PARECER nº:

MPTC/43378/2016

PROCESSO nº:

REP 15/00274787    

ORIGEM:

Prefeitura Municipal de Taió

INTERESSADO:

Joel Sandro Macoppi

ASSUNTO:

Irregularidades na aquisição de conjunto móvel de britagem primária, mediante o Pregão Presencial nº 052/2013

 

 

 

 

 

Trata-se de representação (fls. 2-206) encaminhada pelo Presidente da Câmara Municipal de Taió, Sr. Joel Sandro Macoppi, por meio do Ofício n. 0112/15, acerca das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou supostas irregularidades no Pregão Presencial n. 052/2013, destinado à aquisição de conjunto móvel de britagem primária para aquele Município.

Após a emissão dos relatórios técnicos de fls. 229-233v e 834-852, foi realizada a audiência dos responsáveis, resultando na elaboração do relatório de reinstrução de fls. 1109-1125v e do parecer de fls. 1127-1155 deste Órgão Ministerial, os quais, no tocante ao Sr. Marco Vinicius Pereira de Carvalho, assessor jurídico e parecerista do procedimento licitatório ora em exame, manifestaram-se por aplicar-lhe multas em razão das seguintes irregularidades (fl. 1124v):

3.2.2. Fixação da distância do serviço de assistência técnica no máximo a 200 quilômetros de distância da sede do município, prevista no Termo de Referência, contrariando o disposto no final do § 6º do art. 30 da Lei Federal nº 8.666/93 c/c o inciso I do §1º do art. 3º do mesmo diploma legal e o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal;

3.2.7. Especificações dos equipamentos descritos no Termo de Referência do Edital do Pregão Presencial nº 52/13 da Prefeitura Municipal de Taió, restringiu a participação de outras marcas de licitantes, contrariando o disposto no inciso I do §7° do artigo 15 da Lei Federal nº 8.666/93 c/c o inciso I do §1º do artigo 3º da Lei Federal nº 8.666/93; e

3.2.8. Estipulação do prazo de 10 (dez) dias para a entrega, previsto no item 1.2.1 do Edital, afasta competidores, fato que se enquadra nas vedações previstas no inciso I do §1º do artigo 3º da Lei Federal nº 8.666/93.

Ato contínuo, a Seccional Catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil apresentou as razões de assistência de fls. 1156-1189, pugnando pelo afastamento da responsabilidade do advogado Marco Vinicius Pereira de Carvalho, alegando, em síntese, a imunidade material prevista no art. 133 da CRFB/88, a caracterização do parecer como ato de opinião, que não vincula o administrador, e a ausência de dolo e de dano ao erário na conduta do advogado.

Após despacho do Relator (fl. 1191), a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações elaborou o relatório técnico de fls. 1192-1209, concluindo por não conhecer dos argumentos apresentados pela OAB/SC, mantendo, portanto, a responsabilidade do Sr. Marco Vinicius Pereira de Carvalho na forma do que fora disposto ao longo do presente processo.

É o relatório.

1.    Da Admissibilidade da Assistência da OAB/SC

Às fls. 1156-1163 dos autos, a Seccional Catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil discorre acerca de sua legitimidade e interesse jurídico para prestar assistência ao advogado Marco Vinicius Pereira de Carvalho no que diz respeito à defesa das suas prerrogativas profissionais que, em última análise, corresponderia à tutela de toda a categoria de advogados.

A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações, no entanto, pontuou às fls. 1203-1203v que a OAB não deteria interesse jurídico que justificasse sua atuação nos presentes autos, tendo em vista que se trata de caso com repercussão direta a apenas um advogado e não à classe de causídicos.

