade para
encaminhar consulta a este Tribunal, por força do que dispõe o artigo 103, c/c
o artigo 104, III, ambos do Regimento Interno desta Corte (Resolução
TC-06/2001).
Analisando a
pertinência da matéria envolta nos questionamentos propostos, qual seja,
dúvidas sobre interpretação de texto constitucional e legal, essa merecem um
pronunciamento parcial do Plenário desta Casa, hava vista o primeiro encontrar
fundamento no inciso XII do artigo 59 da Constituição deste Estado, bem como no
inciso XV do art. 1º da Lei Complementar nº 202/2000 e artigo 104, II,
Regimental, contudo, o segundo, refoge à competência do Tribunal de Contas
pronunciar-se antecipadamente, dentro de sua função fiscalizadora.
Preenchidos, também,
os requisitos regimentais do art. 104, I e IV, ressalta-se, por oportuno, que a
inicial não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da Câmara em
destaque, conforme preceitua o artigo 104, V, da Resolução nº TC-06/2001,
contudo, neste aspecto, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não
atenda a esta formalidade, conforme autoriza o § 2º do artigo 105, do R.I.,
ficando esse juízo ao discernimento do Relator e demais julgadores.
Nesta linha de
raciocínio, sugerimos ao Exmo Sr. Conselheiro Relator que dê conhecimento parcial
ao presente feito.
3. MÉRITO
Conforme
já relatado, o consulente deseja saber se, em face da autonomia concebida pela
Constituição Federal, pode o município estipular, mediante emenda à Lei
Orgânica, percentual superior ao percentual de 25% constante do art. 212 da
mesma Carta Federal, como referencial mínimo a ser aplicado anualmente pelo
município na manutenção e desenvolvimento do ensino.
Assim
dispõe o referido comando constitucional:
“A União aplicará,
anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios vinte e cinco por cento, no
mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.”
É
ponto pacífico que a educação é um dos fatores mais importantes para o
desenvolvimento de uma nação, sendo que sua efetiva melhora só se consegue
mediante investimentos do poder público, tal como acontece nas sociedades mais
desenvolvidas do mundo.
No
campo das competências legislativas educacionais, é estabelecida à União
competência privativa na legislação sobre Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, conforme teor do art. 22, XXIV, da CF 88 [1].
Já aos Estados-membros e Distrito Federal, restritivamente ficam as
competências concorrentes para legislar sobre educação mediante normas gerais,
de acordo com o art. 24, IX, da CF/88 [2].
Apesar dos Estados-membros exercerem competências não vedadas pela Constituição
(art. 25, § 1º) [3],
sua competência neste aspecto, é restringida a legislar sobre normas
complementares para os seus sistemas de ensino. Aos Municípios ficou
caracterizada situação semelhante, legislando apenas sobre assuntos se
interesse local (art. 30, I, da CF) [4],
entretanto, aos Municípios, em se tratando de assuntos educacionais, não ocorrerá suplementação,
visto que o caput do art. 24 da Carta Federal não menciona tal ente federativo.
Entretanto, o art. 11, III da Lei de Diretrizes e Bases da Educação [5]
confere aos municípios competência para editar normas complementares acerca do
seu sistema educacional.
Partindo
do pressuposto que as normas nacionais
possuem caráter geral, tanto a LDB, bem como, as normas gerais de
educação, se diferenciam apenas no seu aspecto formal. Sobre esta questão, Nina
Beatriz Ranieri[6]
assevera:
“A competência privativa para legislar
sobre lei de diretrizes e bases da educação, prevista no artigo 22 da
Constituição Federal, resulta da repartição horizontal de competências
legislativas. Tem-se por efeito traçar a esfera da autonomia da União, criando
uma área de atuação diferenciada e delimitada, em relação às competências dos
Estados e Municípios.
(...)
Já a competência para editar normas
gerais de educação decorre da repartição de competências em sentido vertical: tratando-se
de matéria submetida à legislação concorrente entre as diversas pessoas
políticas, o que se verifica é o regramento sucessivo, em graus distintos.”
