PARECER       :

MPTC/53367/2018

PROCESSO nº     :

DEN 13/00108557    

ORIGEM          :

Prefeitura de Imbituba

INTERESSADO     :

Sérgio de Oliveira

ASSUNTO         :

Concessão/transferência de outorga para prestação de serviços públicos de táxi sem o devido processo licitatório.

NÚMERO UNIFICADO:

MPC-SC/2.1/2018.44

 

A análise de mérito deste processo já foi efetuada, tendo sido assinalado prazo para apresentação de medidas corretivas mirando o ajuste das ocorrências detectadas, conforme decisão de fls. 156/157.[1]

Nenhum dos recursos manejados em face do decisum restou provido, circunstância que induz ao reconhecimento de que o Acordão nº 114/2015 desponta incólume.

Assim, o momento processual demanda que se verifique o cumprimento das determinações contidas na decisão, com base no expediente[2] carreado aos autos pela municipalidade.[3]

Senão vejamos. No que toca ao item 6.3.2 do Acórdão nº 114/2015,[4] afeto à determinação para anulação dos atos administrativos de outorga de permissão para a exploração do serviço público de transporte individual de passageiros - táxi, coaduno com o tratamento conferido à questão por auditores da DLC.

Isso porque, do exame dos autos, verifica-se que o então chefe do Poder Executivo de Imbituba, Sr. Jaison Cardoso de Souza, decretou a anulação dos atos administrativos por meio dos quais houve a transferência de autorização dos serviços de táxi no âmbito daquele município, consoante se colige do Decreto Municipal nº 81, datado de 30-4-2015, encartado à altura da fl. 170.

Logo, reputo atendida a determinação constante do item 6.3.2 da deliberação plenária sob enfoque.

Sem embargo, em relação aos itens 6.3.1 e 6.3.3 do Acordão nº 114/2015, dissinto quanto à conclusão delineada nos autos por auditores da Diretoria de Controle de Licitações e Contratações.[5]

Especificamente quanto ao item 6.3.1,[6] ressalta-se que o decreto municipal lavrado pelo prefeito de Imbituba à época, anulou atos administrativos que tivessem como pano de fundo a concessão do serviço de táxi. Impende consignar, todavia, que os dispositivos referenciados[7] no corpo da determinação permanecem hígidos e, portanto, em vigor perante o ordenamento jurídico pátrio.

Mesmo que inegável a transitoriedade dos comandos em realce, que em um deles estabeleceu prazo de 2 (dois) anos a contar da data de vigência da norma sobredita, no caso, a partir de 26-3-2010, como termo de alcance para fins de convalidação das transferências realizadas sob a égide da lei antecedente, bem como para efeito do disposto no art. 62, entrevejo peculiaridades quanto ao seu período de existência.

Somando-se 2 (dois) anos à vigência da Lei Complementar Municipal nº 3.647, datada de 26-3-2010, obteremos, invariavelmente, o dia 26-3-2012 como baliza temporal para que os atos fossem convalidados.

Ocorre, no entanto, que o decreto municipal que anulou referidos atos administrativos foi além, perpassando pela data limite constante do art. 63, incluindo ali atos do ano de 2013 e 2014, não acobertados pela amplitude temporal disposta em seu bojo.

A questão não gira em torno da anulação de atos administrativos em época não prescrita pela norma, mas da edição de decretos a destempo, nos idos de 2013 e 2014, circunstância fática que permitiu a convalidação de transferências que não despontavam em consonância com o art. 63 da Lei Complementar Municipal nº 3.647/2010.

E seguindo tal raciocínio, lícito concluir que mesmo após 26-3-2012, a municipalidade insistiu na convalidação das transferências de autorização de serviço de táxi, em afronta à regra estabelecida por ela própria.