Não obstante o posicionamento da Área Técnica desse Tribunal, entendo que cabe a atuação do Conselho de Classe dos advogados no processo em comento, já que o Sr. Marco Vinicius Pereira de Carvalho foi arrolado como responsável em face de determinadas irregularidades que dizem respeito direto à sua atuação enquanto advogado, sendo que sua responsabilização poderia implicar em afronta - apenas aparente, conforme se verá ao longo deste parecer - às prerrogativas profissionais previstas, especialmente, no Estatuto da Advocacia (art. 2º, § 3º da Lei n. 8.906/94) e na CRFB/88 (art. 133).

À OAB, desta feita, compete promover, com exclusividade, a representação e a defesa dos advogados em todo o território brasileiro, consoante o disposto no art. 44, inciso II, do referido Estatuto.

Ainda, o art. 49, parágrafo único, daquela mesma normativa, dispõe que os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB podem agir judicial e extrajudicialmente contra qualquer pessoa que infringir as disposições do seu Estatuto, tendo legitimidade para intervir, inclusive como assistente, nos processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB, a saber:

Art. 49. Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm legitimidade para agir, judicial e extrajudicialmente, contra qualquer pessoa que infringir as disposições ou os fins desta lei.

Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm, ainda, legitimidade para intervir, inclusive como assistentes, nos inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB. (grifei)

Nesse mesmo sentido, os arts. 15, 16 e 17 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB dispõem sobre as prerrogativas daquela entidade na defesa dos direitos e das prerrogativas dos advogados, estabelecendo que:

Art. 15. Compete ao Presidente do Conselho Federal, do Conselho Seccional ou da Subseção, ao tomar conhecimento de fato que possa causar, ou que já causou, violação de direitos ou prerrogativas da profissão, adotar as providências judiciais e extrajudiciais cabíveis para prevenir ou restaurar o império do Estatuto, em sua plenitude, inclusive mediante representação administrativa.

Parágrafo único. O Presidente pode designar advogado, investido de poderes bastantes, para as finalidades deste artigo.

Art. 16. Sem prejuízo da atuação de seu defensor, contará o advogado com a assistência de representante da OAB nos inquéritos policiais ou nas ações penais em que figurar como indiciado, acusado ou ofendido, sempre que o fato a ele imputado decorrer do exercício da profissão ou a este vincular-se.

Art. 17. Compete ao Presidente do Conselho ou da Subseção representar contra o responsável por abuso de autoridade, quando configurada hipótese de atentado à garantia legal de exercício profissional, prevista na Lei n. 4.898, de 09 de dezembro de 1965. (grifei)

O Regimento Interno da Seccional Catarinense da OAB também prevê a adoção das medidas necessárias à defesa, preservação e garantia dos direitos e prerrogativas profissionais dos advogados, senão, veja-se:

Art. 218 A defesa das prerrogativas profissionais será feita através de duas Câmaras de Prerrogativas, auxiliadas por seis Turmas de Defesa das Prerrogativas, que receberão representações, queixas, denúncias ou notícias de fatos que violem os direitos ou prerrogativas da advocacia.

§ 1º Caberá às Câmaras:

I - apreciar e julgar atos e práticas de toda e qualquer autoridade ou pessoa que represente(m) direta ou indiretamente os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e ameace(m) ou viole(m) direitos e prerrogativas do Advogado no exercício da sua profissão;

II - determinar a proposição, pela Seccional, de medidas extrajudiciais, judiciais e de todos os meios necessários à defesa, preservação e garantia dos direitos e prerrogativas profissionais, primando pelo livre exercício da advocacia.

Na condição de terceiro interessado - na defesa das prerrogativas dos advogados -, portanto, a assistência prestada pela OAB ao advogado também se enquadrava na hipótese prevista no então vigente[1] art. 50 do CPC/73, que assim previa:

Art. 50. Pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la.

Ora, o interesse da OAB em intervir no presente processo de demonstra por motivos cristalinos: está-se perquirindo, in casu, sobre a atuação funcional de determinado advogado e sobre a possibilidade de sua responsabilização em razão de conduta irregular/deficitária no exercício de sua profissão, a qual, para ser confirmada pelo Tribunal Pleno desse Tribunal, envolve a necessária abordagem do alcance das garantias e prerrogativas conferidas por lei e pela CRFB/88 a todos os advogados.