Em
artigo intitulado Federalismo e Educação na Constituição Federal de 1988, na
Revista Jus Vigilantibus, Hewerstton Humenhuk [7],
comenta:
“Tomando por base, vários referenciais
teóricos acerca do Estado Federal e de Direito Constitucional, chegou-se a
conclusão de que os Sistemas de Ensino são autônomos, sendo que, não há hierarquia
entre os sistemas da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos
Municípios. O federalismo possui como princípio norteador a repartição de
competências na organização político-administrativa do Estado, conforme
exprimido nas suas origens e teorias, bem como, na sua evolução histórica. O
Estado Federal Brasileiro não foge à regra, porquanto sua evolução foi marcada
por constantes interfases de descentralização do poder através das
competências, sendo ora mais centralizado, ora mais descentralizado.
Conseqüentemente, em relação ao direito à educação como dever estatal, em que
pese a supremacia da União, a efetivação deste verdadeiro direito fundamental
social e direito público subjetivo, é obrigação do Poder Público como um todo,
atuando de forma integrada para garantir tal direito.
A educação é uma das principais áreas
sociais como encargo do Estado. Neste óbice, o direito educacional assume
diversas peculiaridades dentro do campo de atuação dos entes componentes da
federação, através dos seus Sistemas de Ensino. A repartição de competências
assinaladas pela Constituição visa o equilíbrio do pacto federativo, externando
um federalismo cooperativo, a fim de que não haja a quebra de tal pacto.
Especificamente nas competências educacionais, a Constituição Federal de 1988,
externou a ação integrada de todos os sistemas para garantir o direito à
educação, sem prevalência de uns sobre os outros. Ocorre que a União possui
vasta competência material e legislativa, no entanto, não é descartada a atuação
de legislar supletivamente em determinados campos de poder, como no caso da
educação. Apesar disto, a União assume quase que total competência na área
educacional, em virtude da inércia do Estado-membro em legislar questões
específicas para os seus Sistemas de Ensino.
No âmbito do federalismo, a educação tem
posição garantida na atuação do Poder Público, através de todos os entes
componentes da federação, através dos sistemas de ensino e da competência
inerente a cada um, através de um federalismo de cooperação, tendência
contemporânea do Estado Federal como organização político-administrativa,
apesar da inércia do Estado em legislar supletivamente para seu sistema
educacional conforme a Constituição prevê no art. 24, § 2º da Constituição
Federal de 1988 [8].
O federalismo e a educação a partir do
Direito Constitucional, é uma temática interligada e que nos mostra que se os
entes da federação não atuarem conforme às repartições de competências
assinaladas pela Lei Maior de 1988, gerar-se-á questões de ordem prática
equivocadas na efetivação e atuação dos Sistemas de Ensino.”
Partindo
do princípio de que a vinculação constitucional se apresenta como um
instrumento para a garantia do direito à educação, um aspecto fundamental que
se extrai do artigo 212 da CF/88, é que o percentual mínimo a ser investido em
manutenção e desenvolvimento do ensino corresponde a 18% para a União, e 25%
para Estados, Distrito Federal e Municípios, contudo, a Lei nº 9.394/96, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB) complementa este
artigo ao determinar que tais percentuais sejam destinados ao ensino público
(art. 69)[9].
O artigo determina ainda, que, no caso de a Constituição Estadual ou a Lei
Orgânica dos Municípios terem aumentado tais percentuais, o parâmetro a ser
respeitado deverá ser o determinado por estas legislações. Neste sentido,
ressalta-se algumas vinculações, como por exemplo, o Estado do Rio Grande do
Sul (35%), Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Piauí (30%), entre outras.
Efetivamente,
não pode prosperar a noção de que o mínimo constitucional da arrecadação a ser
aplicado na Educação só possa ser objeto de iniciativa da União, pois isto
acarretaria em ruir com o pacto federativo, retirando dos municípios a
autonomia e competência para tratar de todos os assuntos de interesse local, contudo,
em se tratando de matéria orçamentária, o operador do direito sabe que, todo
tema jurídico pode ser interpretado, pelo menos, de duas formas. A primeira
forma seria acompanhar, em regime de exclusividade, o método literal,
atrelando-se ao texto frio da norma jurídica, analisando-a isoladamente. Já a
segunda via, preconizada como correta pela melhor doutrina, é o da
interpretação sistemática, em que se objetiva extrair do Texto Constitucional,
visto como um todo harmônico e coeso, a interpretação que melhor se coaduna com
os princípios jurídicos básicos e fundamentais do sistema jurídico.
