PARECER nº: |
MPTC/28653/2014 |
PROCESSO nº: |
REP
12/00468659 |
ORIGEM : |
Prefeitura
de Mondaí |
INTERESSADO: |
Rodrigo
Cesar Barbosa |
ASSUNTO : |
Irregularidades na aplicação de recursos do
Fundo Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente (FIA). |
1
– RELATÓRIO
Trata-se de Representação
intentada pelo Promotor de Justiça Rodrigo César Barbosa, relatando supostas
irregularidades na aplicação de recursos do Fundo Municipal dos Direitos da
Criança e Adolescente (FIA), no âmbito da Prefeitura de Mondaí, durante o
exercício de 2011.
Compuseram a Representação o
Ofício nº 0249/2012/PJ/MON (fl. 2), cópia da Ação Civil Pública ajuizada em
face dos municípios de Mondaí, Iporã do Oeste e Riqueza (fls. 3/16) e os
documentos de fls. 17/78.
Auditores da Diretoria de
Controle dos Municípios - DMU sugeriram o conhecimento da Representação e
adoção de providências para apuração dos fatos indicados como irregulares (fls.
79/80-v).
Manifestei-me
pela adoção de medidas para elucidação dos fatos, também em relação aos municípios
de Iporá do Oeste e Riqueza, salvo se em relação a estes tivesse havido
autuação de processos específicos (fl. 81).
O Exmo. Relator conheceu a Representação
e determinou a adoção de providências para apuração dos fatos (fls. 82/83).
Foram apresentados documentos
(fls. 93/99).
Auditores sugeriram a audiência
do Sr. Valdir Albino Mallmann, gestor do Fundo de Infância e Adolescência a
partir de 21-12-2011 (fls. 100/116).
A providência foi determinada
(fl. 117).
O Responsável apresentou
justificativas (fls. 117/132).
Foi sugerida a audiência do Sr.
Matheus Backendorf, gestor do Fundo no período de 1º-1 a 20-12-2011 (fls.
135/151).
A audiência foi determinada (fl. 138-v).
O Sr. Matheus Backendorf
apresentou justificativas (fls. 154/187).
Por fim, auditores da DMU
sugeriram decisão de irregularidade da realização de despesas no montante de R$
70.384,28 por não se referirem a programas voltados ao atendimento da criança e
adolescente, além de aplicação de multa aos responsáveis (fls. 190/212-v).
2 – ANÁLISE
Quanto às
irregularidades apontadas em relação aos municípios de Iporá do Oeste e Riqueza,
foram autuados processos específicos (REP 12/00468810 e REP 12/00468900)
limitando-se esta Representação ao Município de Mondaí.
2.1 – Realização
de despesas, no valor de R$ 70.384,28, que não se referem exclusivamente a
programas, projetos e atividades de proteção socioeducativos voltados ao
atendimento da criança e do adolescente, em afronta aos arts. 15 e 16 da
Resolução nº Conanda-137/2010 c/c art. 2º, I, da Lei nº 8.242/91 e art. 12, V,
da Lei Municipal nº 3.114/2005.
Auditores da DMU,
após análise realizada no sistema e-Sfinge, constataram que o Fundo realizou
despesas com recursos vinculados no montante de R$ 202.917,55, no exercício de
2011.
Das
despesas empenhadas, R$ 132.533,27 foram consideradas regulares,
conforme descrito na planilha às fls. 195-v/200, haja vista se enquadrarem no
que dispõe o art. 15 da Resolução nº 137/2010 do CONANDA, bem como expressado
na publicação “Orçamento Público e Fundo dos Direitos da Criança e do
Adolescente” (Santa Catarina, Tribunal de Contas, 2010, p. 13).