Embora a confirmação da responsabilização no presente caso - conforme defendi no parecer de fls. 1127-1155 -, incida, prima facie, apenas em desfavor do advogado arrolado como responsável nos autos, a questão é que a suposta relativização da inviolabilidade material de um advogado implicaria em potencial ofensa às garantias de toda a classe, configurando-se em precedente que poderia vir a ser continuamente aplicado em casos análogos - respeitando-se as particularidades dos casos concretos, por óbvio - e, portanto, passível de atingir um número indeterminado de profissionais da advocacia.

Nesse sentido, se a OAB não puder defender seu ponto de vista neste processo, quando poderá fazê-lo? Quantos advogados arrolados como responsáveis em um mesmo processo serão necessários para assim legitimá-la?

De qualquer forma, não há nenhuma disposição em todas as normativas relativas ao tema que exija que a suposta ofensa às prerrogativas dos advogados estenda-se a mais de um profissional para justificar a intervenção da OAB, senão o contrário, conforme se extrai, especialmente, do acima transcrito art. 16 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB.

Logo, o que legitima a OAB a agir é o fato de existir potencial ofensa às prerrogativas de seus membros - da categoria - sendo irrelevante se o caso concreto alberga o prejuízo direto para apenas um ou para todos os seus profissionais.

Dado o exposto, entendo que, contrariamente ao entendimento da Área Técnica desse Tribunal, a OAB/SC detém legitimidade e interesse de agir para atuar, no presente processo, como assistente do advogado Marco Vinicius Pereira de Carvalho.

Do Mérito da Assistência da OAB/SC

Conforme se extrai do parecer de fls. 1127-1155, este Órgão Ministerial não é alheio às questões trazidas pela OAB/SC quanto às prerrogativas dos advogados, tendo se manifestado, quando da análise das alegações de defesa apresentadas pelo Sr. Marco Vinicius Pereira de Carvalho, no seguinte sentido (fls. 1130-1133):

Às fls. 871-883 dos autos, o Sr. Marco Vinicius Pereira de Carvalho, assessor jurídico da Prefeitura Municipal de Taió e parecerista no processo licitatório em análise, apresentou manifestação aduzindo, em suma, que no exercício da função de advogado, goza de imunidade material, e que sua opinião em parecer jurídico não apresenta cunho decisório, tendo apenas natureza consultiva e opinativa. Dessa forma, entende pela impossibilidade de aplicação de penalidades ou de sua indicação como responsável no presente processo.

No tocante à alegada imunidade material, deve-se ter em mente que apesar da inegável inviolabilidade conferida aos advogados pelo art. 133 da CRFB/88, essa prerrogativa não é absoluta, não permitindo uma inviolabilidade genericamente permissiva de ilícitos ou a liberalidade na prática de atos danosos a terceiros ou ao erário.

Sobre o tema, Joel de Menezes Niebuhr[1] faz uma interessante análise sobre a possibilidade de os advogados públicos, tanto quanto os outros agentes administrativos, responderem por seus atos. Para ele, os advogados que prestam serviços jurídicos a entidades administrativas, exercem função administrativa, assim como todos os demais agentes administrativos. Nesse contexto, o vocábulo função está diretamente ligado à ideia de dever. Aos advogados, na qualidade de agentes administrativos, atribui-se certa função que corresponde ao dever de realizar atividades jurídicas em prol da coletividade, a fim de atender ao interesse público. Conclui, portanto, que:

Partindo-se desse pressuposto, deduz-se que quem assume o cumprimento de um dever para com a coletividade atrai para si a responsabilidade de fazê-lo. Logo, quem exerce função, assume um dever e, por via direta de consequência, responsabilidades. Num Estado de Direito, todos os cidadãos convivem sob o manto do Direito e, pois, devem agir de conformidade com ele, independentemente do status e da função que desempenham. A noção de Estado de Direito torna imperativo que se reconheça responsabilidade a todos, sem exceção. Todos respondem por seus atos, inclusive os advogados.