Há de se reconhecer, portanto, que a transitoriedade do artigo alhures referenciado não foi observada pela Administração, situação que na prática conduziu a verdadeira ultratividade[8] de seu objeto.[9]

Diante da argumentação desenvolvida, não apenas vislumbro que a determinação de que trata o item 6.3.1 não foi atendida pelo responsável, no caso, o então prefeito de Imbituba,[10] como que para a sua escorreita satisfação medidas mais incisivas devem ser adotadas, como a elaboração de projeto lei com o fito de revogar os arts. 62 e 63 da Lei Complementar Municipal nº 3.647/2010.

Diante da conjuntura fática a que se chegou, não reputo que o caso comporta multa, em razão dos entraves inerentes ao seu equacionamento, alhures evidenciado, motivo pelo qual pugno tão somente pela renovação da determinação, na forma especificada neste trecho do parecer, acima.

No que toca ao item 6.3.3,[11] quanto à deflagração de procedimento licitatório com vistas a outorga de permissões para a exploração dos serviços de táxi, auditores da Diretoria de Controle de Licitações e Contratação asseveraram que tal situação “se encontra no âmbito da conveniência e oportunidade, em seara discricionária atribuída do [ao] Poder Executivo Municipal. Assim sendo, advoga-se que não está no âmbito de atribuições desta Corte de Contas compelir a municipalidade à [a] intentá-la”.[12]

A determinação consistente na deflagração de procedimento licitatório, assim como as demais determinações exaradas pelo Tribunal de Contas, possui caráter público e é de cumprimento obrigatório pelo gestor a quem se dirige seus termos.

A partir do momento em que o Tribunal de Contas expede uma determinação, compete ao responsável, dentro do prazo fixado, adotar as medidas cabíveis ou justificar a impossibilidade de fazê-las, sob pena de aplicação de multa.

Ora, in casu, a deflagração de procedimento licitatório não desponta como questão de conveniência e oportunidade da municipalidade, mas sim de comportamento de obediência cogente por parte do administrador da Unidade Gestora.[13]

No afã de validar o exposto, trago à baila situação semelhante contemplada pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina, ocasião na qual o gestor foi compelido a realizar procedimento licitatório para a concessão do serviço público de transporte:[14]

 

Acórdão nº 627/2010:

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

[...]

6.3. Determinar, nos termos do art. 29 da Lei Complementar (estadual) n. 202/00, que o Sr. Wanderley Teodoro Agostini - anteriormente qualificado, no prazo de 30 dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, promova e comprove a este Tribunal:

[...]

6.3.2. a realização de novo processo licitatório para a concessão do serviço de transporte coletivo urbano do Município de Curitibanos.

[...] (Grifos meus)

 

No caso citado, a determinação do Tribunal de Contas também não restou atendida em tempo e modo pelo responsável; culminando na aplicação de multa e reiteração da determinação, conforme consta do Acórdão nº 326/2013.[15]

Se não bastasse, insta reiterar que a apreciação de mérito destes autos já foi ultimada, conforme consignado no introito deste parecer, não comportando o atual momento processual digressões sobre o cerne do decisum.

Até porque, seguindo a praxe corrente da jurisdição de contas, aos responsáveis foi conferida a possibilidade de recorrer da deliberação plenária, tanto que assim o fizeram em três oportunidades,[16] irresignações que não culminaram na modificação do panorama da determinação em tela.

Das fls. 163/163-v, infere-se ter havido a notificação do Sr. Jaison Cardoso de Souza quanto ao conteúdo da deliberação do TCE/SC, não tendo ele se oposto à determinação do item 6.3.3. 

Diante disso, verifico estar a situação posta acobertada pelo instituto da coisa julgada, condição a ela conferida por força da impossibilidade de se manejar novos recursos com vistas à sua modificação material.

Em não se tratando de hipótese de desconstituição da coisa julgada, na medida em que inexistem quaisquer elementos que indiquem óbices à satisfação da determinação do item em ora enfrentado, há de se reconhecer o desatendimento injustificado à decisão do Tribunal.

Eis o teor do art. 70, § 1º, da Lei Complementar nº 202/2000:

 

Art. 70 - O Tribunal poderá aplicar multa de até cinco mil reais aos responsáveis por:

[...]