Já R$ 70.384,28
foram consideradas irregulares, em afronta ao art. 16 da Resolução nº
137/2010 do Conanda, conforme segue:
- R$ 59.415,92 foram destinados ao pagamento,
manutenção e funcionamento do Conselho Tutelar, de forma vedada pelo art. 16,
parágrafo único, II, da Resolução nº 137/2010 (fls. 201/209);
- R$ 1.536,00 foram destinados à manutenção e
funcionamento do Conselho Municipal da Criança e Adolescente - CMDCA, de forma vedada
pelo art. 16, parágrafo único, III (fl. 210-v);
- R$ 9.432,36 foram destinados ao pagamento de
despesas relacionadas à assistência social e à saúde, que possuem fundos específicos para financiamento de suas políticas
sociais, de forma vedada pelo art. 16, parágrafo único, IV (fls. 211-v/212-v).
Os responsáveis sustentaram que as despesas
foram lançadas como pertencentes ao Fundo dos Direitos da Criança e do
Adolescente em razão de se referirem à manutenção dos programas e projetos
especificados no art. 15, III, da Resolução Conanda nº 137/2010; e informaram
já terem tomado providências no sentido de regularizar a situação para o ano
seguinte, conforme documentos juntados aos autos (fls. 127/132 e 158/176).
Auditores do Tribunal, ao analisarem a Prestação
de Contas do Prefeito, PCP nº 11/00137197,[1]
já haviam alertado acerca da questão; no entanto, nenhuma medida foi adotada, tanto
que, na prestação de contas do exercício seguinte, a irregularidade foi
novamente observada (PCP nº 12/00147348).[2]
Eis o que dispõe o art. 16, parágrafo único,
da Resolução nº 137/2010:
Art. 16. Deve ser vedada a utilização dos recursos
do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente para despesas que não se
identifiquem diretamente com a realização de seus objetivos ou serviços
determinados pela lei que o instituiu, exceto em situações emergenciais ou de
calamidade pública previstas em lei. Esses casos excepcionais devem ser
aprovados pelo plenário do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Parágrafo Único. Além das condições estabelecidas no
caput, deve ser vedada ainda a utilização dos recursos do Fundo dos Direitos da
Criança e do Adolescente para:
I - a transferência sem a deliberação do respectivo
Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente;
II - pagamento, manutenção e funcionamento do
Conselho Tutelar;
III - manutenção e funcionamento dos Conselhos dos
Direitos da Criança e do Adolescente;
IV - o financiamento das políticas públicas sociais
básicas, em caráter continuado, e que disponham de fundo específico, nos termos
definidos pela legislação pertinente; e
V - investimentos em aquisição, construção, reforma,
manutenção e/ou aluguel de imóveis públicos e/ou privados, ainda que de uso
exclusivo da política da infância e da adolescência.
Os recursos do FIA devem ser utilizados exclusivamente
para projetos que assegurem a proteção e a defesa da criança e do adolescente,
não sendo admitidas despesas para fins diversos.
O Tribunal de Contas de Santa Catarina
possui os seguintes prejulgados sobre o assunto:
Prejulgado nº 224:
As despesas a serem
realizadas à conta do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
são aquelas pertinentes à execução das suas atividades, na forma da legislação
aplicável, em especial a Lei nº 8.069, de 13.06.90(Estatuto da Criança).
Prejulgado
nº 1832:
[...]
3. Os recursos do Fundo de Direitos da
Criança e do Adolescente devem ser empregados exclusivamente em programas,
projetos e atividades de proteção sócio-educativos voltados ao atendimento da
criança e do adolescente.
4. A definição das despesas que podem ser
custeadas com recursos do Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente cabe ao
seu gestor, a quem compete avaliar, no momento da autorização da despesa, se o
objeto do gasto está inserido nos programas, projetos e atividades de proteção
sócio-educativos voltados ao atendimento da criança e do adolescente, bem como
se está em conformidade com os critérios de utilização dos recursos do Fundo
fixados pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Em situação
semelhante a ora analisada, o Tribunal de Contas pronunciou-se no seguinte
sentido:[3]
VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos à Representação do
Poder Judiciário acerca de supostas irregularidades na utilização de recursos
do Fundo para a Infância e Adolescência na Prefeitura Municipal de Otacílio
Costa.
ACORDAM diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art.
59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1º da Lei Complementar n.
