PARECER
nº: |
MPTC/43378/2016 |
PROCESSO
nº: |
REP 15/00274787 |
ORIGEM: |
Prefeitura Municipal de Taió |
INTERESSADO: |
Joel Sandro Macoppi |
ASSUNTO: |
Irregularidades na aquisição de conjunto móvel de
britagem primária, mediante o Pregão Presencial nº 052/2013 |
Trata-se de representação (fls.
2-206) encaminhada pelo Presidente da Câmara Municipal de Taió, Sr. Joel Sandro
Macoppi, por meio do Ofício n. 0112/15, acerca das conclusões da Comissão
Parlamentar de Inquérito que investigou supostas irregularidades no Pregão
Presencial n. 052/2013, destinado à aquisição de conjunto móvel de britagem
primária para aquele Município.
Após a emissão dos relatórios
técnicos de fls. 229-233v e 834-852, foi realizada a audiência dos
responsáveis, resultando na elaboração do relatório de reinstrução de fls.
1109-1125v e do parecer de fls. 1127-1155 deste Órgão Ministerial, os quais, no
tocante ao Sr. Marco Vinicius Pereira de Carvalho, assessor jurídico e
parecerista do procedimento licitatório ora em exame, manifestaram-se por
aplicar-lhe multas em razão das seguintes irregularidades (fl. 1124v):
3.2.2. Fixação da
distância do serviço de assistência técnica no máximo a 200 quilômetros de
distância da sede do município, prevista no Termo de Referência, contrariando o
disposto no final do § 6º do art. 30 da Lei Federal nº 8.666/93 c/c o inciso I
do §1º do art. 3º do mesmo diploma legal e o inciso XXI do artigo 37 da
Constituição Federal;
3.2.7. Especificações
dos equipamentos descritos no Termo de Referência do Edital do Pregão
Presencial nº 52/13 da Prefeitura Municipal de Taió, restringiu a participação
de outras marcas de licitantes, contrariando o disposto no inciso I do §7° do
artigo 15 da Lei Federal nº 8.666/93 c/c o inciso I do §1º do artigo 3º da Lei
Federal nº 8.666/93; e
3.2.8. Estipulação do
prazo de 10 (dez) dias para a entrega, previsto no item 1.2.1 do Edital, afasta
competidores, fato que se enquadra nas vedações previstas no inciso I do §1º do
artigo 3º da Lei Federal nº 8.666/93.
Ato contínuo, a Seccional Catarinense
da Ordem dos Advogados do Brasil apresentou as razões de assistência de fls.
1156-1189, pugnando pelo afastamento da responsabilidade do advogado Marco
Vinicius Pereira de Carvalho, alegando, em síntese, a imunidade material
prevista no art. 133 da CRFB/88, a caracterização do parecer como ato de
opinião, que não vincula o administrador, e a ausência de dolo e de dano ao
erário na conduta do advogado.
Após despacho do Relator (fl.
1191), a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações elaborou o
relatório técnico de fls. 1192-1209, concluindo por não conhecer dos argumentos
apresentados pela OAB/SC, mantendo, portanto, a responsabilidade do Sr. Marco
Vinicius Pereira de Carvalho na forma do que fora disposto ao longo do presente
processo.
É o relatório.
1. Da Admissibilidade da Assistência da OAB/SC
Às fls. 1156-1163 dos autos, a
Seccional Catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil discorre acerca de sua
legitimidade e interesse jurídico para prestar assistência ao advogado Marco
Vinicius Pereira de Carvalho no que diz respeito à defesa das suas
prerrogativas profissionais que, em última análise, corresponderia à tutela de
toda a categoria de advogados.
A Diretoria de Controle de
Licitações e Contratações, no entanto, pontuou às fls. 1203-1203v que a OAB não
deteria interesse jurídico que justificasse sua atuação nos presentes autos,
tendo em vista que se trata de caso com repercussão direta a apenas um advogado
e não à classe de causídicos.