Neste
sentido, da forma sistêmica, há que se observar outros preceptivos da Carta
Magna Constitucional, considerando que a iniciativa de leis no procedimento
ordinário constitui uma questão de alta relevância em um Estado Democrático de
Direito. Trata-se de situação disciplinada na CF, no sentido de conferir a
ampla legitimidade de iniciativa legislativa para assuntos gerais, e a iniciativa
restrita a alguns órgãos, cuja matéria seja afeta diretamente a seu respectivo
interesse.
Valendo-se
do conceito do Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho[10]
a iniciativa legislativa é uma manifestação de vontade deflagrada por
legitimados de acordo com a Constituição Federal, com vistas a um início de
procedimento, realizado no âmbito do Poder Legislativo, com a finalidade de
modificar o ordenamento jurídico, dando ensejo a um ato normativo abstrato,
genérico e im pessoal.
A
iniciativa pode ser geral ou reservada, sendo que a primeira está expressa no
art. 61, caput, da CF:
A
iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou
comissão da Câmara de Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao
Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores,
ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos
nesta Constituição.
O
§ 1º do mesmo dispositivo, contudo, dispõe sobre as matérias de iniciativa
reservada ao Presidente da República, sendo que o inciso II, alínea “b”,
preconiza que lhe compete privativamente a iniciativa de leis que tratem de
matéria orçamentária e tributária.
Salienta-se,
também, que o Texto Constitucional, em seu art. 165 e incisos atribui competência
exclusiva ao Poder Executivo, tanto no âmbito federal, como no estadual e
também no municipal, para a iniciativa de leis que disponham sobre matéria
orçamentária. Isto quer dizer que as diretrizes orçamentárias e os orçamentos
anuais dos Municípios hão de ser fixados pelas respectivas Câmaras de
Vereadores após o exame e votação dos projetos de leis de iniciativa privativa
dos Prefeitos. Resulta daí a impossibilidade de o Poder Legislativo municipal
vir a interferir no orçamento de seus municípios.
É
de bom alvitre que, deve ser da competência do Poder Executivo a cada
exercício, por ocasião da elaboração das leis orçamentárias, exercer seu juízo
de prioridades, haja vista que é este Poder que traça as diretrizes e ações de
governo que julga necessárias.
Assim
sendo, não pode o legislador municipal tratar de emenda à Lei Orgânica que
implique em aumento de despesa para um determinado segmento governamental, por
não existir, no processo de emenda, a iniciativa do Chefe do Poder Executivo, o
que caracterizaria, sem dúvida, a inconstitucionalidade formal do dispositivo.
Esta
é a tônica da jurisprudência do órgão máximo da jurisdição constitucional de
nosso país, o Supremo Tribunal Federal. Por mais de uma vez o Excelso Pretório
decidiu haver inconstitucionalidade em normas de constituições de estados
membros que estavam sujeitas à iniciativa do chefe do executivo, senão vejamos:
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2.447-7 MINAS GERAIS
RELATOR:
MIN. MOREIRA ALVES
REQUERENTE:
GOVERNADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
ADVOGADA:
PGE-MG – CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA
REQUERIDA:
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
JULGAMENTO:
09/05/2002
EMENTA:
Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda nº 47, promulgada em dezembro de
2000, à Constituição do Estado de Minas Gerais. Destinação de recursos à
Universidade do Estado de Minas Gerais e à Universidade Estadual de Montes
Claros.
-
Relevância da argüição de inconstitucionalidade formal dos dispositivos
acrescentados à Constituição do Estado de Minas Gerais pela Emenda
Constitucional em causa, por ofensa ao disposto no artigo 165, III, da
Constituição Federal. Conveniência, para a boa condução da administração
pública, da suspensão da eficácia das normas em causa.
-
Quanto, porém, à alegada inconstitucionalidade material dessas normas com base
na alegação de ofensa ao artigo 167, IV, da Constituição, não há relevância
jurídica suficiente para a concessão da cautelar.