202/2000, decide:
6.1. Conhecer da Representação, nos termos do art. 66 da Lei
Complementar n. 202/2000, por preencher os requisitos e formalidades
preconizados no art. 65, § 1º, do mesmo diploma legal para, considerar
irregulares, com fundamento no art. 36, § 2º, “a”, da Lei Complementar n.
202/2000, os atos relacionados nos itens 6.2.1 e 6.2.2 desta deliberação.
[...]
6.2.1. R$ 600,00 (seiscentos reais), em face da realização de despesas,
no valor de R$ 7.260,00, que não se referem exclusivamente a programas,
projetos e atividades de proteção sócio-educativos voltados ao atendimento da
criança e do adolescente, em afronta aos arts. 15 e 16 da Resolução Conanda n.
137/2010 c/c arts. 2º, I, da Lei n. 8.242/91 e 17 da Lei (municipal) n. 860/95
(item 2.1 do Relatório DMU n. 3.335/2013).
E mais:[4]
VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos Prestação de
Contas Anual de Unidade Gestora, referente ao exercício de 2010, do Fundo
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ilhota.
[...]
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa
Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo
Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição Estadual e 1º da
Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, em:
[...]
6.2. Aplicar ao Sr. Ademar Felisky - Gestor do Fundo Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente de Ilhota em 2010, CPF n. 640.694.789-49,
multa prevista no art. 69 da Lei Complementar (estadual) nº 202/2000 c/c o art.
108, parágrafo único, do Regimento Interno, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil
reais), em face da aplicação de recursos do Fundo, no valor de R$ 91.518,48, em
despesas que não se referiam exclusivamente a programas, projetos e atividades
de proteção sócio-educativos voltados ao atendimento da criança e do
adolescente (aplicação na manutenção e funcionamento do Conselho da Criança e
do Adolescente, despesa relacionada à assistência social e despesas com aluguel
de imóvel), em desacordo com os arts. 15 e 16, da Resolução Conanda n. 137/2010
c/c os arts. 2º, I, da Lei n. 8.242/91 e 16, IV, da Lei Complementar
(municipal) n. 008/2003 (item 5.1 do Relatório DMU), fixando-lhe o prazo de 30
(trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial
Eletrônico deste Tribunal de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento
da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o
encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts.
43, II, e 71 da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000.
Válido citar
trecho da cartilha elaborada pelo Ministério da Justiça, que dispõe acerca da
finalidade de aplicação dos recursos do FIA:[5]
É equivocada a ideia de que
todos os programas e serviços de atendimento a crianças e adolescentes devam
ser custeados com recursos desse fundo especial. Dessa maneira, um programa de
tratamento para drogadição, por exemplo (CF: artigo 227, §3, inciso VII; ECA:
artigo 101, inciso VI), deve ser custeado com recursos próprios do orçamento
dos órgãos responsáveis pelo setor de saúde; um programa de apoio e promoção à
família (CF: artigo 226, caput e §8; ECA: artigos 90, incisos I e II, e 129,
inciso I) deve ser custeado com dotações próprias da área da assistência social
e assim por diante, devendo o orçamento próprio de cada órgão da administração
prever recursos privilegiados para a implementação e manutenção das políticas
públicas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (ECA: artigo 4º,
parágrafo único, alínea d).
Fls.
No que concerne às atribuições do gestor do FIA, dispõe o art. 12, V, da Lei Municipal nº 3.114, de 9-5-2005:[6]
Art. 12 – Compete
ao Fundo Municipal:
(...)
V – administrar os
recursos específicos para os programas de atendimento dos direitos da criança e
do adolescente;
Como se vê, cabe ao Gestor do FIA administrar os
recursos e avaliar, no momento da
autorização da despesa, se os gastos estão inseridos nos programas voltados à proteção socioeducativa da criança e do adolescente.
No exercício objeto de análise nos autos, o
Sr. Matheus Backendorf foi responsável pela gestão de R$ 70.195,89, e o Sr.
Valdir Albino Mallmann pelos empenhos nºs 87, 88, 89 e 90, no montante de R$
188,39.[7]
Tendo em vista o período de
atuação deste último gestor, de 20 a 31-12-2011; o montante despendido
irregularmente nesse período – R$ 188,39; e o fato de a questão ter se
resolvido no início de 2012,[8] há
que se perquirir acerca da aplicação ao caso do princípio da proporcionalidade.