Não obstante o posicionamento da
Área Técnica desse Tribunal, entendo que cabe a atuação do Conselho de Classe
dos advogados no processo em comento, já que o Sr. Marco Vinicius Pereira de
Carvalho foi arrolado como responsável em face de determinadas irregularidades
que dizem respeito direto à sua atuação enquanto advogado, sendo que sua
responsabilização poderia implicar em afronta - apenas aparente, conforme se
verá ao longo deste parecer - às prerrogativas profissionais previstas,
especialmente, no Estatuto da Advocacia (art. 2º, § 3º da Lei n. 8.906/94) e na
CRFB/88 (art. 133).
À OAB, desta feita, compete
promover, com exclusividade, a representação e a defesa dos advogados em todo o
território brasileiro, consoante o disposto no art. 44, inciso II, do referido Estatuto.
Ainda, o art. 49, parágrafo único,
daquela mesma normativa, dispõe que os Presidentes dos Conselhos e das
Subseções da OAB podem agir judicial e extrajudicialmente contra qualquer
pessoa que infringir as disposições do seu Estatuto, tendo legitimidade para
intervir, inclusive como assistente, nos processos em que sejam indiciados,
acusados ou ofendidos os inscritos na OAB, a saber:
Art. 49.
Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm legitimidade para agir,
judicial e extrajudicialmente,
contra qualquer pessoa que infringir as disposições ou os fins desta lei.
Parágrafo
único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm, ainda,
legitimidade para intervir, inclusive
como assistentes, nos inquéritos e processos
em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB. (grifei)
Nesse mesmo sentido, os arts. 15,
16 e 17 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB dispõem sobre as
prerrogativas daquela entidade na defesa dos direitos e das prerrogativas dos
advogados, estabelecendo que:
Art. 15. Compete ao Presidente do
Conselho Federal, do Conselho Seccional ou da Subseção, ao tomar conhecimento
de fato que possa causar, ou que já
causou, violação de direitos ou prerrogativas da profissão, adotar as
providências judiciais e extrajudiciais
cabíveis para prevenir ou restaurar o
império do Estatuto, em sua plenitude, inclusive mediante representação administrativa.
Parágrafo único. O Presidente pode
designar advogado, investido de poderes bastantes, para as finalidades deste
artigo.
Art. 16. Sem prejuízo da atuação
de seu defensor, contará o advogado
com a assistência de representante da OAB nos inquéritos policiais ou
nas ações penais em que figurar como indiciado, acusado ou ofendido, sempre que o fato a ele imputado
decorrer do exercício da profissão ou a este vincular-se.
Art. 17. Compete ao Presidente do
Conselho ou da Subseção representar contra o responsável por abuso de
autoridade, quando configurada hipótese de atentado à garantia legal de
exercício profissional, prevista na Lei n. 4.898, de 09 de dezembro de 1965.
(grifei)
O Regimento Interno da Seccional
Catarinense da OAB também prevê a adoção das medidas necessárias à defesa,
preservação e garantia dos direitos e prerrogativas profissionais dos
advogados, senão, veja-se:
Art. 218 A defesa das prerrogativas
profissionais será feita através de duas Câmaras de Prerrogativas, auxiliadas
por seis Turmas de Defesa das Prerrogativas, que receberão representações,
queixas, denúncias ou notícias de fatos que violem os direitos ou prerrogativas
da advocacia.
§ 1º Caberá às Câmaras:
I - apreciar e julgar atos e
práticas de toda e qualquer autoridade ou pessoa que represente(m) direta ou
indiretamente os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e ameace(m) ou
viole(m) direitos e prerrogativas do Advogado no exercício da sua profissão;
II - determinar a proposição, pela
Seccional, de medidas extrajudiciais, judiciais e de todos os meios necessários
à defesa, preservação e garantia dos direitos e prerrogativas profissionais,
primando pelo livre exercício da advocacia.
Na condição de terceiro
interessado - na defesa das prerrogativas dos advogados -, portanto, a
assistência prestada pela OAB ao advogado também se enquadrava na hipótese
prevista no então vigente[1]
art. 50 do CPC/73, que assim previa:
Art. 50. Pendendo uma causa entre
duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurídico em que a
sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para
assisti-la.