Liminar
deferida, para suspender “ex nunc”, a eficácia da alínea “f” do inciso IV do
artigo 161 e dos §§ 1º e 2º do artigo 199, todos eles introduzidos na
Constituição do Estado de Minas Gerais pela Emenda Constitucional estadual nº
47, promulgada em 27 de dezembro de 2000.
O
Plenário acompanhou o voto do relator, ministro Moreira Alves, e concedeu
liminar na ADI mencionada movida pelo governo de Minas, contra ato da
Assembléia Legislativa, que havia promulgado a Emenda Constitucional nº 47, de
dezembro de 2000, apontada como inconstitucional.
Disse
o ministro Moreira Alves ao votar:
Ora,
essa iniciativa, que é exclusiva do chefe do Poder Executivo e que se aplica
aos estados, não pode ser invadida por normas que, sem partirem da iniciativa
dele, estabeleçam destinação de verbas orçamentárias, máxime se contidas em
Constituição estadual, pela maior restrição delas decorrente.
No
mesmo sentido ADI -820 – RS, de artigo da Constituição do Estado e de Lei
Estadual que trata de manutenção e desenvolvimento do ensino público que
determina aplicação mínima de 35% da receita resultante de impostos e que
destina 10% desses recursos à manutenção e conservação das escolas públicas
estaduais:
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 820-0 RIO GRANDE DO SUL
RELATOR:
MIN. EROS GRAU
REQUERENTE:
GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
ADVOGADO:
GABRIEL PAULI FADEL E OUTRO
REQUERIDO:
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRNADE DO SUL
ADVOGADO:
REGIS ARNOLDO FERRETTI E OUTROS
JULGAMENTO:
15/03/2007
Ementa:
Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 202 da Constituição do Estado do
Rio Grande do Sul. Lei Estadual nº 9.723. Manutenção e desenvolvimento do
ensino público. Aplicação mínima de 35% (trinta e cinco por cento) da receita
resultante de impostos. Destinação de 10% (dez por cento) desses recursos à
manutenção e conservação das escolas públicas estaduais. Vício formal. Matéria
orçamentária. Iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. Afronta ao
disposto nos artigos 165, inciso III, e 167, inciso IV, da Constituição do
Brasil.
Pois
bem, ao proferir o seu voto, o insigne ministro rejeitou a preliminar suscitada
pelo Advogado-Geral da União e conheceu da ação, No mérito, porém, o digno
relator entendeu que os textos impugnados não podiam dispor sobre matéria
orçamentária, porquanto a Constituição Federal confere privativamente ao Chefe
do Poder Executivo a iniciativa de leis que disponham sobre os orçamentos
anuais. E foi nesse contexto que Sua Excelência concluiu pela
inconstitucionalidade formal dos dispositivos ora censurados, afirmando:
{...}
13.
Com efeito, o § 2º do artigo 202 da Constituição estadual, ao determinar que
“não menos de dez por cento dos recursos destinados ao ensino previstos neste
artigo serão aplicados na manutenção e conservação das escolas públicas
estaduais”, estabelece uma vinculação orçamentária. E, mas – insisto neste ponto
– sendo a decisão sobre a aplicação de recursos públicos transferida do Poder
Executivo para entidades que não são públicas.
14.
Essa previsão limita a ação do Poder Executivo, atinente à elaboração da
proposta orçamentária, violando iniciativa a ele inerente, consoante o disposto
no artigo 165 da Constituição do Brasil [...]. Outrossim, aquela transferência
de poder de decisão sobre a aplicação de recursos públicos – não meramente de
gestão, pois – resulta incompatível com a Constituição. Como a Lei 9723/92 foi
elaborada para disciplinar esse preceito da Constituição estadual, forçoso
reconhecer que ela foi alcançada pelos vícios em causa.
[...]
Em
26 de maio de 2010, a Corte máxima pátria confirmou a suspensão de artigos
sobre recursos para educação, previstos na Constituição do Estado do Rio de
Janeiro.
Foi
confirmada a liminar deferida pelo ministro Gilmar Mendes em julho de 2008 para
suspender artigos da Constituição fluminense que distribuíam montantes
predeterminados de recursos a entidades ligadas à educação.