Eis a doutrina de Celso Antônio
Bandeira de Mello sobre esse princípio:[9]
Este princípio enuncia a ideia – singela, aliás, conquanto
frequentemente desconsiderada – de que as competências administrativas só podem
ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja
realmente demandado para cumprimento da finalidade do interesse público a que
estão atreladas. [...]
Sobremodo quando a Administração restringe situação jurídica dos
administrados além do que caberia, por imprimir às medidas tomadas uma
intensidade ou extensão supérfluas, prescindendas, ressalta a ilegalidade de
sua conduta. É que ninguém deve estar obrigado a suportar constrições em sua
liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis à satisfação do interesse
público.
Logo, o plus, o excesso
acaso existente, não milita em benefício de ninguém. Representa, portanto,
apenas um agravo inútil aos direitos de cada qual. Percebe-se, então, que as
medidas desproporcionais ao resultado legitimamente alvejável são, desde logo,
condutas ilógicas, incongruentes.
Como se vê, o princípio da
proporcionalidade significa a adequação/proporção entre a conduta do
administrador e a resposta do Tribunal de Contas.
Diante disso, considerando que o Sr. Valdir Albino Mallmann foi responsável pela gestão de somente R$
188,39 fora das finalidades do
Fundo no exercício de 2011, opino pela aplicação de multa apenas ao Sr. Matheus Backendorf, responsável pela aplicação de R$ 70.195,89.
3 – CONCLUSÃO
Ante o exposto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, com
amparo na competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar nº 202/2000,
manifesta-se pela adoção das seguintes providências:
3.1 – DECISÃO de IRREGULARIDADE, com fundamento no art. 36, § 2º, a, da Lei Complementar nº 202/2000, do
seguinte ato: - realização de
despesas, no valor de R$ 70.384,28, que não se referem exclusivamente a
programas, projetos e atividades de proteção socioeducativos voltados ao
atendimento da criança e do adolescente, no exercício de 2011, em afronta ao art.
2º, I, da Lei nº 8.242/91, art. 12, V, da Lei Municipal nº 3.114/2005, e arts.
15 e 16 da Resolução nº Conanda-137/2010;
3.2 – APLICAÇÃO de MULTA ao Sr.
Matheus Backendorf, gestor do Fundo Municipal no período de 1º-1 a 20-12-2011,
com supedâneo no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000, pela prática da
referida irregularidade.
Florianópolis, 7 de outubro de
2014.
ADERSON FLORES
Procurador
[1] Tribunal de Contas do Estado de Santa
Catarina. Processo nº PCP 11/00137197. Disponível em: <http://
servicos.tce.sc.gov.br/processo/index.php?sq_sessao=2454&nu_proc=1100137197>.
Acesso em 30-9-2014.
[2] Tribunal de Contas do Estado de Santa
Catarina. Processo nº PCP 12/00147348. Disponível em: <http://servicos.tce.sc.gov.br/processo/index.php?sq_sessao=2636&nu_proc=1200147348>.
Acesso em 30-9-2014.
[3] Tribunal de Contas do Estado de Santa
Catarina. Processo nº REP 11/00646580. Disponível em: <http://servicos.tce.sc.gov.br/processo/index.php?sq_sessao=2786&nu_proc=1100646580>.
Acesso em 30-9-2014.
[4] Tribunal de Contas do Estado de Santa
Catarina. Processo nº PCA 11/00227501. Disponível em: <http://consulta.tce.sc.gov.br/RelatoriosDecisao/Voto/3972391.pdf>.
Acesso em 30-9-2014.
[5]
Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e Adolescente e Conselho Tutelar: orientações para criação e
funcionamento/Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Brasília: Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente – CONANDA, 2007. p. 25.
[6] Fls. 38/47.
[7] Fls. 203-v, 204-v, 209 e 201.
[8] Ver fls. 155/176.
[9] MELLO, Celso
Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 99.