Ora, o interesse da OAB em
intervir no presente processo de demonstra por motivos cristalinos: está-se
perquirindo, in casu, sobre a atuação
funcional de determinado advogado e sobre a possibilidade de sua
responsabilização em razão de conduta irregular/deficitária no exercício de sua
profissão, a qual, para ser confirmada pelo Tribunal Pleno desse Tribunal,
envolve a necessária abordagem do alcance das garantias e prerrogativas
conferidas por lei e pela CRFB/88 a todos os advogados.
Embora a confirmação da responsabilização
no presente caso - conforme defendi no parecer de fls. 1127-1155 -, incida, prima facie, apenas em desfavor do
advogado arrolado como responsável nos autos, a questão é que a suposta relativização
da inviolabilidade material de um advogado implicaria em potencial ofensa às
garantias de toda a classe, configurando-se em precedente que poderia vir a ser
continuamente aplicado em casos análogos - respeitando-se as particularidades
dos casos concretos, por óbvio - e, portanto, passível de atingir um número indeterminado
de profissionais da advocacia.
Nesse sentido, se a OAB não puder
defender seu ponto de vista neste processo, quando poderá fazê-lo? Quantos advogados
arrolados como responsáveis em um mesmo processo serão necessários para assim
legitimá-la?
De qualquer forma, não há nenhuma
disposição em todas as normativas relativas ao tema que exija que a suposta
ofensa às prerrogativas dos advogados estenda-se a mais de um profissional para
justificar a intervenção da OAB, senão o contrário, conforme se extrai, especialmente, do acima transcrito art. 16 do Regulamento Geral do
Estatuto da Advocacia e da OAB.
Logo, o que legitima a OAB a agir
é o fato de existir potencial ofensa às prerrogativas de seus membros - da
categoria - sendo irrelevante se o caso concreto alberga o prejuízo direto para
apenas um ou para todos os seus profissionais.
Dado o exposto, entendo que,
contrariamente ao entendimento da Área Técnica desse Tribunal, a OAB/SC detém
legitimidade e interesse de agir para atuar, no presente processo, como assistente
do advogado Marco Vinicius Pereira de Carvalho.
Do Mérito da Assistência da OAB/SC
Conforme se extrai do parecer de
fls. 1127-1155, este Órgão Ministerial não é alheio às questões trazidas pela
OAB/SC quanto às prerrogativas dos advogados, tendo se manifestado, quando da
análise das alegações de defesa apresentadas pelo Sr. Marco Vinicius Pereira de
Carvalho, no seguinte sentido (fls. 1130-1133):
Às fls. 871-883 dos autos, o Sr.
Marco Vinicius Pereira de Carvalho, assessor jurídico da Prefeitura Municipal
de Taió e parecerista no processo licitatório em análise, apresentou
manifestação aduzindo, em suma, que no exercício da função de advogado, goza de
imunidade material, e que sua opinião em parecer jurídico não apresenta cunho
decisório, tendo apenas natureza consultiva e opinativa. Dessa forma, entende
pela impossibilidade de aplicação de penalidades ou de sua indicação como
responsável no presente processo.
No tocante à alegada imunidade
material, deve-se ter em mente que apesar da inegável inviolabilidade conferida
aos advogados pelo art. 133 da CRFB/88, essa prerrogativa não é absoluta, não
permitindo uma inviolabilidade genericamente permissiva de ilícitos ou a
liberalidade na prática de atos danosos a terceiros ou ao erário.
Sobre o tema, Joel de Menezes
Niebuhr[1] faz uma interessante análise sobre a possibilidade de os advogados
públicos, tanto quanto os outros agentes administrativos, responderem por seus
atos. Para ele, os advogados que prestam serviços jurídicos a entidades
administrativas, exercem função administrativa, assim como todos os demais agentes
administrativos. Nesse contexto, o vocábulo função está diretamente ligado à
ideia de dever. Aos advogados, na qualidade de agentes administrativos,
atribui-se certa função que corresponde ao dever de realizar atividades
jurídicas em prol da coletividade, a fim de atender ao interesse público.
Conclui, portanto, que:
Partindo-se desse pressuposto,
deduz-se que quem assume o cumprimento de um dever para com a coletividade
atrai para si a responsabilidade de fazê-lo. Logo, quem exerce função, assume
um dever e, por via direta de consequência, responsabilidades. Num Estado de
Direito, todos os cidadãos convivem sob o manto do Direito e, pois, devem agir
de conformidade com ele, independentemente do status e da função que
desempenham. A noção de Estado de Direito torna imperativo que se reconheça
responsabilidade a todos, sem exceção. Todos respondem por seus atos, inclusive
os advogados.