No mesmo sentido, Ronny Charles Lopes de Torres[2] afirma que:

Não há dúvidas de que as prerrogativas e competências concedidas pela Constituição à Advocacia do Estado, ao passo que geram grandes poderes, trazem consigo grandes responsabilidades. Basta essa máxima infante para desautorizar qualquer tentativa de suprimir absolutamente a possibilidade de responsabilização do Advogado de Estado ou de qualquer outra autoridade pública ou política. O Estado Democrático de Direito não foi assentado sob as premissas das proteções odiosas às autoridades; pelo contrário, se o Estado de Direito marcou a sujeição do Estado à lei, sua transmudação democrática firmou a submissão do Estado à vontade da sociedade e essa nova face não admite privilégios ilegítimos.

Logo, na qualidade de agentes públicos, os advogados sofrem limitação a essa prerrogativa assegurada constitucionalmente, uma vez que devem observância aos princípios constitucionais da Administração e, como se sabe, no sistema jurídico brasileiro não há exercício de direito de forma absoluta, submetendo-se todos ao princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas. Tanto é verdade, que o próprio Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/94) estabelece, em seu art. 32, que “o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”.

Quanto à alegação do Sr. Marco Vinicius Pereira de Carvalho de que não poderia ser responsabilizado em face do caráter opinativo do parecer jurídico nas licitações, filio-me ao entendimento de que a possibilidade de responsabilização dos advogados pareceristas independe de sua natureza jurídica – vinculativo ou opinativo –, estando relacionada, portanto, ao conteúdo e circunstâncias da manifestação.

Com efeito, não cabe responsabilização do parecerista se sua tese for razoável e bem fundamentada, ainda que, ocasionalmente, contrária ao entendimento dos órgãos de controle, tendo em vista ser o Direito uma ciência não exata, ou seja, uma mesma questão é passível de múltiplas interpretações. Mesmo nessa situação, no entanto, o advogado deve expor à autoridade administrativa todos os entendimentos sobre o assunto que lhe foi submetido à análise, de forma a subsidiar o gestor de todas as informações necessárias para o melhor processo decisório.

Não foi o que aconteceu, no entanto, no presente processo. Conforme se extrai do documento acostado à fl. 304 dos autos, o parecer jurídico emitido pelo Sr. Marco Vinicius Pereira de Carvalho no processo licitatório n. 52/2013 limitou-se a apenas 1 página, em que, em breves 3 parágrafos, o advogado parecerista entendeu pela regularidade de todos os documentos juntados ao processo até aquele momento e, portanto, pela retidão de todas as exigências ilegais realizadas no edital e seus anexos, conforme será pormenorizadamente analisado nos itens seguintes deste parecer.

No parecer em análise, portanto, não foi tecida qualquer tese minimamente fundamentada acerca dos elementos que compõem o processo licitatório e que poderia justificar o posicionamento do parecerista acerca das irregularidades apontadas por esse Tribunal.

Além disso, em sede de apresentação de alegações de defesa a essa Corte de Contas, o responsável também não promoveu a adequada explicação acerca dos motivos que o levaram a considerar aquele processo licitatório viciado como sendo legal, limitando-se a pugnar pelo afastamento de sua responsabilização.

Como se vê, um processo licitatório de expressivo valor estimado em R$ 745.000,00 foi aprovado pela assessoria jurídica da Unidade Gestora sem a cautela e diligência esperadas, não sendo possível, in casu, o afastamento da responsabilidade do advogado parecerista.

Dessa forma, a preliminar aventada pelo responsável não merece ser acolhida.