§ 1º Fica ainda sujeito à multa prevista no caput deste artigo aquele que deixar de cumprir, injustificadamente, decisão do Tribunal, bem como o declarante que não remeter cópia da declaração de bens ao Tribunal ou proceder à remessa fora do prazo previsto no Regimento Interno. (Grifo meu)

 

Essa multa tem como corolário a sanção pelo descumprimento de obrigação de fazer (astreintes), prevista na legislação processual civil, sendo que lá como aqui não necessita de contraditório.

Aliás, diversa não é a jurisprudência calcada pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:[17]

 

O termo inicial da pena pecuniária deve corresponder ao momento em que configurado o inadimplemento por parte do devedor. Findo o prazo determinado [...] haverá então lugar para a exigência da multa. (Resp 141782/MG, 4ª Turma do STJ, rel. Ministro BARROS Monteiro, DJ 2.5.2005) (Grifo meu)

 

In casu, a obrigação de fazer imposta pelo Tribunal de Contas é o cumprimento da decisão dele emanada.

Veja-se que os bens tutelados nos processos a cargo do Tribunal de Contas demandam atuação eficaz para a correção de adversidades sob sua jurisdição, mediante estímulo à ação efetiva do gestor público.

Nesta direção, a multa adquire significado não tanto de punição, mas primordialmente de instrumento para que a determinação do Tribunal de Contas seja cumprida a contento.

A propósito, calha trazer à baila excerto de voto proferido pelo Conselheiro Substituto Cléber Muniz Gavi, em situação análoga a dos autos:[18]

 

Importante salientar que tal espécie de sanção tem exatamente o escopo de compelir as autoridades jurisdicionadas ao pronto cumprimento das decisões desta Corte, resguardando a efetividade de suas funções e a respeitabilidade de suas decisões. A providência sugerida pela COG, data vênia, apenas teria o condão de prejudicar tal escopo, na medida em que caberia ao próprio Tribunal, para aplicar tais multas, instaurar um novo procedimento (ou uma nova etapa no processo) para investigar porque suas decisões não foram cumpridas. Melhor dizendo, além de um longo trâmite processual destinados à apuração de fatos tidos por irregulares, outro deveria ser percorrido com a finalidade de apurar o motivo pelo qual as conclusões e determinações emanadas deste órgão de fiscalização são desconsideradas. Dentro deste contexto, não é difícil vislumbrar que o responsável estaria dispensado, até mesmo, de solicitar eventuais prorrogações de prazo ou de justificar antecipadamente os motivos pelos quais não irá cumprir a determinação desta Corte, eis que qualquer motivo (justo ou não) para desobediência ao comando contido no acórdão deveria ser apreciado a posteriori por este Tribunal.

 

Na mesma vereda, voto condutor de acórdão proferido no processo nº TCE–033.456/2012-7, que tramitou no Tribunal de Contas da União, da lavra do Ministro André Luís de Carvalho:[19]

 

Informo que o não atendimento à diligência de decisão deste Tribunal, no prazo fixado, sem causa justificada, poderá ensejar a aplicação da multa prevista no art. 58, incisos IV, da Lei 8.443/1992, a qual prescinde de realização de prévia audiência, nos termos do art. 268, inciso IV, § 3º, do Regimento Interno do TCU’.

 

Assim, pertinente que haja sanção a respeito.

Por derradeiro, reputo necessário conferir efetividade à jurisdição desta Corte, motivo pelo qual opino pela reiteração da determinação, assinalando-se novo prazo para cumprimento.

Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108 da Lei Complementar n° 202/2000, manifesta-se pela adoção das seguintes providências:

- APLICAÇÃO de MULTA ao Sr. Jaison Cardoso de Souza, ex-prefeito de Imbituba, por deixar de cumprir, injustificadamente, o item 6.3.3 do ACÓRDÃO nº 114/2015, com supedâneo no art. 70, § 1º, da Lei Complementar nº 202/2000;

- REITERAÇÃO da DETERMINAÇÃO constante do item 6.3.3 do ACÓRDÃO nº 114/2015, sob pena de aplicação de nova multa em caso de descumprimento;