No mesmo sentido, Ronny Charles
Lopes de Torres[2] afirma que:
Não há dúvidas de que as
prerrogativas e competências concedidas pela Constituição à Advocacia do
Estado, ao passo que geram grandes poderes, trazem consigo grandes
responsabilidades. Basta essa máxima infante para desautorizar qualquer
tentativa de suprimir absolutamente a possibilidade de responsabilização do Advogado
de Estado ou de qualquer outra autoridade pública ou política. O Estado
Democrático de Direito não foi assentado sob as premissas das proteções odiosas
às autoridades; pelo contrário, se o Estado de Direito marcou a sujeição do
Estado à lei, sua transmudação democrática firmou a submissão do Estado à
vontade da sociedade e essa nova face não admite privilégios ilegítimos.
Logo, na qualidade de agentes
públicos, os advogados sofrem limitação a essa prerrogativa assegurada
constitucionalmente, uma vez que devem observância aos princípios
constitucionais da Administração e, como se sabe, no sistema jurídico
brasileiro não há exercício de direito de forma absoluta, submetendo-se todos
ao princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas. Tanto é
verdade, que o próprio Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/94) estabelece, em
seu art. 32, que “o advogado é responsável pelos atos que, no exercício
profissional, praticar com dolo ou culpa”.
Quanto à alegação do Sr. Marco
Vinicius Pereira de Carvalho de que não poderia ser responsabilizado em face do
caráter opinativo do parecer jurídico nas licitações, filio-me ao entendimento
de que a possibilidade de responsabilização dos advogados pareceristas
independe de sua natureza jurídica – vinculativo ou opinativo –, estando
relacionada, portanto, ao conteúdo e circunstâncias da manifestação.
Com efeito, não cabe
responsabilização do parecerista se sua tese for razoável e bem fundamentada,
ainda que, ocasionalmente, contrária ao entendimento dos órgãos de controle,
tendo em vista ser o Direito uma ciência não exata, ou seja, uma mesma questão
é passível de múltiplas interpretações. Mesmo nessa situação, no entanto, o
advogado deve expor à autoridade administrativa todos os entendimentos sobre o
assunto que lhe foi submetido à análise, de forma a subsidiar o gestor de todas
as informações necessárias para o melhor processo decisório.
Não foi o que aconteceu, no
entanto, no presente processo. Conforme se extrai do documento acostado à fl.
304 dos autos, o parecer jurídico emitido pelo Sr. Marco Vinicius Pereira de
Carvalho no processo licitatório n. 52/2013 limitou-se a apenas 1 página, em
que, em breves 3 parágrafos, o advogado parecerista entendeu pela regularidade
de todos os documentos juntados ao processo até aquele momento e, portanto,
pela retidão de todas as exigências ilegais realizadas no edital e seus anexos,
conforme será pormenorizadamente analisado nos itens seguintes deste parecer.
No parecer em análise, portanto,
não foi tecida qualquer tese minimamente fundamentada acerca dos elementos que
compõem o processo licitatório e que poderia justificar o posicionamento do
parecerista acerca das irregularidades apontadas por esse Tribunal.
Além disso, em sede de
apresentação de alegações de defesa a essa Corte de Contas, o responsável
também não promoveu a adequada explicação acerca dos motivos que o levaram a
considerar aquele processo licitatório viciado como sendo legal, limitando-se a
pugnar pelo afastamento de sua responsabilização.
Como se vê, um processo
licitatório de expressivo valor estimado em R$ 745.000,00 foi aprovado pela
assessoria jurídica da Unidade Gestora sem a cautela e diligência esperadas,
não sendo possível, in casu, o
afastamento da responsabilidade do advogado parecerista.
Dessa forma, a preliminar aventada
pelo responsável não merece ser acolhida.