A
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4102, ajuizada pelo Governador do
estado, contra a Assembléia Legislativa fluminense, reclamava que os artigos
309, parágrafo 1º, 314, caput e
parágrafos 2º e 5º; e artigo 332 impediam o Poder Executivo estadual de
elaborar o orçamento e aplicar os recursos da educação, como está previsto na
Carta Federal.
O
texto apreciado pelo Supremo lembrava, também, que a elaboração de leis
orçamentárias é de competência privativa do Executivo estadual e, caso isso não
fosse respeitado, estariam em xeque os princípios da independência e da
harmonia dos Poderes.
Os
artigos suspensos da Constituição do RJ obrigavam o Estado do Rio a destinar
35% da receita estadual de impostos, incluída a proveniente de transferências,
à manutenção no desenvolvimento do ensino público. Nessa percentagem estavam
incluídos 6% destinados à Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), 2% para a
Fundação Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ), e 10% para a educação especial.
O
argumento do governador ao propor a ADI era que aqueles dispositivos violavam a Constituição Federal em seus
artigos 2º, 5º, 61, parágrafo 1º, inciso II, letra b; 165 e o 212, que determina
a aplicação, pelos estados, de no mínimo 25% da receita resultante de impostos
na manutenção no desenvolvimento do ensino. No caso do Rio, o valor investido
era dez pontos percentuais maior.
Para
o mandatário estadual, os artigos da Carta estadual elaborados pela Assembléia
Legislativa do Rio sobre esse tema restringiam a competência do Poder Executivo
para livremente elaborar as propostas da legislação orçamentária, retirando-lhe
a plenitude da iniciativa dessas leis, já que obrigavam a permanente destinação
de dotações a fins preestabelecidos e a entidades predeterminadas.
Vejamos
como foi julgada a referida ADI:
REFERENDO
EM MED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.102 RIO DE JANEIRO
RELATORA:
MIN. CÁRMEN LÚCIA
REQTE.:
GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
REQDO.:
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INTDO.:
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UERJ
EMENTA:
REFERENDO DE MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
VINCULAÇÃO DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS A DETERMINADOS SETORES DA POLÍTICA
EDUCACIONAL. CAUTELAR REFERENDADA PARA
SUSPENDER A VIGÊNCIA DO § 1º DO ART. 309, DO CAPUT E § 5º DO ART. 314 E DA
EXPRESSÃO “E GARANTIRÁ UM PERCENTUAL MÍNIMO DE 10% (DEZ POR CENTO) PARA A
EDUCAÇÃO ESPECIAL”, CONTIDA NA PARTE FINAL DO § 2º DO ART. 314, TODOS DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
1. A
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que são
inconstitucionais as normas que estabelecem vinculação de parcelas das receitas
tributárias a órgãos, fundos ou despesas, seja porque desrespeitam a vedação
contida no art. 167, inc. IV, da Constituição da República, seja porque
restringem a competência constitucional do Poder Executivo para a elaboração
das propostas de leis orçamentárias. Precedentes.
2. As restrições impostas ao exercício das
competências constitucionais conferidas ao Poder Executivo, entre elas a
fixação de políticas públicas, importam em contrariedade ao princípio da
independência e harmonia entre os Poderes.
3. A
via original do agravo regimental
interposto por faz pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro não
foi recebida no Supremo Tribunal federal, conforme determinam a Lei nº
9.800/1999 e a Resolução nº 179/1999. Agravo regimental não conhecido.
4. Medida
cautelar referendada para suspender a vigência do § 1º do art. 309, do caput e
§ 5º do art. 314 e da expressão “e garantirá um percentual mínimo de 10% (dez
por cento) para a educação especial”, contida
na parte final do § 2º do art. 314, todos da Constituição do Estado do
Rio de Janeiro.
Portanto,
extrai-se do apresentado que leis e propostas de Emendas à Lei Orgânica de
iniciativa da Câmara Municipal, dada a própria natureza e atribuições do Poder
Legislativo, são todas aquelas em que a Constituição Federal não reservou expressa
e privativamente ao Poder Executivo sua iniciativa, isto é, em matéria de
administração, compete à Câmara Municipal, na qualidade de representante dos
munícipes, legislar e propor emendas sobre normas gerais comuns e abstratas de
administração de interesse local,
sendo-lhe vedado, única e exclusivamente legislar sobre normas concretas de
administração ou seja, sobre normas regulamentadoras da administração e emendas à LOM, as quais a
iniciativa pertence, pela sua própria natureza ao Poder Executivo, como é o
caso, por exemplo, de emendas que digam respeito à matéria orçamentária.