- DETERMINAÇÃO ao gestor que, em prazo razoável a ser estabelecido pelo Eminente Relator, adote as medidas necessárias à alteração das disposições da Lei Complementar Municipal nº 3.647/2010, no que se refere à convalidação das transferências de autorização de serviço de táxi – arts. 62 e 63, em atenção ao que dispõe o art. 175 da Constituição, de modo a atender a DETERMINAÇÃO constante do item 6.3.1 do ACÓRDÃO nº 114/2015, sob pena de aplicação de multa em caso de descumprimento;

- RECONHECIMENTO de CUMPRIMENTO do item 6.3.2 do ACÓRDÃO nº 114/2015.

Florianópolis, 5 de março de 2018.

 

Aderson Flores

Procurador



[1] Acórdão nº 114/2015, publicado no DOTC-e nº 1683, em 9-4-2015.

[2] Vide fls. 168/170.

[3] Na pessoa do Sr. Rui Geraldo Rodrigues, então secretário de agricultura, pesca e infraestrutura.

[4]6.3.2. anular os atos administrativos de outorga de permissões para a exploração do serviço público de transporte individual de passageiros (táxi) fundamentados nos arts. 62 e 63 da Lei Complementar (municipal) n. 3.647/2010, haja vista o disposto nos itens 3.2.1 e 3.3.1 do Relatório DLC” (Negrito do original - fl. 156-v).

[5] Vide itens 2.1 e 2.3 do derradeiro relato técnico, respectivamente, insertos à altura das fls. 184-v e 185.

[6]6.3.1. negar executoriedade aos arts. 62 e 63 da Lei Complementar (municipal) n. 3.647/2010, por se tratar de normas transitórias que, ao convalidarem situações pretéritas, geraram novos direitos - e com vigências futuras de até 30 anos - de outorgas de permissão para a exploração do serviço público de transporte individual de passageiros (táxi) sem o prévio procedimento licitatório, em afronta ao regime jurídico constitucional previsto no art. 175 da Constituição Federal e ao disposto nos art. 13 c/c art. 2º, XVI, da Lei Complementar (municipal) n. 3.647/2010” (Negrito do original - fl. 156-v).

[7] A saber, arts. 62 e 63 da Lei Complementar Municipal nº 3.647/2010.

[8] Princípio norteador do Direito Penal relacionado com o postulado da anterioridade, largamente utilizado em temas afetos à lei penal no tempo, conferindo à norma revogada a qualidade de continuar a produzir efeitos mesmo após vencido seu período de vigência, quando mais benéfica ao agente.

[9] Ainda que vedada.

[10] Sr. Jaison Cardoso de Souza.

[11]6.3.3. deflagrar procedimento licitatório para a outorga de permissões para a exploração do serviço público de transporte individual de passageiros (táxi) no Município de Imbituba, em atenção ao disposto no art. 13 c/c art. 2º, XVI, da Lei Complementar (municipal) n. 3.647/2010” (Negrito do original - fl. 156-v).

[12] Excerto extraído da fl. 185.

[13] V.g., processo nº RLA-08/00722833.

[14] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado. Processo nº DEN-08/00165101. Acórdão nº 627/2010. Relator: Conselheiro Substituto Gerson dos Santa Sicca. Data da Sessão: 20-9-2010.

[15] Publicado no DOTC-e nº 1222, em 8-5-2013.

[16] Processos nºs REC-15/00250330, REC-16/00189862 e REC-15/00250250.

[17] Apud MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de Processo Civil comentado e interpretado. São Paulo: Atlas, 2008. p. 679.

[18] SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado. Processo nº REC-05/04005685. Relator: Conselheiro Substituto Cléber Muniz Gavi. Disponível em: <http://consulta.tce.sc.gov.br/RelatoriosDecisao/Decisao/504005685_3116609.htm>. Acesso em: 13-9-2017.

[19] UNIÃO. Tribunal de Contas. Processo nº TCE–033.456/2012-7. Relator: Ministro André Luís de Carvalho. Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/juris/SvlHighLight>. Acesso em: 13-9-2017.