Ainda, quando da análise da
irregularidade relativa ao direcionamento das especificações do objeto no Termo
de Referência (item 8 daquele parecer), consignei expressamente que (fls. 1150-1151):
Quanto ao Sr. Marco Vinicius
Pereira de Carvalho, advogado que proferiu parecer na licitação em análise, já
foi visto neste parecer que, nas alegações de defesa por ele apresentadas (fls.
871-883), não houve expressa manifestação quanto às irregularidades que lhes
foram imputadas, limitando-se sua defesa à tentativa de afastar sua
responsabilidade sob o argumento de ilegitimidade passiva, o que já foi
devidamente afastado no item 1 deste parecer.
Ocorre que, embora ele responda
pela emissão de parecer jurídico aprovando licitação claramente defeituosa,
deve ser realizada uma ponderação quanto a sua responsabilidade por questões
eminentemente técnicas que fogem a sua área de formação, tais como a
especificação de materiais e equipamentos não contemplados pelo conhecimento
comum, tais como, portanto, o conjunto móvel de britadeira objeto da licitação
em exame.
Nesse sentido, Lucas Rocha Furtado[7],
atual Subprocurador-Geral do Ministério Público de Contas da União, disserta
que:
Não é igualmente correto conferir
responsabilidade ao órgão jurídico em razão de falhas técnicas ocorridas nos
processos em que atua. Exemplo: se em determinado processo licitatório consta
manifestação do órgão técnico que subsidiou a elaboração do projeto básico para
a contratação de serviço de informática, e, posteriormente, constata-se que as
especificações técnicas resultaram em evidente direcionamento do edital, não se
pode atribuir responsabilidade ao advogado, salvo se se tratar de falha ou
irregularidade tão evidente que qualquer pessoa que tenha o mínimo conhecimento
de informática seria capaz de identificar.
A correta definição do papel do
órgão jurídico é aspecto fundamental na definição da sua responsabilidade,
especialmente quando se tratar de falhas técnicas nos projetos em que atua, em
razão do princípio da segregação das funções. É dever do advogado verificar se
constam nos autos os estudos ou as informações técnicas que justificam as
especificações do objeto do contrato e as exigências de qualificação técnica e
econômico-financeiras constantes do edital da licitação. Não se deve esperar,
especialmente em situações que requeiram elevado nível de conhecimento técnico,
que os advogados sejam capazes de identificar eventuais falhas técnicas e que
sejam capazes de refutá-las em suas manifestações jurídicas.
Dessa forma, a responsabilidade do
advogado parecerista de licitações por direcionamento em especificações
técnicas alheias a sua área de formação poderia ser afastada.
No presente caso, no entanto,
percebe-se que não houve um direcionamento velado, indetectável por pessoa
leiga quanto aos objetos licitados. Se, em um primeiro momento, o profundo
detalhamento dos itens da britadeira – com a indicação de inúmeras dimensões e
potências absolutamente precisas, sem margem, inclusive, para produtos
superiores tecnicamente – já deveria despertar, por parte da assessoria
jurídica, a dúvida quanto à existência de direcionamento, a indicação de modelo
realizada em 2 daqueles itens trazia a certeza que faltava para o parecerista
jurídico ao menos questionar os responsáveis pela elaboração do edital acerca
das especificações realizadas.
Com tudo isso, e aliado ao fato de
o parecer (fl. 304) emitido nos autos licitatórios em análise ter sido
absolutamente superficial, sem analisar de fato as questões mínimas esperadas
em um parecer jurídico, conforme debatido no item 1 deste parecer, deve ser
mantida a responsabilidade do Sr. Marco Vinicius Pereira de Carvalho.
Como se vê, não se desconhece da
chamada imunidade material conferida aos advogados pelo art. 133 da CFRB/88, no
entanto, ao teor do que já fora consignado por esta Procuradora nestes autos e
acima reproduzido, essa garantia não pode ser utilizada como subterfúgio aos
advogados para a prática de atos ilegais, sobretudo quando investidos de função
pública.
No presente caso, temos como
possível a responsabilização do advogado Marco Vinicius Pereira de Carvalho em
razão das circunstâncias específicas de sua atuação deficitária enquanto
parecerista jurídico, tendo em vista que restou demonstrado a omissão daquele
profissional em ponderar minimamente os contornos do procedimento licitatório
que lhe foi submetido à apreciação, já que, não obstante a presença de
ilegalidades flagrantes – ou, ao menos, fortemente questionáveis por parte do
crivo jurídico da Administração –, o parecer exarado foi absolutamente genérico
e sucinto, esgotando toda a complexa análise de uma licitação em breves 3 parágrafos.