Ainda, quando da análise da irregularidade relativa ao direcionamento das especificações do objeto no Termo de Referência (item 8 daquele parecer), consignei expressamente que (fls. 1150-1151):

Quanto ao Sr. Marco Vinicius Pereira de Carvalho, advogado que proferiu parecer na licitação em análise, já foi visto neste parecer que, nas alegações de defesa por ele apresentadas (fls. 871-883), não houve expressa manifestação quanto às irregularidades que lhes foram imputadas, limitando-se sua defesa à tentativa de afastar sua responsabilidade sob o argumento de ilegitimidade passiva, o que já foi devidamente afastado no item 1 deste parecer.

Ocorre que, embora ele responda pela emissão de parecer jurídico aprovando licitação claramente defeituosa, deve ser realizada uma ponderação quanto a sua responsabilidade por questões eminentemente técnicas que fogem a sua área de formação, tais como a especificação de materiais e equipamentos não contemplados pelo conhecimento comum, tais como, portanto, o conjunto móvel de britadeira objeto da licitação em exame.

Nesse sentido, Lucas Rocha Furtado[7], atual Subprocurador-Geral do Ministério Público de Contas da União, disserta que:

Não é igualmente correto conferir responsabilidade ao órgão jurídico em razão de falhas técnicas ocorridas nos processos em que atua. Exemplo: se em determinado processo licitatório consta manifestação do órgão técnico que subsidiou a elaboração do projeto básico para a contratação de serviço de informática, e, posteriormente, constata-se que as especificações técnicas resultaram em evidente direcionamento do edital, não se pode atribuir responsabilidade ao advogado, salvo se se tratar de falha ou irregularidade tão evidente que qualquer pessoa que tenha o mínimo conhecimento de informática seria capaz de identificar.

A correta definição do papel do órgão jurídico é aspecto fundamental na definição da sua responsabilidade, especialmente quando se tratar de falhas técnicas nos projetos em que atua, em razão do princípio da segregação das funções. É dever do advogado verificar se constam nos autos os estudos ou as informações técnicas que justificam as especificações do objeto do contrato e as exigências de qualificação técnica e econômico-financeiras constantes do edital da licitação. Não se deve esperar, especialmente em situações que requeiram elevado nível de conhecimento técnico, que os advogados sejam capazes de identificar eventuais falhas técnicas e que sejam capazes de refutá-las em suas manifestações jurídicas.

Dessa forma, a responsabilidade do advogado parecerista de licitações por direcionamento em especificações técnicas alheias a sua área de formação poderia ser afastada.

No presente caso, no entanto, percebe-se que não houve um direcionamento velado, indetectável por pessoa leiga quanto aos objetos licitados. Se, em um primeiro momento, o profundo detalhamento dos itens da britadeira – com a indicação de inúmeras dimensões e potências absolutamente precisas, sem margem, inclusive, para produtos superiores tecnicamente – já deveria despertar, por parte da assessoria jurídica, a dúvida quanto à existência de direcionamento, a indicação de modelo realizada em 2 daqueles itens trazia a certeza que faltava para o parecerista jurídico ao menos questionar os responsáveis pela elaboração do edital acerca das especificações realizadas.

Com tudo isso, e aliado ao fato de o parecer (fl. 304) emitido nos autos licitatórios em análise ter sido absolutamente superficial, sem analisar de fato as questões mínimas esperadas em um parecer jurídico, conforme debatido no item 1 deste parecer, deve ser mantida a responsabilidade do Sr. Marco Vinicius Pereira de Carvalho.

Como se vê, não se desconhece da chamada imunidade material conferida aos advogados pelo art. 133 da CFRB/88, no entanto, ao teor do que já fora consignado por esta Procuradora nestes autos e acima reproduzido, essa garantia não pode ser utilizada como subterfúgio aos advogados para a prática de atos ilegais, sobretudo quando investidos de função pública.