4. CONCLUSÃO
Em consonância com o acima exposto e considerando:
- que o consulente
está legitimado à subscrever consultas para este Tribunal de Contas, nos termos
do inciso II do artigo 103 do Regimento Interno;
- que a consulta, em
parte, trata de interpretação de matéria de competência desta Casa, conforme
determina o inciso XII do artigo 59 da Constituição Catarinense, bem como o
inciso XV do artigo 1º da Lei Complementar nº 202/2000;
- que apesar de não
vir instruída com o parecer da assessoria jurídica da Câmara Municipal,
conforme preceitua o inciso V, do artigo 104 da Resolução nº TC-06/2001, o
Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda esta formalidade, nos
termos do § 2º do artigo 105, Regimental, cabendo esta ponderação ao relator e
demais julgadores.
Sugere-se ao Exmo Sr.
Conselheiro Salomão Ribas Junior que submeta voto a Tribunal Pleno sobre
consulta formulada pelo Sr. Luiz peixe,
Presidente da Câmara de Vereadores de Ilhota, nos termos deste opinativo que,
em síntese, propõe:
1. Conhecer
parte da consulta, por preencher os requisitos de admissibilidade previstos
regimentalmente.
2. Responder
à consulta nos seguintes termos:
2.1.
É possível o Município estabelecer percentual
para a manutenção e desenvolvimento do ensino acima do mínimo estabelecido pelo
art. 212 da Constituição Federal, desde que respeitada a iniciativa de lei do
Poder Executivo prevista no art. 165 da Constituição Federal, por se tratar de
matéria de natureza orçamentária.
3. Dar
ciência desta decisão, do relatório e voto do relator, bem como deste parecer
ao Sr. Luiz Peixe, Presidente da Câmara Municipal de Ilhota.
É o parecer, S.M.J.
Consultoria Geral, em 16 de agosto de
2012.
EVALDO RAMOS MORITZ
AUDITOR FISCAL DE CONTROLE EXTERNO
De acordo:
VALERIA ROCHA LACERDA
GRUENFELD
COORDENADORA
Encaminhem-se os Autos à elevada consideração do Exmo.
Sr. Relator Salomão Ribas Junior, ouvido preliminarmente o Ministério Público
junto ao Tribunal de Contas.
HAMILTON HOBUS HOEMKE
CONSULTOR GERAL
[1] Art. 22 – Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
XXIV – diretrizes e bases da educação nacional
[2] Art. 24 - Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
IX – educação, cultura, ensino e desporto
[3] Art. 25 – Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição
§ 1º - São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição
[4] Art. 30 – Compete aos Municípios:
I – legislar sobre assuntos de interesse local
[5] Art. 11 – Os Municípios incumbir-se-ão de:
(...)
III – baixar normas com plementares para o seu sistema de ensino
[6] Educação Superior, Direito e Estado: Na Lei de diretrizes e bases (Lei nº 9.394/96). São Paulo:Editora da Universidade de São Paulo, Fapesp, 2000, pgs.102/103
[7] Advogado publicista. Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública pelo CESUSC. Professor de Direito Administrativo e Direito da Criança e do Adolescente nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC e professor de Direito aplicado à Administração no curso de graduação em Administração da mesma instituição. Consultor e Assessor Jurídico de Prefeituras e Câmaras de Vereadores do Estado de Santa Catarina. Membro do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina – IDASC. Associado ao Escritório Cristóvam & Tavares Advogados Associados, com sede em Florianópolis. Autor de artigos e ensaios científicos publicados em revistas especializadas.
[8] § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados
[9] Art. 69 – A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios, vinte e cinco por cento, ou o que consta nas respectivas Constituições ou Leis Orgânicas, da receita resultante de impostos, compreendidas as transferências constitucionais, na manutenção e desenvolvimento do ensino público (grifamos)
[10] Do Processo Legislativo. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 202