Não foi verificado, in casu, portanto, a cautela e a
diligência esperadas de uma análise jurídica que é imprescindível ao regular
desenvolvimento dos processos licitatórios.
Nesse sentido, importante ter em
mente que embora parte da doutrina defina os pareceres jurídicos proferidos em
licitações como meramente opinativos, o art. 38, parágrafo único da Lei n.
8.666/93 confere alta importância à assessoria jurídica da Administração,
incumbindo-lhe não apenas do exame, mas da aprovação
das minutas de editais de licitação, bem como dos contratos, acordos, convênios
e ajustes. Em sede de licitações, portanto, a imperiosa análise jurídica dos
editais e demais documentos do procedimento licitatório é mecanismo de
resguardo dos princípios norteadores das contratações públicas e de controle da
compatibilidade de seus termos com o ordenamento jurídico, constituindo-se o
parecer jurídico nas licitações em verdadeiro controle preventivo dos atos
administrativos.
Logo, considerando, inclusive, que
grande parte dos gestores não possui formação jurídica, a análise
técnico-jurídica emitida sobre a licitação ganha ainda mais notoriedade, pois
serve de suporte às razões de decidir do gestor sobre o prosseguimento de
determinado certame, sendo que, somente motivadamente, pode ele divergir das
considerações apontadas naquele parecer.
Dessa forma, a simples ausência de
dolo ou dano ao erário quantificável não servem para afastar a responsabilidade
do advogado que não agiu com a cautela e a diligência esperadas, inclusive em razão
do disposto no art. 32 do Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.609/94) que determina
que “o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional,
praticar com dolo ou culpa”.
Ainda quanto à alegada
ausência de dolo, note-se que não há nenhum dispositivo na Lei Complementar
Estadual n. 202/2000 que exija comprovação de dolo ou má-fé para com o
imputável. Mais ainda, no âmbito do Direito Administrativo, não há que se
indagar sobre a boa ou má-fé do agente, mas sim sobre sua voluntariedade ao ato
de praticar a conduta, a qual se constata nesses autos.
Também quanto à ausência de
dano ao erário, note-se que tal circunstância não impede a responsabilização e
consequente imposição de multa àquele que agir irregularmente, em face no
disposto no art. 70, inciso II, da Lei Complementar Estadual n. 202/2000.
Logo, embora não tenha ficado
demonstrada pela Área Técnica a ocorrência de dano monetário – ainda que possa
ter ocorrido, tendo em vista que as restrições à competitividade verificadas
podem ter importado em contratação menos vantajosa à Administração – o descumprimento de preceitos normativos
que resultam, como consequência, em desvirtuamento dos objetivos da norma
estabelecida, implica em dano ao interesse público, de maneira que tal conduta
é passível de responsabilização.
2. Conclusão
Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com
amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II da Lei
Complementar Estadual n. 202/2000, manifesta-se por CONHECER da assistência
prestada pela OAB/SC às fls. 1156-188 em sede de assistência ao advogado Marco Vinicius
Pereira de Carvalho, para, no mérito,
considerar suas razões IMPROCEDENTES,
na linha do que fora exposto neste parecer e naquele de fls. 1127-1155, mantendo-se,
portanto, a responsabilização do Sr. Marco Vinicius Pereira de Carvalho em face das irregularidades
dispostas nos itens 3.2.2, 3.2.7 e 3.2.8 da conclusão do
relatório de reinstrução
de fls. 1109-1125v.
Florianópolis, 15 de julho de 2016.
Cibelly Farias Caleffi
Procuradora
[1] No mesmo sentido, o art. 119
do Novo CPC traz a seguinte redação: “Art. 119. Pendendo causa entre 2 (duas)
ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja
favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la. Parágrafo único. A assistência será admitida em qualquer
procedimento e em todos os graus de jurisdição,
recebendo o assistente o processo no estado em que se encontre. ”