No presente caso, temos como possível a responsabilização do advogado Marco Vinicius Pereira de Carvalho em razão das circunstâncias específicas de sua atuação deficitária enquanto parecerista jurídico, tendo em vista que restou demonstrado a omissão daquele profissional em ponderar minimamente os contornos do procedimento licitatório que lhe foi submetido à apreciação, já que, não obstante a presença de ilegalidades flagrantes – ou, ao menos, fortemente questionáveis por parte do crivo jurídico da Administração –, o parecer exarado foi absolutamente genérico e sucinto, esgotando toda a complexa análise de uma licitação em breves 3 parágrafos.

Não foi verificado, in casu, portanto, a cautela e a diligência esperadas de uma análise jurídica que é imprescindível ao regular desenvolvimento dos processos licitatórios.

Nesse sentido, importante ter em mente que embora parte da doutrina defina os pareceres jurídicos proferidos em licitações como meramente opinativos, o art. 38, parágrafo único da Lei n. 8.666/93 confere alta importância à assessoria jurídica da Administração, incumbindo-lhe não apenas do exame, mas da aprovação das minutas de editais de licitação, bem como dos contratos, acordos, convênios e ajustes. Em sede de licitações, portanto, a imperiosa análise jurídica dos editais e demais documentos do procedimento licitatório é mecanismo de resguardo dos princípios norteadores das contratações públicas e de controle da compatibilidade de seus termos com o ordenamento jurídico, constituindo-se o parecer jurídico nas licitações em verdadeiro controle preventivo dos atos administrativos.

Logo, considerando, inclusive, que grande parte dos gestores não possui formação jurídica, a análise técnico-jurídica emitida sobre a licitação ganha ainda mais notoriedade, pois serve de suporte às razões de decidir do gestor sobre o prosseguimento de determinado certame, sendo que, somente motivadamente, pode ele divergir das considerações apontadas naquele parecer.

Dessa forma, a simples ausência de dolo ou dano ao erário quantificável não servem para afastar a responsabilidade do advogado que não agiu com a cautela e a diligência esperadas, inclusive em razão do disposto no art. 32 do Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.609/94) que determina que “o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”.

Ainda quanto à alegada ausência de dolo, note-se que não há nenhum dispositivo na Lei Complementar Estadual n. 202/2000 que exija comprovação de dolo ou má-fé para com o imputável. Mais ainda, no âmbito do Direito Administrativo, não há que se indagar sobre a boa ou má-fé do agente, mas sim sobre sua voluntariedade ao ato de praticar a conduta, a qual se constata nesses autos.

Também quanto à ausência de dano ao erário, note-se que tal circunstância não impede a responsabilização e consequente imposição de multa àquele que agir irregularmente, em face no disposto no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.

Logo, embora não tenha ficado demonstrada pela Área Técnica a ocorrência de dano monetário – ainda que possa ter ocorrido, tendo em vista que as restrições à competitividade verificadas podem ter importado em contratação menos vantajosa à Administração – o descumprimento de preceitos normativos que resultam, como consequência, em desvirtuamento dos objetivos da norma estabelecida, implica em dano ao interesse público, de maneira que tal conduta é passível de responsabilização.  

2.    Conclusão

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se por CONHECER da assistência prestada pela OAB/SC às fls. 1156-188 em sede de assistência ao advogado Marco Vinicius Pereira de Carvalho, para, no mérito, considerar suas razões IMPROCEDENTES, na linha do que fora exposto neste parecer e naquele de fls. 1127-1155, mantendo-se, portanto, a responsabilização do Sr. Marco Vinicius Pereira de Carvalho em face das irregularidades dispostas nos itens 3.2.2, 3.2.7 e 3.2.8 da conclusão do relatório de reinstrução de fls. 1109-1125v.

Florianópolis, 15 de julho de 2016.

 

 

Cibelly Farias Caleffi

Procuradora

 



[1] No mesmo sentido, o art. 119 do Novo CPC traz a seguinte redação: “Art. 119. Pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la. Parágrafo único.  A assistência será admitida em qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente o processo no estado em que se encontre. ”